Pechelingue
Epaminondas concorreu ao posto de comando territorial e foi aceite. Amigos do mando e do peito, tinham-no convencido a chegar-se à frente, como quem não quer a coisa. Felino topo de gama, travestiu-se de felídio manso também a conselho e foi remédio santo! Nem nos sonhos mais róseos da sua meninice superprotegida se antevira em semelhantes assados. Mas já que chegara, vira e vencera, havia que lutar pelos objectivos.
Num curso de 48 horas, acertado para os dias de descanso semanal, ouviu falar de Narciso. Apaixonou-se pelos seus méritos e nunca mais desistiu de o emular. Daí para a frente fez questão de demonstrar que vivia apenas para o seu ego, para a sua libido, para os seus fluidos, seus flatos e suas amizades. Era vulgar os amigos receosos surpreenderem-no a mirar-se ao espelho mágico.
No mando ensaiou a receita antiga: compensar os sequazes, admoestar os renitente e malhar nos oponentes, estivessem eles na terra, água, ar ou no ambiente interestelar.
Epaminondas exigia encómios aos asseclas. Havia de aparecer o primeiro associado que se atrevesse a apontar-lhe um argueiro no olho ou uma nódoa na gravata ou uma nica de mioleira atravessado nos dentes. O desterro era certo, para um domínio também incerto.
Não trinchava detractores ao pequeno-almoço, pois só pensar nisso maçava-o até à exaustão Gostava de os ver a estrebuchar perante as câmaras. «Com a verve nos enganas» - costumava gracejar um dos yes men. Por vezes era só garganta, usava e abusava dos requintes de malvadez da sua voz pretensamente tonitruante.
Dizia-se promotor-mor do Bem e, se muitas vezes praticava o seu contrário, era apenas movido pelas circunstâncias sociais e pelos circunstantes envolvidos. Preferiria que os porta-estandartes do descontentamento fossem seus impedidos. Se a renitência os retivesse longe do tracto, esmagava-os com o tacão imaculado das botas cardadas.
Epaminondas adquiriu por gosto alma, perna e gancho de corsário, no carnaval. Gostou de tal maneira que que usava tais adereços quotidianamente disfarçados. Mais tarde vendeu a alma ao diabo e só os mais chegados souberam.
Exímio atirador, praticava todos os dias na carreira de tiro. Cada tiro, cada melro! Não queria ninguém por perto que sonhasse em atalhar-lhe o caminho, ou em fazer-lhe sombra, fosse em dias ensolarados, pardacentos ou opacos.
O mando adviera-lhe dos descamisados com quais se comprometera verbalmente, facto que lhe veio a provocar frequentes vezes erupções de comichão alérgica e fornicoques na zona lombar. Abjurou, no dia em que mandou desenhar no seu sinete o eucalipto, que dominava o jardim da sua mansão apalaçada.
O exercício do poder fez de Epaminondas um plutocrata, incensou os aristocratas, os tecnocratas e os teocratas e apoiou-se nos burocratas. Dava-lhe gozo mimá-los com pancadinhas nas costas com punhos de renda de bilros. Embora sofresse de ressicação cavernosa bucal, nunca deixou de salivar à maneira as estampilhas das suas correspondências. Afinal ele próprio tinha nascido em berço doiro, de rabo voltado para a lua e sempre brincou com putos prendados.
No dia e hora da verdade, o galo cantou 3 vezes. Supersticioso, pressentiu que a hora do juízo final se aproximava a toda a brida.
A turbamulta exigia explicações. Os mais afoitos invadiram os paços e não deixaram pedra sobre pedra. Apanharam-no descalço, de calças na mão, enquanto caminhava pela verdura. Só conseguiu salvar a farpela de bom linho e de marca registada que trazia ajustada às curvas do corpo. Ainda salvou um livro de receitas maquiavélicas. Pôs-se a milhas, pois lhe chegou às narinas um vago cheiro a chamuças e achamusco.
Antes que a zaragalhada lhe pisasse os calos, alcançou a entrada secreta que dava para o túnel discreto que terminava no deserto recôndito (onde, nos seus tempos áureos, se recolhia, para colher ideias). Eis senão quando, Epaminondas ainda tentou o volte-face: «Amo-vos!» - clamou em altos brados e a plenos pulmões.
Soube-se mais tarde que foi tragado por areias movediças.