A passo estugado
1 - O induna disse perante a duma: - Os ricos pagam sempre mais que os pobres!
(Riram a bandeiras despregadas os tribunos, pelo que quase foram acometidos de apoplexia).
2 – O induna falou aos média: - O cantão baixou na lista dos bons pagadores, mas é normal. Fomos nós que exigimos a reclassificação. Assim estamos no lugar certo, um processo similar ao da seleção de futebol.
(De tanto espanto, os circunstantes foram acometidos de pasmos e depois de espasmos).
3 – Diálogo irrealista:
O prócer – Isto só vai com nacionalizações!
O repórter – Vossência não estará lembrada que tal procedimento deu com os burrinhos na água, em tempos idos?!
O prócer- Veja lá se me entende. O Estado comprava, limpava os cantos à casa e depois vendia barato à gente outra vez.
(O repórter experimentado foi acometido de um chilique e caiu para o lado).
4 – Notícia de última hora:
Como prova de confiança no futuro do bantustão, os titulares das profissões liberais aceitaram fazer declarações autênticas dos seus rendimentos.
5 – Dúvida metódica: Se todos os cidadãos são chamados a partilhar dívidas (muitos dos atingidos ostentam orgulho nisso), por que razão não partilham igualmente dos ganhos (muitos dos atingidos não faz reparo disso)?
6 - Naquele partido plural dominavam os destros. Os ambidestros, os hércules de Gibraltar como eram conhecidos, espreitavam a oportunidade. Os esquerdinos eram discriminados. Estes últimos apresentaram queixa nas instâncias judiciais todas. Antes da última decisão, o partido saiu do governo.
7 – Queriam dar mais poderes ao generalíssimo. Foi quando se deram conta que já não havia mais poderes em estoque.
8 – Uma trapalhada ou nem por isso:
Cena gaga 1: O banco Caixa Forte estava nas lonas. A gerência implorou socorro. Apiedado, o regente do reino, em nome da solidariedade institucional, estendeu-lhe uma mãozinha, para o levantar do chão. O banco Caixa Forte alapou-se de mãos e braços à carteira do benemérito. O banco Caixa Forte jurou e trejurou que pagaria tudo, com língua de palmo, caso fosse necessário. O banco Caixa Forte ofereceu contrapartidas. Cena gaga 2: Chamado à pedra pelo altos poderes, o regente do reino quis a bagalhoça de volta. Aí o banco Caixa Forte tenta virar o bico ao prego: que o BCF nada tinha a ver com aquele filme, que o BCF não tinha contrapartidas aprazadas, que fosse chatear Camões, se não queria ficar a ver Braga por um canudo.
9 – E dizia aquele telespectador assíduo, quando lhe garantiram que se tinha vendido carros topo de gama como pãezinhos quentes, nos meses mais agudos da crise: afinal a crise não é para todos! (Tinha 75 anos e começava a descrer…)
10 – Outra trapalhada ou nem por isso
O director do banco central teutónico diz que os PIGS (vulgo Portugal, Itália, Espanha e Grécia) são um perigo para a zona euro. Que são pobres, mal agradecidos e maus pagadores. Lá pelo facto de terem recebido uma farpela toda nova, nos idos do século anterior, não significa que tenham de andar sempre catitas, de corpinho bonito. Ou seja: a procura interna desses países deve situar-se a um nível sustentável. O director do banco central teutónico diz ainda que os PIGS não competem eficazmente nos mercados, mesmo no de capitais. Comportam-se como um herdeiro premiado com larga fortuna, que gasta à tripa forra e se põe a serrar presunto. Este projecto de vida tem que levar uma volta de 360 graus. Aconselha, em conformidade, que os cidadãos de Portugal e vizinhos têm de serrar os dentes, deitar-se numa cama de colchões ortopédicos - ou de pregos - e dar o corpinho ao manifesto.
11 – Um jornalista incomodado pede a um empresário acomodado um parecer sobre a economia.
J – É possível o pleno emprego?
C – Exacto, não existe!
J – É possível o pleno desemprego?
C – Exacto, não existe!
J – Ambos são necessários?
C - Tem de haver emprego qb e o desemprego bq, como sabe.
J – Emprego qb?!
C - Exacto, emprego qb, ou seja, com qualidade bastante, está a ver?!
J – Desemprego bq?
C – Exacto, desemprego bq, ou seja, em bastante quantidade, está a ver?!
J – Assim se explica o bom funcionamento da economia?
C – Exacto, por agora resolve, mais tarde logo se verá, está a ver?!
J – (Em fecho de notícia) Ou seja, vira o disco e toca o mesmo… (A peça do jornalista incomodado foi exibida no jornal nobre. Ao fundo, podia escutar-se a cantoria cujo refrão diz que a crise suporta-se, desde que não faltem os beijinhos.)
12 – Dois amigos pensam em voz alta: -
- É impossível criar riqueza dividindo-a – diz o amigo do peito
- É verdade? Mas, quem cria riqueza pouco tem para dividir, é o que se vê… - diz o amigo da onça.
- Está mal visto, quem cria é quem arrisca. E quem arrisca petisca, naturalmente – volve o amigo do peito.
- E quem petisca acaba por se encher. Portanto, os trabalhadores são verbos de encher, naturalmente – conclui o amigo da onça.
13 – Os bancos sofriam de estresse, dentro de valores aceitáveis, na sequência de longa depressão. Os curandeiros evitaram o tratamento de choque. Por magia, procederam à transmigração do estresse para a clientela.
14 – O homem pôs na praça pública um cartaz: «Respeitem o meu direito de propriedade: exijo a minha quota de oxigénio». Donos e administradores das fábricas, dos camiões, dos aviões e das centrais de produção de electricidade (entre outros) que por ali passavam inquietaram-se. Alertaram os seus mandaretes para o impacto de tal reivindicação. Estes, bem ensinados, fizeram de tudo para ocultar o protesto: construíram vedações, distribuíram rebuçados, comida Michelin e encheram-no de novos e velhos electrodomésticos. Resistiu sempre, até que abonaram o homem com uma generosa ração de garrafas de oxigénio, ao fim de 100 dias e 100 noites. Morreu então.
15 – Um jogador de futebol foi transferido, por elevada maquia, para um clube considerado de menor valia. Declarou, na oportunidade:
- Dei um passo em frente na minha carreira!
(De facto, ele acabava de mudar-se de um clube começado pele letra «p» para outro começado pela letra «z».
16 – Conversa de rua I:
- Ouvi dizer que havia uma clínica, muito publicitada, que funcionava, sem licença.
- Eu também ouvi o mesmo, nos telejornais de ontem.
- O pior disto tudo é que alguns clientes arriscam-se a ficar cegos.
- Só me espanta que os inspectores não tivessem dado com o gato!
- Consta que alguns deles foram lá operados…
17 – Conversa de rua II:
- O governo vai vender participações em empresas do Estado.
- Eu também ouvi o mesmo, nos telejornais de ontem.
- Estamos a voltar aos valores do velho ditador.
- Ora essa, porquê?
- Em calças e sapatos rotos deita-se remendos…
18 – Conversa de camioneta:
- Fala-se em quotas para jovens nas listas eleitorais.
- Eu li isso na Net. - Acho lógico, se havia quotas para mulheres, será justo chamar à política a malta jovem.
- Prevejo que se sigam as quotas para adolescentes e bebés.
- Estás a mangar comigo. Esses não votam!
- Mas sabem fazer figura de corpo presente…
19 – Conversa de cabaré:
- O senhor Kagame, candidato a presidente do Ruanda, ganhou as eleições com mais de 90% dos votos.
- Eu li isso na Net. - Acho que ele nem se esforçou muito durante a campanha.
- Como sabes disso, tu nem sabes onde fica o país?!…
- À primeira borrada, os eleitores vão querer corresponder ao convite...
20 – Conversa no metropolitano:
- O caso Freeport parece-se cada vez mais com uma caldeirada.
- Não estou a acompanhar o teu raciocínio.
- Já comeste caldeirada sem batotas?...
21 – A lógica não é batata: A PT fez um grande negócio e não pagou impostos. A UE, no caso de transacções não imóveis, de poucos ou muitos cifrões, aplica a lei sobre empresas mães e filhas: trocam dividendos entre elas e nada pagam. Nas doações e heranças, entre indivíduos, o Fisco também não bica nada. Tudo dentro da lógica da legalidade, portanto.
(Quem não sabe ser caixeiro, que feche a loja…)
22 – Conversa de táxi I:
- O país está ao rubro.
- Não me parece.
- Pois, os média só falam nos incêndios.
- Ah bom! O campeonato de futebol ainda não começou, pois não?
23 – Conversa de táxi II:
- Há quem defenda a ideia que os pirómanos deveriam ser apanhados e julgados rapidamente. Eu concordo.
- Pois eu não. Acho bem que sejam todos, mas todos apanhados. Agora julgados rapidamente não!
- Não entendo...
- Deixem a Justiça seguir o seu ritmo, que eles nunca mais saem da cadeia…
24 – Terradas:
i - Saiu de casa às 7 da matina. As filas para aquisição de títulos de transporte estavam muito longas. Persistiu e chegou-se à frente. Quando chegou finalmente à praia, o dia tinha expirado.
ii – Ele foi festejar o conclusão do curso. Entrou na casa de pasto, com amigos, e comeu que nem abade. A conta era longa, muito longa. Conferiu de trás para a frente e vice-versa; tirou a prova dos nove. Voltou à rua e deu-se conta que o jantar estava à porta. Regressou sobre os seus passos e pediu de jantar.
iii – O barco partiu cedo. Foi quando se deu conta que os passageiros eram mais que muitos, a lotação estava excedida por larga margem. Fundeou a meio da larga desembocadura do rio. A maioria dos passageiros aguardou por alternativa que só chegou ao fim da tarde. Os que sabiam nadar foram os únicos que trabalharam nesse dia.
iv – O homem recuperava fogões a gaz numa cave de um prédio de habitação. Um dia declarou-se um incêndio na oficina não institucionalizada, mas socialmente aceite. Apenas o condómino do rés-do-chão ficou para reclamar o prémio às companhias de seguros. No momento da explosão assobiava para o lado.
v – O pavimento da rua estava roto de tanto trânsito. As marcações já não se viam, porque a tinta havia levado sumiço. Quiseram abandoná-la. Dois anos depois, vieram uns senhores e puseram-lhe remendos de alcatrão e tinta fresca: a rua passou de novo a ser a mais frequentada.
25 – Conversa de avião I:
- As praias de nudistas vão acabar.
- Porquê? - Os nudistas fartam-se de levar a areia para as suas casas.
26 – Conversa de avião II: - Os profes já não andam na rua, em manifestações.
- Porquê?
- Estão contentes por serem avaliados.