Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

oitentaeoitosim

28
Ago09

Ano farto

Jorge

 

 No primeiro acto eleiçoeiro do ano, os partidos mais votados foram mos, met, ppv e ppc, com 15%, 14%, 13% e 12%, números arredondados, respectivamente. Os partidos do costume, em coligação, conseguiram 41%. A sociedade civil estuporou-se. Os comentadores não gostaram. Os patrões não gostaram e os sindicatos também não. As eleições foram realizadas na primavera, mas deixou hirtos os observadores internos e internacionais. O suserano convidou a coligação dos partidos do costume para formar governo, como era costume, desde que as eleições estavam em vigor. Houve protestos nas ruas, engarrafamentos provocados, greve de braços caídos e greves de fome. Muitas cabeças rachadas depois, o novo governo foi entronizado.
   No segundo acto eleiçoeiro do ano, os partidos mais votados foram pnb, pta, pv e pb, com 15%, 14%, 13% e 12%, números arredondados, respectivamente. O primeiro encheu o reino de autarcas a norte, o segundo no centro, o terceiro no sul e o quarto a leste, oeste e adjacências. Mas, os partidos do costume, reunidos em coligação, conseguiram eleger a maior parte dos presidentes, camaristas, presidentes de corporação e presidentes de assembleias. A sociedade civil estuporou-se um pouco menos. Os comentadores desgostaram um pouco menos. Os patrões desgostaram um pouco menos e os sindicatos também. O suserano degustou uns percebes. Houve protestos nos jardins públicos, engarrafamentos nos caminhos vicinais, greve de braços ao ar nos locais de trabalho e grave às bicas no horário de trabalho. Algumas cabeças rachadas depois, a sociedade civil serenou.
   No terceiro acto eleiçoeiro do ano, os partidos mais votados foram os do costume. Fizeram o pleno, pelo que Antuérpia desejava-os de braços abertos. Os comentadores gostaram. Os patrões gostaram e os sindicatos igualmente. O suserano foi despedir-se ao cais de embarque, deu-lhes muitas pancadinhas nas costas, enquanto a sociedade civil entoava em coro o novo hit musical Longe dos olhos, perto do coração. Ao fundo ouvia-se foguetório. Os eleitos, agarrados à prole e pelas comitivas, seguiram muito felizes a caminho do exílio.
28
Ago09

Jornadas

Jorge

 

   Reginaldo tira o corpo da cama, sacode os ossos, limpa as remelas, bebe um copázio de água e beija Maria que dormia ainda comprazida. Sem tardança, põe pés a caminho da pastelaria que é café, restaurante, cervejaria e quiosque, cinco em um e mais não, porque a fantasia não permite. Desfruta o pequeno-almoço dilecto: frutos secos, mirtilos, morangos, abacate e cereais de mistura, embebidos em água requentada. À entrada, do lado esquerdo, numa arrecadação funciona uma loja de sobrado, onde tinha comprado 3 jornais: um desportivo, um generalista de língua local e outro da estranja. Compra sempre os mesmos, pois não se quer ser distraído da sua linha cívica, que lhe vem do berçário, de mudar só quando se é burro. Meia hora dá apenas para sopesar os títulos, que o caroço das mesmas será madurado mais tarde. Às quintas, acrescenta-lhes um hebdomadário pátrio.
     Maria diz que Reginaldo despende demais em magazines formais e compraz-se em dar-lhe sumiço aos jornais.
   A opção pelas 4 gazetas resulta de uma escolha criteriosa. No burgo, a oferta de jornais pátrios ou regionais, semanários, edições especializadas e de paróquia exorbita da normalidade dos países mais felizes: persegue o padrão da distribuição de universidades, clubes de futebol, ginásios, ópticas e festivais. Andam os intelectuais numa fona a concluir da irredutibilidade da conversão dos indígenas aos valores da cultura média, em artigos de opinião, conferências, artigos especializados, seminários e intervenções nos média. Vai-se a ver, o dispêndio per capita da celulose pede meças a qualquer outra coutada. Ali há gato!
    Maria diz que Reginaldo despende demais em magazines formais e compraz-se em dar-lhe sumiço aos jornais.
   Um dia acaba-se o jornal desportivo da sua predilecção. A partida sistemática dos bons valores indígenas – mais sentida no chinquilho, corfebol e esqui - para latitudes tão distantes como a Gronelândia, Papuásia e ilhas Marshall encurta os relatos da gesta dos paisanos. Longe dos olhos, longe do coração. O director tenta de tudo, amplia as letras, as fotos, as infografias, os espaços publicitários e o espaçamento entre linhas. Só não consegue trocar as voltas ao destino. Partiu para outra.
  Maria diz que Reginaldo despende demais em magazines formais e compraz-se em dar-lhe sumiço aos jornais.
   Dois meses volvidos, o diário indígena dos amores desembestados de Reginaldo vai à vida, à míngua de notícias, pois a cobertura de crimes, incêndios, dramas existenciais e aventuras do jet set tinha sido atribuída em regime de exclusividade aos jornais das paróquias, dos departamentos governamentais e estabelecimentos escolares. A autogestão atingia o ponto máximo, ninguém quer depender de ninguém.
   Maria diz que Reginaldo despende demais em magazines formais e compraz-se em dar-lhe sumiço aos jornais.
   Outros 2 meses para a frente, o semanário dos amores de Reginaldo definha de morte macaca: o director cansa-se de receber telefonemas, mensagens, emeiles, faxes mimosos dos assessores do régulo que lhe contam os passos e zarpa para as Caraíbas. Aí conta  treinar com o melhor velocista de todos os tempos, a modalidade de olho vivo e pé ligeiro. Volta, quando estiver perdoado.
   Maria diz que Reginaldo despende demais em magazines formais e compraz-se em dar-lhe sumiço aos jornais.
  O golpe fatal é desfechado às 3 da tarde daquele mês de verão iníquo, quando o jornal da estranja desaparece das bancas. Fazem de tudo os colaboradores: cortes de estradas, queima de pneus na via pública, nudismo no parque central, ecoterrorismo e sequestro do presidente do conselho de administração. De nada lhes valeu, o que tem de ser tem muita força, ditame de sutra.
    Ontem de manhã, Reginaldo, sem dar cavaco ou pastéis de Belém a alguém, comprou um acervo de bilhetes de avião, de ida e volta em aberto, para as principais praças do sial terráqueo. Nos principais aeroportos, não havendo paralisações, há sempre jornais à discrição.
     
 

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2023
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2022
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2021
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2020
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2019
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2018
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2017
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2016
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2015
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2014
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2013
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2012
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2011
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D
  170. 2010
  171. J
  172. F
  173. M
  174. A
  175. M
  176. J
  177. J
  178. A
  179. S
  180. O
  181. N
  182. D
  183. 2009
  184. J
  185. F
  186. M
  187. A
  188. M
  189. J
  190. J
  191. A
  192. S
  193. O
  194. N
  195. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub