Em terra de cegos
i - O síndico veterano convidou o síndico menos batido na arte:
- Façamos greve. Mãos à obra!
E puseram-se a trabalhar.
ii – Questões existencialistas:
P - Todas os cidadãos têm os mesmos direitos?
R - Certo, todos os cidadãos têm iguais direitos, inscritos na Constituição.
P -Todos os direitos civis adquiridos são inalienáveis?
R – Certo, em tempos de paz e progresso sim!
P – Em tempo de guerra e crise económica há direitos civis adquiridos que sejam alienáveis?
R – Certo, os cidadãos podem ser privados de regalias em tempos de crise e guerra.
P – Que direitos, por exemplo?
R – Certo, todos os direitos que estão inscritos na Constituição.
P – Quem tem autoridade para suspender direitos inscritos na Constituição?
R – Certo, as autoridades legítimas, em nome dos superiores interesses dalguns…
iii – Gatos escondidos com os rabos de fora:
. O senhor comentador zangou-se, em directo, na têvê, com um dos seus pares que teimava em mostrar-lhe imagens contundentes para a sua agremiação de estima. .O prestimoso comentador perdeu as estribeiras, disse que não gosta de autos-de-fé e recolheu a caselas.
. A agremiação de estima saiu à liça para prestimosamente reconhecer que o senhor comentador era seu arauto e dá o apoio à saída inopinada do estúdio.
. A agremiação de estima compromete-se a tirar o tapete ao substituto do senhor comentador.
. Não se conhece qualquer candidato para substituto do senhor comentador, por receio de algum auto-de-fé.
iv – Conversa de ocasião:
- A China não gostou da atribuição do prémio Nobel da Paz a um cidadão chinês.
- Mas, deveria estar contente, por ser uma honra para o país, suponho!
- Acontece que o cidadão chinês premiado está preso na China.
- Que o libertem então, para poder receber o prémio.
- Impossível, esse cidadão chinês é um preso político.
- Ignorância a minha, desconhecia que o prémio Nobel da Paz se destinava a presos políticos.
v – Notícia de última hora: Os empresários da terra propõem-se, contrariando posturas oficiais, entrar com algum para salvar a honra do convento. Segundo fontes fidedignas, não querem deixar os louros apenas aos funcionários públicos que andam por aí a arvorarem-se em salvadores da pátria.
vi – Conversa de circunstância:
- Os mandantes da terra estão a embandeirar em arco com a greve de 24 de Novembro.
- Não estou a seguir o raciocínio… Protesto é revolta, não é verdade?
- O protesto vai deixar muito dinheiro em caixa.
- Um tostão é um tostão, lá dizia o outro, em mais um dia de trabalho para a nação.
vii – Trova de algum mal-dizer:
Neste país de romeiros
De cunho popular
Os banqueiros
Inventaram romagem bem peculiar
Prostraram-se lampeiros
Que a prole já estava a desatinar
Aos pés do rei dos contras brejeiros
Com o baraço no pescoço a atazanar
Ó chefe aprove lá o orçamento
Pelas alminhas do purgatório
Sem pilim abate-se o nosso firmamento
Prometemos-lhe grande foguetório
Depois do inverno do nosso descontentamento
Clamamos por si e pelo Gregório
Trave lá o nosso tormento
De nas ruas andar ao peditório
Sensibilizado por tamanho grita
Aprendida com os descamisados
Pôs-se a meditar e a rezar a S. Rita
Só a santidade salva de tais abalos
Chorou como Madalena aflita
Aquietou os corações descompassados
Rapou de material de escrita
Fez a vontade aos nababos
viii – Como se pode ser prior desta freguesia?
Ele saca uns tostões às entidades bancárias e para-bancárias. Vêm os gerentes destas e dizem que o freguês é que vai pagar a factura. Ele saca-se mais IVA numa carrada de bens de primeira, segunda e terceira necessidade. Vêm os empresários e dizem que o freguês é que vai pagar a factura. Ele saca uma nota barbuda aos mangas-de-alpaca e correlativos. Vêm os seus mandatários dizer que não conseguem convencer os fregueses a pagar a factura.
ix – Da idiossincrasia da selecção natural:
O país tem falta de guito. Não se pode criar mais moeda? Os guardadores do poder e do pilim dizem que não. Querias! (E salta manguito).
O país tem ainda importantes reservas de ouro. Não se pode usá-las para a criação de moeda? Os controleiros do poder e do pilim dizem que não. Querias! (E sai manguito).
A bolsa de valores continua a dar dinheiro. Não se pode taxar mais os apostadores? Os zeladores do poder e do pilim dizem que não. Querias! (E sai manguito).
Os administradores do banco central deveriam ser descontados nos seus emolumentos. Os guardadores do pilim e do poder dizem que não. Querias!( E sai manguito.)
Os detentores de grandes fortunas são o motor da economia. Não se pode taxá-los mais? Os defensores do poder e do pilim dizem que não. Querias! (E sai manguito)!
Os mercados continuam, de crise em crise, a exigir cada vez mais ao país. Não se pode contrariá-los? Os zeladores do poder e do pilim dizem que não. Querias! (E sai manguito).
Os colaboradores dos empresários não são o motor da economia. Não se pode dispensá-los do trabalho? Os zeladores do poder e do pilim dizem que não. Querias! E quem pagava as crises ?!(E sai manguito.)
Os funcionários públicos vão pagar a crise com língua de palmo. Os seladores do poder e do pilim acham bem, porque são improdutivos (E não se podia abatê-los?).
Os detentores do poder e do pilim serão uma casta à parte, uma associação secreta, soldados da fortuna, uma opus dei? É o que parece e contra isto batatas. Seria pedir-lhes demais que dessem a cara?! Há muito que merecem uma justa homenagem.
x - Conversa fora do tempo:
- O rei Midas foi convidado a visitar Portugal.
- Tá-se a ver que declinou o convite.
- Pois, caso contrário esgotava-se o ouro.
xi- Encontros imemoriais:
Estava o salteador de estrada num mau dia que quase ninguém por ali passava para ser assaltado. Até que divisa Zé do Telhado, ao volante de um TIR, carregadinho de produtos topo de gama.
- Alto e pára o baile, mãozinhas ao alto! – grita o salteador de estrada Sem rebuço Zé do Telhado obedece. - Isto é tudo teu?
- Tirei dos ricos e ia dá-los aos pobres
- Já percebi por que razão há tanto pobre na boa por aí! Vá, desampara-me a loja que se faz tarde.
Assim ganhou o dia o salteador de estrada. Ainda esfregava as mãos de contente, quando se aproxima o xerife tenebroso.
- Sai do carro e põe as mãos aonde as possa ver – grita o salteador de estrada
- Credo, não precisa de gritar, oiço bem, amigo! – replica o tenebroso xerife
- Amigo o tanas, concorrente, é o que é! Apressa-te a assinar aí um cheque no valor de um milhão redondo que hoje foi dia de grandes saques e grandes troféus para os teus amigos.
- Disse tudo, concorrente, acabo de depositar um grande cheque para os pobres bancários aflitos. Portanto sobra-me pouco ou nada.
- Mau, rapa lá o fundo ao tacho e vê se te sobraram uns trocos para me comprares este TIR.
Assim fez e encontrou uns trocos. De cheque assinado na mão o xerife tenebroso fez um pedido:
- Já agora faça-me um favor, cavalheiro, mande distribuir os bens do TIR aos ricos, que mais tarde hão-de chegar aos pobres. Aqui tem o seu milhão redondo.
xii – A chefe dos contras engasgou-se ao falar. Foi muito citada nos média. O chanceler dos contras engasgou-se várias vezes e toda a gente lhe apontava a dedo as trapalhadas. Até que um dia chegou ao poleiro o chefe impoluto. Cometeu gafes, desdisse-se, traiu promessas, alijou as responsabilidades dos actos para cima dos outros, atraiçoou quem dizia defender. Está na maior e os média alinham no beija-mão. Sente-se no ar os ares bafientos que do Dão brotaram, em tempos não muito distantes…
xiii - Empresário de sucesso, explorava fábricas, lojas e moradias às dezenas. Decidiu, em tempos de crise, baixar a bitola das suas exigências, refreou rendas e pôs-se a vender mais barato. Os da corporação toparam e fizeram-lhe a folha. Reformou-se por invalidez crónica e habita debaixo de uma ponte antiga, pois novas não as há.
xiv – A chefe dos contras engasgou-se ao falar. Foi muito citada nos média. O chanceler dos contras engasgou-se várias vezes e toda a gente lhe apontava a dedo as trapalhadas. Até que um dia chegou ao poleiro o chefe impoluto. Cometeu gafes, desdisse-se, traiu promessas, alijou as responsabilidades dos actos para cima dos outros, atraiçoou quem dizia defender. Está na maior e os média alinham no beija-mão. Sente-se no ar os ares bafientos que do Dão brotaram, em tempos não muito distantes…
xv – Egídio era um empresário de sucesso. Explorava fábricas, lojas e moradias às dezenas. Decidiu, em tempos de crise, baixar a bitola das suas exigências, refreou rendas e pôs-se a vender mais barato. Os da corporação toparam e fizeram-lhe a folha. Reformou-se por invalidez crónica. Hoje por hoje, Egídio concerta a sua vida debaixo de uma ponte antiga, pois novas não as há.