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oitentaeoitosim

24
Out10

Em terra de cegos

Jorge

i - O síndico veterano convidou o síndico menos batido na arte:

    - Façamos greve. Mãos à obra!

    E puseram-se a trabalhar.

ii – Questões existencialistas:

      P - Todas os cidadãos têm os mesmos direitos?

      R - Certo, todos os cidadãos têm iguais direitos, inscritos na Constituição.

      P -Todos os direitos civis adquiridos são inalienáveis?

      R – Certo, em tempos de paz e progresso sim!

      P – Em tempo de guerra e crise económica há direitos civis adquiridos que sejam alienáveis?

      R – Certo, os cidadãos podem ser privados de regalias em tempos de crise e guerra.

      P – Que direitos, por exemplo?

      R – Certo, todos os direitos que estão inscritos na Constituição.

      P – Quem tem autoridade para suspender direitos inscritos na Constituição?

      R – Certo, as autoridades legítimas, em nome dos superiores interesses dalguns…

 iii – Gatos escondidos com os rabos de fora:

       . O senhor comentador zangou-se, em directo, na têvê, com um dos seus pares que teimava em mostrar-lhe imagens contundentes para a sua agremiação de estima. .O prestimoso comentador perdeu as estribeiras, disse que não gosta de autos-de-fé e recolheu a caselas.

       . A agremiação de estima saiu à liça para prestimosamente reconhecer que o senhor comentador era seu arauto e dá o apoio à saída inopinada do estúdio.

       . A agremiação de estima compromete-se a tirar o tapete ao substituto do senhor comentador.

       . Não se conhece qualquer candidato para substituto do senhor comentador, por receio de algum auto-de-fé.

 iv – Conversa de ocasião:

       - A China não gostou da atribuição do prémio Nobel da Paz a um cidadão chinês.

       - Mas, deveria estar contente, por ser uma honra para o país, suponho!

       - Acontece que o cidadão chinês premiado está preso na China.

       - Que o libertem então, para poder receber o prémio.

       - Impossível, esse cidadão chinês é um preso político.

       - Ignorância a minha, desconhecia que o prémio Nobel da Paz se destinava a presos políticos.

 v – Notícia de última hora: Os empresários da terra propõem-se, contrariando posturas oficiais, entrar com algum para salvar a honra do convento. Segundo fontes fidedignas, não querem deixar os louros apenas aos funcionários públicos que andam por aí a arvorarem-se em salvadores da pátria.

 vi – Conversa de circunstância:

       - Os mandantes da terra estão a embandeirar em arco com a greve de 24 de Novembro.

       - Não estou a seguir o raciocínio… Protesto é revolta, não é verdade?

       - O protesto vai deixar muito dinheiro em caixa.

       - Um tostão é um tostão, lá dizia o outro, em mais um dia de trabalho para a nação.

vii – Trova de algum mal-dizer:

        Neste país de romeiros

        De cunho popular

        Os banqueiros

        Inventaram romagem bem peculiar

        Prostraram-se lampeiros

       Que a prole já estava a desatinar

       Aos pés do rei dos contras brejeiros

       Com o baraço no pescoço a atazanar

 

       Ó chefe aprove lá o orçamento

       Pelas alminhas do purgatório

       Sem pilim abate-se o nosso firmamento

       Prometemos-lhe grande foguetório

       Depois do inverno do nosso descontentamento

       Clamamos por si e pelo Gregório

       Trave lá o nosso tormento

       De nas ruas andar ao peditório

 

       Sensibilizado por tamanho grita

       Aprendida com os descamisados

       Pôs-se a meditar e a rezar a S. Rita

       Só a santidade salva de tais abalos

       Chorou como Madalena aflita

       Aquietou os corações descompassados

       Rapou de material de escrita

       Fez a vontade aos nababos

viii – Como se pode ser prior desta freguesia?

        Ele saca uns tostões às entidades bancárias e para-bancárias. Vêm os gerentes destas e dizem que o freguês é que vai pagar a factura. Ele saca-se mais IVA numa carrada de bens de primeira, segunda e terceira necessidade. Vêm os empresários e dizem que o freguês é que vai pagar a factura. Ele saca uma nota barbuda aos mangas-de-alpaca e correlativos. Vêm os seus mandatários dizer que não conseguem convencer os fregueses a pagar a factura.

ix – Da idiossincrasia da selecção natural:

      O país tem falta de guito. Não se pode criar mais moeda? Os guardadores do poder e do pilim dizem que não. Querias! (E salta manguito).

      O país tem ainda importantes reservas de ouro. Não se pode usá-las para a criação de moeda? Os controleiros do poder e do pilim dizem que não. Querias! (E sai manguito).

      A bolsa de valores continua a dar dinheiro. Não se pode taxar mais os apostadores? Os zeladores do poder e do pilim dizem que não. Querias! (E sai manguito).

      Os administradores do banco central deveriam ser descontados nos seus emolumentos. Os guardadores do pilim e do poder dizem que não. Querias!( E sai manguito.)

      Os detentores de grandes fortunas são o motor da economia. Não se pode taxá-los mais? Os defensores do poder e do pilim dizem que não. Querias! (E sai manguito)!

      Os mercados continuam, de crise em crise, a exigir cada vez mais ao país. Não se pode contrariá-los? Os zeladores do poder e do pilim dizem que não. Querias! (E sai manguito).

      Os colaboradores dos empresários não são o motor da economia. Não se pode dispensá-los do trabalho? Os zeladores do poder e do pilim dizem que não. Querias! E quem pagava as crises ?!(E sai manguito.)

      Os funcionários públicos vão pagar a crise com língua de palmo. Os seladores do poder e do pilim acham bem, porque são improdutivos (E não se podia abatê-los?).

       Os detentores do poder e do pilim serão uma casta à parte, uma associação secreta, soldados da fortuna, uma opus dei? É o que parece e contra isto batatas. Seria pedir-lhes demais que dessem a cara?! Há muito que merecem uma justa homenagem.

x - Conversa fora do tempo:

     - O rei Midas foi convidado a visitar Portugal.

     - Tá-se a ver que declinou o convite.

     - Pois, caso contrário esgotava-se o ouro.

xi- Encontros imemoriais:

     Estava o salteador de estrada num mau dia que quase ninguém por ali passava para ser assaltado. Até que divisa Zé do Telhado, ao volante de um TIR, carregadinho de produtos topo de gama.

     - Alto e pára o baile, mãozinhas ao alto! – grita o salteador de estrada Sem rebuço Zé do Telhado obedece. - Isto é tudo teu?

     - Tirei dos ricos e ia dá-los aos pobres

     - Já percebi por que razão há tanto pobre na boa por aí! Vá, desampara-me a loja que se faz tarde.

      Assim ganhou o dia o salteador de estrada. Ainda esfregava as mãos de contente, quando se aproxima o xerife tenebroso.

     - Sai do carro e põe as mãos aonde as possa ver – grita o salteador de estrada

     - Credo, não precisa de gritar, oiço bem, amigo! – replica o tenebroso xerife

     - Amigo o tanas, concorrente, é o que é! Apressa-te a assinar aí um cheque no valor de um milhão redondo que hoje foi dia de grandes saques e grandes troféus para os teus amigos.

     - Disse tudo, concorrente, acabo de depositar um grande cheque para os pobres bancários aflitos. Portanto sobra-me pouco ou nada.

     - Mau, rapa lá o fundo ao tacho e vê se te sobraram uns trocos para me comprares este TIR.

     Assim fez e encontrou uns trocos. De cheque assinado na mão o xerife tenebroso fez um pedido:

     - Já agora faça-me um favor, cavalheiro, mande distribuir os bens do TIR aos ricos, que mais tarde hão-de chegar aos pobres. Aqui tem o seu milhão redondo.

xii – A chefe dos contras engasgou-se ao falar. Foi muito citada nos média. O chanceler dos contras engasgou-se várias vezes e toda a gente lhe apontava a dedo as trapalhadas. Até que um dia chegou ao poleiro o chefe impoluto. Cometeu gafes, desdisse-se, traiu promessas, alijou as responsabilidades dos actos para cima dos outros, atraiçoou quem dizia defender. Está na maior e os média alinham no beija-mão. Sente-se no ar os ares bafientos que do Dão brotaram, em tempos não muito distantes…

 xiii - Empresário de sucesso, explorava fábricas, lojas e moradias às dezenas. Decidiu, em tempos de crise, baixar a bitola das suas exigências, refreou rendas e pôs-se a vender mais barato. Os da corporação toparam e fizeram-lhe a folha. Reformou-se por invalidez crónica e habita debaixo de uma ponte antiga, pois novas não as há.

xiv – A chefe dos contras engasgou-se ao falar. Foi muito citada nos média. O chanceler dos contras engasgou-se várias vezes e toda a gente lhe apontava a dedo as trapalhadas. Até que um dia chegou ao poleiro o chefe impoluto. Cometeu gafes, desdisse-se, traiu promessas, alijou as responsabilidades dos actos para cima dos outros, atraiçoou quem dizia defender. Está na maior e os média alinham no beija-mão. Sente-se no ar os ares bafientos que do Dão brotaram, em tempos não muito distantes…

xv – Egídio era um empresário de sucesso. Explorava fábricas, lojas e moradias às dezenas. Decidiu, em tempos de crise, baixar a bitola das suas exigências, refreou rendas e pôs-se a vender mais barato. Os da corporação toparam e fizeram-lhe a folha. Reformou-se por invalidez crónica. Hoje por hoje, Egídio concerta a sua vida debaixo de uma ponte antiga, pois novas não as há.

16
Out10

Dez variações sobre fidelização.

Jorge

    As vestais foram queixar-se ao fauno supremo que os seus devotos andavam por maus caminhos: não entregavam no templo os óbolos e tenças legitimados pela tradição e dispensavam os sacrifícios. De imediato, a deidade decide punir os seus sequazes. De uma penada delineou 10 medidas a serem aplicadas pela ordem cronológica que se segue.

   As águas transformaram-se em sangue, nos campos e cidades. Em conformidade, morreram alguns habitantes, um punhado deles resistiu estoicamente, mas a maioria adaptou-se ao regime vampírico. Penalizado, deixou que tudo regressasse à normalidade, 3 meses volvidos.

   As rãs invadiram campos e cidades. Em conformidade, morreram alguns habitantes, um punhado deles resistiu estoicamente, mas a maioria adaptou-se ao regime ranário. Penalizado, deixou que tudo regressasse à normalidade, 3 meses volvidos.

   Os piolhos implantaram-se nas carolas dos íncolas de campos e cidades. Em conformidade, morreram alguns habitantes, um punhado deles resistiu estoicamente, mas a maioria adaptou-se ao regime piolheiro. Penalizado, deixou que tudo regressasse à normalidade, 3 meses volvidos.

    As moscas atacaram certeiras, nos campos e cidades como ousam fazê-lo na pátria dos bibós. Em conformidade, morreram alguns habitantes, um punhado deles resistiu estoicamente, mas a maioria adaptou-se ao regime mosca-morta. Penalizado, deixou que tudo regressasse à normalidade, 3 meses volvidos.

     Uma praga abateu-se sobre os animais domésticos e de abate, pelos campos e cidades. Em conformidade, morreram alguns habitantes, um punhado deles resistiu estoicamente, mas a maioria adaptou-se ao regime vegetariano. Penalizado, deixou que tudo regressasse à normalidade, 3 meses volvidos.

     A sarna atacou forte e feio, nos campos e nas cidades. Em conformidade, morreram alguns habitantes, um punhado deles resistiu estoicamente, mas a maioria adaptou-se ao regime sarnoso. Penalizado, deixou que tudo regressasse à normalidade, 3 meses volvidos.

     O granizo passou a cair a propósito e a despropósito, nos campos e nas cidades. Em conformidade, morreram alguns habitantes, um punhado deles resistiu estoicamente, mas a maioria adaptou-se ao regime granizado. Penalizado, deixou que tudo regressasse à normalidade, 3 meses volvidos.

      Vieram os vorazes gafanhotos que encheram campos e cidades. Em conformidade, morreram alguns habitantes, um punhado deles resistiu estoicamente, mas a maioria adaptou-se ao regime gafanhão. Penalizado, deixou que tudo regressasse à normalidade, 3 meses volvidos.

       As trevas passaram a ocupar todas as 24 sobre 24 horas, nos campos e nas cidades. Em conformidade, morreram alguns habitantes, um punhado deles resistiu estoicamente, mas a maioria adaptou-se ao regime tenebroso. Penalizado, deixou que tudo regressasse à normalidade, 3 meses volvidos.

       Os primogénitos deveriam ser erradicados, por campos e cidades. Em conformidade, morreram alguns habitantes, um punhado deles resistiu estoicamente, mas a maioria converteu-se ao regime decorativo, pois decidiu pintar as portas com sangue de cordeiro imolado. Penalizado, deixou que tudo regressasse à normalidade, 3 meses volvidos.

       Esgotadas as provações, o fauno supremo apercebeu-se que ainda lhe sobravam muitos fiéis devotos, tanto nos campos, como nas cidades. Não vá o diabo tecê-las, conta repetir as sevícias, de cabo a rabo, com intervalos de 2 em 2 meses, depois, de 1 em 1 e assim sucessivamente. 

        As vestais mal conseguem sobreviver aos numerosos delíquios que lhes vem proporcionando o fauno supremo.

09
Out10

É sempre a mesma melodia…

Jorge

   Por uma questão de alternativa, o conselho superior do almoxarifado achou por bem promover audiências com os partidos marginais, mas legais, legais, aqueles que vão a votos e voltam depenados, sem representantes na casa beneditina. Os partidos do regime não davam uma para a caixa, a bancarrota já se aferrara ao batente da porta de entrada e todo o mundo olhava de través par as gentes que ali habitavam.

   - Aumente-se o PIB, logo a despesa pública estreita. Assim nos livramos da ignomínia! – sentenciou o porta-voz do partido ouvido em primeiro lugar.

   O alto comissário popular para os partidos ficou de cara à banda, pestanejou repetidas vezes e livrou-se airosamente de inoportuno engasgamento. Retomada a compostura, ordenou à comitiva, de dedo em riste, que a comitiva saísse pela porta do cavalo.

   - Encubra-se a despesa pública, por uma operação de cosmética estatística comprovadamente eficaz. Assim nos livramos da ignomínia! – alvitrou o porta-voz do partido ouvido em segundo lugar.

   O alto comissário popular para os partidos cofiou bigode e pêra, coçou o cocuruto e teve um ataque de bílis. Recomposto, ordenou à comitiva, de dedo em riste, que se sumisse pelas cavalariças.

   - Restrinja-se o gasto de consumíveis, de produtos de limpeza e da conta da água e da luz, a fim de cortar na despesa. Assim nos livramos da ignomínia! - aventurou-se o porta-voz do partido ouvido em terceiro lugar.

   O alto comissário popular para os partidos pôs um nariz de palmo e meio, esmagou uma barata intrometida e conteve um espasmo cerebral. Reconciliado com o seu ego, ordenou à comitiva, de dedo em riste, que se apressasse a dar uma volta ao bilhar grande.

   - Tragam o FMI, antes que o país atinja o fim e solte o último suspiro. Assim nos livramos da ignomínia! – atreveu-se a porta-voz do partido ouvido em quarto lugar.

   O alto comissário popular para os partidos pôs cara de poucos amigos, arrancou um pêlo do nariz e soltou uma imprecação entre dentes. Reposta a normalidade, ordenou à comitiva, de dedo em riste, que fosse em demanda da linha do litoral das plagas da Caparica.

   - Mude-se a regência de alto a baixo que está farta de encenar golpes de baú e de atirar areia para os olhos do povinho. Assim nos livramos da ignomínia! – arengou o porta-voz do partido ouvido em quinto lugar.

   O alto comissário popular para os partidos abriu a boca no máximo do seu perímetro externo, trinchou uma bola de Berlim e continuou a respirar a largos sorvos. Reanimado, mandou à comitiva, de dedo em riste, que fosse em demanda de gambozinos.

   - Habilite-se os empresários a vender na estranja louça das Caldas, galos de Barcelos, azeite, o vinho, fado, Fátima e a via verde. Assim nos livramos da ignomínia! – tartamudeou a porta-voz do partido ouvido em sexto lugar.

   O alto comissário popular para os partidos atirou uma murraça às porcelanas, aos quadro de renome e desfez 2 tapeçarias antigas. Com todos os sinais vitais normalizados, mandou à comitiva, de dedo em riste, que fosse pentear macacos.

   - Imponha-se a reabilitação, a avaliação e a refundação dos serviçais públicos e a preservação da classe imperial e empresarial. Assim nos livramos da ignomínia! – sugeriu a porta-voz do partido ouvido em sexto lugar.

   O alto comissário popular para os partidos engoliu sofregamente 6 pasteis de Belém e 6 bolinhos de bacalhau regados com uma rasão da pomada da casa. Tem-te-não-caias, pôs o dedo em riste e mandou que a comitiva fosse em paz marrar com o comboio de Chelas.

   O alto comissário popular para os partidos descansou nos 6 dias e 6 noites seguintes. Curada a ressaca, compôs a postura e pôs a vestimenta a condizer com a última comenda recebida. Nestes preparos, convocou o regedor da pataqueira freguesia e disse-lhe que pretendia passar os olhos pelo último orçamento de obras, por ele elaborado. Assinou-o. Acto imediato, despachou a deportação para as Berlengas dos serviçais do almoxarifado, a bem ou a mal. Com garbo, pediu asilo político ao principado da Pontinha. Ainda teve tempo de ouvir os tambores rufarem, à passagem dos patos-bravos transvestidos de gatos-pingados.

09
Out10

Trabalho é trabalho, conhaque é conhaque.

Jorge

   O senhor morgado, no seu fato armani, bate à porta do senhor intendente de compras e vendas do terrunho. Mal ainda se divisa a sombra, já a secretária fogosa lhe por todas as alminhas do purgatório que espere um minutinho apenas, que a reunião das 11 horas está mesmo a acabar e a das 12, tradicionalmente reservada a comissões de trabalhadores, pode e será aprazada sine die. Até vinha mesmo a calhar, o almoço fica à bica e esses brutos, embora tenham mais olhos que barriga, dão couro e cabelo por umas bifanas e uns couratos.

   O senhor morgado, no seu fato armani, pôs toda a indiferença no olhar, passou pelos síndicos de lenço no nariz e é instalado no faldistório que superindente ao gabinete do vedor. O ar condicionado apela ao delíquio, as cortinas de musselina etérea à meditação e os móveis eram topo de gama à possança. Pôs-se nas suas tamanquinhas, enquanto esvaziava uma baixela, entalada em saborosos pitéus, caviar, foie gras, ostras, sushi, tremoços, vinhos de reserva do século passado, mercearias finas, pão pouco insonso e água del cano.

  O senhor morgado, no seu fato armani, espera dois minutos exactos (três seriam demais), antes de se levantar um torvelinho dentro do gabinete do botelheiro. Este amara de proa, descai a estibordo e estende-se ao coomprido, com o nariz mesmo junto às peúgas do promitente comprador. Não contente com a prestidigitação, o factótum põe-se às arrecuas, aos salamaleques e às bacalhauzadas; delambe-se em ademanes. A tempo desvia-se duma antiguidade oriental produzida no mês anterior e que era os olhos da cara dele. Neste entretanto, esvaem-se da baixela uma mão-cheia de acepipes.

  O senhor morgado, no seu fato armani, questiona, de boca cheia, opina, satiriza, golpeia, bate na testa perlada de gotas de suor. O intendente deixa-se interromper, ilustra, titubeia, ruboriza, desfaz-se em mil desculpas, pelas imperfeições do caderno de encargos e dos produtos em hasta. Então lembra-se que o detentor de morgadio não distinguia uma letra de um algarismo. Secou-se-lhe a boca, mas retomou ardilosamente o fio à meada. Neste ínterim, esvai-se da baixela nova mão-cheia de acepipes.

  O senhor morgado, no seu fato armani, diz que queria provar, antes de comprar. Logo o intendente manda trazer umas acções, para que o morgado prove, revolteie, sopese e distenda, antes da compra. Cofia a bigodaça, repuxa os colarinhos das mangas, endireita o lacinho e põe o seu melhor ar de entendedor. Por pura distração, enfia o dente, faz um rasgão e mastiga-o. Estava tudo na ordem. O senhor morgado afaga as goelas com nova dose de coisinhas boas.

  O senhor morgado, no seu fato armani, pergunta se pode pagar a longo prazo, a médio ou a curto prazo. A réplica não se faz tardar: que não se amofine, tem todo o tempo do mundo para pensar nisso. O mundo existe há milhões de anos; quaisquer 100 anos são sempre incomparáveis. Por entre remoques, risadas e dichotes, chegou-se o momento de acertar contas. O senhor morgado afaga as goelas com nova dose de coisinhas boas.

   O senhor morgado, no seu fato armani inquire se pode despedir, flexibilizar horários de trabalho, poupar nos impostos, e ratar os salários pagos, depois de comprar. A réplica não teve tardança: «por quem soides», com certeza, marquesa, perdão, comendador, estamos disponíveis para negociar até ao sacrifício de vidas, das vidas nossas, que quem vota, rende-se.

   O senhor morgado afaga as goelas com nova dose de coisinhas boas. O senhor morgado, no seu fato armani, passou com distinção no rateio privativo. Comprou 5 empresas públicas, 5 institutos públicos e 5 autoridades. Mais tarde veio a saber que um amigo de peito, por ter comprado igual número de serviços, levou de bónus uma empresa autárquica, por ainda viver e criar os filhos numa área rural. Haveria de desafiar o intendente para um duelo público, pois também ele era detentor de muitas propriedades rústicas.

   O senhor morgado pediu uma mãozinha ao alfaiate privativo, tanto corte fez na féria e noutros emolumentos dos colaboradores. No resto, não buliu uma palha. O senhor morgado andava repimpado, no seu fato armani, quando este se lhe rebenta pelas costuras. Acto contínuo, levanta voo e abanca em Vénus, onde, para seu desgosto, dá de caras com os sindicalistas que tinha encontrado à porta do gabinete ministerialista.

02
Out10

Histórias trágico-desportivas ou de empata-fadas

Jorge

A – Toda a gente julgava que o mister não fazia mal a uma mosca. Até que se soube que tinha afinfado 2 bananos num escoliador. A máscula confraria que contratou não foi tida nem achada.

      «Assim não vamos lá, ó mister» - estrondeou o craque número um e caudilho por mérito de alto salário, aquando de uma substituição tida por gratuita, durante uma jogatina para o primado futebolístico do orbe terráqueo. O mister fez orelhas moucas, embora as más línguas fizessem constar que se tinha submetido a uma limpeza geral dos pavilhões auditivos, nessa exacta manhã.

       O craque número dois, durante a mesma competição, escumando das fauces, asseverou que o mister tinha escolhido mal a tática. O mister disse em comunicado que não conhecia algo ou alguém com nome semelhante, o que contribuiu para que o craque dois apresentasse um pungente pedido de desculpas.

       O mister usou linguagem de carroceiro, antes de uma sessão de recolha de xixi matinal aos seus pupilos. 3 clínicos sentiram-se desrespeitados antes e despeitados depois, pelo que lhe juraram pela pele.

       O mister disse, ufano: «Não é verdade, eu usei termos de máscula gramática, linguagem vernácula, estando eu rodeado de machos como eu».

        O mister ficou enxofrado com o cheiro a polvo confitado que rescendia da fatiota oficial do chefe do cortejo. Quando muito, era suposto cheirar a calmar frito. Fez notar que o bafio contendia com o seu feeling de vitória e houve mosquitos por cordas.

        A primeira barra do ofício da máscula confraria mandou que o mister ficasse suspenso durante um mês, por conta de palavrões inadequados a tão alta postura. A primeira barra da inquirição pública mandou que o mister ficasse suspenso durante 6 meses, por conta dos mesmos mimos dirigidos aos peralvilhos dos recolectores de xixi orgânico.

        A primeira barra do ofício da máscula confraria abriu um segundo inquérito que ainda está de porta aberta, por conta do quiproquó centrado nos cefalópodes. O mister alardeou a sua ignorância sobre povos e polvos da península itálica. Por tal desventura, não foi achincalhado pela tutela e pelo tutelador, pois também estavam em branco.

        O mister disse que os atletas que abandonaram o berbicacho criado na praça de armas foram por si aconselhados. Os nacionalistas deitaram à janela lençóis e cobertores, com os quais lhe queriam fazer a cama. O mister disse que estava em questão a sua honra no jogo da corda. Desafiou a alma de cântaro que o quer ver derribado. Quis terçar armas, mas alguém terá baixado a luva e a bolinha, pois ninguém se chegou à frente. 

        O mister disse que só o tirariam do seu posto com os pés para a frente. Foi quando se formou uma alagoinha na ágora. Alguns elementos da máscula confraria que o cooptou tinham vindo a público lavar as mãos e as vestes. 

        O mister foi despedido, por não ter cumprido objectivos. Por uma questão de probidade interpôs recursos, porque garante que a confraria sem mácula se deixou hipnotizar por uma surucucu hibernada de 6 anos.

        O mister arrisca-se a ganhar todos os pleitos disputados em novas instâncias e quer ser ilibado das sevícias impostas. À segunda vitória disse: «Foi mais um golo na minha defesa». Toda a gente acha que a metáfora lhe saiu inquinada. 

        O mister será indemnizado pela confraria máscula e sem mácula. À conta disso, o mister que se segue, pisco de fama e proveito, receberá metade da jorna, pois que comer e falar pouco aguça a existência e evita excrescências.

B - O clube glorioso pediu às suas gentes que fossem ulular para todos os campos do país. No ano seguinte desdisse-se.

     O clube glorioso ganhou um troféu de caça. No ano seguinte ameaça atirá-la janela fora.

     O clube glorioso foi governado por um senhor que ameaçou retirar as transmissões desportivas aos donos da bola. Levou um pontapé no sítio onde as costas mudam de nome. O actual senhor do leme quer dar a provar mais do mesmo e aguarda a sua vez.

     O clube glorioso declarou o grande vizir da acção desportiva pessoa indesejada. No dia seguinte, o grande vizir replicou dizendo que nunca havia feito mal a uma mosca, por mais vermelhusca que fosse.

      O clube glorioso fez grandes jogatanas, por isso nunca se confessou espoliado. No ano seguinte mudou de propósitos, pois os apitadores desataram a enfiar na boca o apito ao contrário.

      O clube glorioso queria que o chefe dos apitadores desse um puxão de orelhas ao senhor-que-não se-borra-quando-apita. O chefe dos apitadores fez-lhe o gosto. Os 3 borraram a pintura.

      O clube glorioso disse que não vai desistir dos objectivos fixados no início da temporada. A época acabava de começar…

      O clube glorioso disse que depositava toda a confiança no grupo e nos misteres. No imediato, os visados acorreram à caixa multibanco do estádio, a ver se a mesada tinha sido depositada.

02
Out10

Reflexos dos brandos costumes

Jorge

1 – Conversa de cibercafé:

           - Ardeu mais área florestal em 13 dias quem em 2 anos.

           - Acabo de saber isso pela Net.

           - Afinal ainda somos capazes de novos cometimentos...

 

 2 – Conversa de submarino:

            - O mister disse que aceitava ser segunda escolha.

            - Porquê?

            - Ele disse que se sentia seguro sendo segundo.

 

 3 – Conversa de cibercafé:

           - O ME  fechou 701 escolas de 1º ciclo.

           - Acabo de saber isso pela Net. Acho um acto discriminatório.

           - Discriminação contra o norte e centro do país?

           - Discriminação contra todas as escolas com mais de 20 alunos.

 

 4  – Recordes imemoriais do Rectângulo:

         . Ardeu mais área florestal em 13 dias de um mês (Agosto) que em 2 anos;

         . 70% dos incêndios  de verão da UE deram-se cá;

         . O ME há-de fechar 701 escolas do 1º ciclo, recorde da galáxia;

          . No segundo trimestre de 2010 a economia cresceu 0,2% (o valor mais baixo de

            18 países da EU), mas meio mundo bateu palmas;

          . É o maior vendedor PRAs (portefólios reflexivos de aprendizagem), das NO (novas

             oportunidades), na NET.

 

 5  – Um caso de mucos:

           O julgamento fez-se a passo de caracol. Os procuradores procuraram a passo de caracol; os advogados advogaram a passo de caracol; 3 juízes ajuizaram a passo de caracol. No fim, 6 visados ficaram retidos na babugem, meio mundo quedou-se babado, muitos permanecem ainda banzados.

 

 6 – O pivô da têvê foi condenado, ao mesmo tempo que outros 5 concidadãos. Lida a sentença, organizou 6 conferências de imprensa e acedeu a dar 6 entrevistas. Os restantes 5 colegas de infortúnio recolheram a penates.

      Ao fim do dia, o apresentador ainda teve forças para dizer:

      - Desde o início, fizeram deste processo um caso contra mim.

 

 7 – O apitador farronqueiro fez o gosto ao aparelho fonador: apitou gulosamente, ao sabor dos acordes da «ópera do malandro», enquanto arrotava o arroz malandrinho que sorvera à sorrelfa, à hora do lanche. Fez o gosto ao aparelho motor: exercitou os músculos e correu como gazela pelos verdes pastos, espetando - com espavento - cartões a granel aos garibáldis. Fez ainda o gosto ao aparelho reprodutor: lixou os solferinos, para gaúdio dos auricerúleos.

 

8 – Poderia ter sido accionada uma acção judicial contra o mister. Ele disse que era catedrático. O soto-ministro encomendou, na praça pública, as devidas investigações, pela calada da noite. No terreno, descobriram, entre montes de tralha, um canhoto no bolso de trás de umas calças do tempo do rei XV, pertença do mister. Por ele se comprovava a inscrição num exame ad hoc, da Universidade Independente. Safou-se de boa, o mister!

 

9 – Um caso de memória curta aparentemente estranhável:

   O grande vizir da acção desportiva falou para os amigalhotes do bairro. Que tinha substituído a estrutura velha, por uma conjuntura toda catita. Tinha multiplicado os pavilhões, tinha levado o desporto escolar aos píncaros. Alguém quis saber dos campeões e grandes conquistas operadas, ao longo do seu reinado. Coçou os cabelos, cofiou a barba, esforçou a massa cinzenta dos 2 lobos cerebrais. Apenas lhes ocorreu os 2 casos de xixi.

 

10 - O pequeno mister falou e disse:

          - Se o clube que está a 9 pontos da gente foi prejudicado, que peça a repetição dos embates.

          Foi então que um gazetista lhe perguntou se tencionava pedir a repetição das contendas em que a sua agremiação tinha sido beneficiada. Embatocou o pequeno mister, pelo que tem sido visto à procura da resposta no calor do dia e no frio da noite.

 

11 – Alguém fez adernar o país. Aqui d’el rei, uma revoada de especialistas pojou o território de alto a baixo. Eles disseram, no fim de 5 mil linhas de relatório, que para o repor no rumo certo bastava deitar mão de uma grua sofisticada, disponível no mercado local. Ninguém foi capaz de encontrar um batelão que levasse a grua a bom porto. Foi levada a pulso pelos marujos.

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