Vitórias improváveis
1 - O vate Menipo, homem de voz tonitruante e obra sonante, quis para si o lugar de primeiro bonzo. Conhecidos e desconhecidos, amigos e confidentes irromperam de todos os rumos colaterais a prestar-lhe vassalagem e seus préstimos. Lançou mãos à obra, as sementes à terra, enquanto oferecia o seu manifesto às balas. Useiro e vezeiro em congregar moles imensas, quando saia à rua em busca de oferendas dos fiéis, encasquilhou a ideia que a vitória seria difícil, mas dele. Enganado estava, pois o milhão de votos dos devotos apenas lhe rendeu o segundo lugar, posição onde começam as derrotas, mas que nem as pitonisas mais pintadas se atreveram a arriscar. Destarte, impôs a si próprio o dever de voltar à carga. Por isso, ninguém se admirou, quando o souberam de novo candidato ao mesmo posto honorífico, um lustro volvido. Desta feita, conseguiu o apoio de duas associações de fortes tradições na sociedade civil. Fosse por pirraça dos fados, por macumba ou por demérito seu, ficou-se outra vez pelo segundo lugar, a milhas do marco milenário anteriormente estabelecido. Ficou a falar sozinho e mais tarde sobraçou a vida de samana, mas não soçobrou. Costuma fazer surtidas à cidade mais próxima, pela calada da noite, onde a sua efígie mascarra ainda os outdoors.
2 - O físico Faiçal também quis arrebatar o cargo de primeiro bonzo. Pachola arremelgado, havia palmilhado o mundo de Cristo, Mafoma, Gautama e Brama de lés a lés, a cumprir o ditame: «faz o bem, não olhes a quem (ou então usa óculos)». Conhecidos e desconhecidos, amigos e confidentes brotaram de todos os rumos cardeais a prestar-lhe vassalagem e seus préstimos. Cheio de nove horas, já se via dono do posto vacante, pois juntava assistências imensas, quando saia à rua em arruadas e arrecuas, tentando arrebanhar as intenções dos devotos, gentios ou pagãos. Encafuou a medalha de bronze, uma classificação que, nem as pitonisas mais sarapintadas se atreveram a professar. Ficou depositário de centenas de dezenas de milhares de razões para nova candidatura. Um ano volvido, volta à liça. Desta vez contentar-se-ia com o terceiro posto da hierarquia da bonzaria. Disseram-lhe que sim, mas na hora da verdade que não: contra fados, não há argumentos. Teve de ceder o assento a uma balzaquiana que lhe saiu no encalço. Fizeram-no sair de cena, pela porta pequena. Passou à clandestinidade, mas ameaça com o regresso, caso sinta a chamada dos seus egrégios avós.
3 – O operário Calino, expositor empedernido de esvásticas em recintos rocambolescos, predispôs-se a montar o cavalo do primeiro bonzo, feito que seria inigualável para um elemento da sua corporação. Conhecidos e desconhecidos, amigos e confidentes irromperam de poucos rumos intermédios a prestar-lhe vassalagem e seus préstimos. Do hábil manuseamento do boomerang em praças públicas, passou à produção, realização e montagem de espectáculos de pantomina, mimo e stand up comedy, sob o título genérico de «Varre, varre vassourinha, pela porta da cozinha». Neles implorava aos céus o amargedão, para depuração da santa terrinha das vicissitudes das corruptelas. Verborreico, nunca se descompôs com atoardas de plumitivos, deixando-os bastas vezes de cara à banda e aturdidos, às voltas com questões de semiótica. Dos devotos granjeou muitas oferendas e um honroso quinto lugar, uma classificação que, nem as pitonisas mais pintalgadas se atreveram a professar. Ficou depositário de preciosos milhares de razões para se apresentar em novas refregas. Por isso, nem o calendário tinha dado mais uma volta, quando um clube de fãs do mavioso canto das sereias o quis de novo na ribalta: convenceram-no a mudar de camisola, o que fez sem o mínimo recato, precato ou rebuço. Fosse por feitiçaria, por sortilégios de magia branca ou negra ou por falta de ensaios, sentou-se quedo e ledo na margem dextra da história. Tem tentado reagir à desdita, pelo que tem sido visto, nos últimos tempos, a espanejar rações a bisalhos, leporídeos e recos, nos intervalos do seu novo negócio de ichós. Nas horas de fulgores intelectuais, trabalha afanosamente na adaptação aos tablados da «Quinta dos animais».