Reinadio
Realezas e realejos estão em desuso, embora as primeiras se imiscuam bastas vezes nas prestações oníricas de muitos plebeus, ao passo que os segundos já não riscam.
Importante linha de investigação, levada a cabo por uma missão mecenada, tenta lançar luz sobre o fascínio exercido por suseranos e monarquias. Parece confirmar-se a tese que as testas-coroadas vendem estórias como pãezinhos quentes, por conta da cor do sangue que lhes corre nas artérias, veias e vasos capilares e da causa monárquica. Efectivamente, o anil tem vindo a impor-se gradualmente ao escarlate.
Uma outra linha de investigação, igualmente levada a cabo por uma missão mecenada, tenta esclarecer por que razão as repúblicas predominam, nos tempos actuais. Por uma questão de moda, a monarquia passou de moda, indica um relatório preliminar. Recentemente dado à estampa, o estudo conclui que ser escolhido pelos fados, pelas estrelas ou pelas deidades sempre deu mais pica do que ser eleito pela plebe.
Belizário, pai extremosos e adepto experimentado de quotas democráticas e da igualdade no lar, teve que contar, naquela noite, ao seu mais velho uma estória que o transportasse ao reino de Morfeu. Puxou da inventiva e narrou as peripécias do pedinte que tinha sido abandonado pelo pai rico e que foi mais tarde reintegrado no mundo das celebridades. Debalde, o infante não se rendeu à primeira. Recorreu à colecção de escritores neo-realistas editadas por um periódico realista e leu todas os episódios de cabo a rabo e nada. Até que, por inspiração da cônjuge que o esperava, de braços abertos, no andar superior, decidiu contar a estória do príncipe enjeitado, nascido com pés de barro que se fez guerreiro de excelência no reino da Terracota. O resultado não se fez esperar: o conto ainda não ia a meio e o puto já contava cordeirinhas. Belizário deixou-o nos braços de Morfeu e aprestou-se a cair nos braços de Morfina.
Depois já não custava nada:
- Era uma vez um rei com uma grande barriguinha…. Era uma vez um príncipe que virou sapo por conta do mau hálito de uma bruxa má…
Uma outra linha de investigação, também levada a cabo por uma missão mecenada tenta esclarecer o enigma que envolve a formação da pequenada: os petizes ficam encantados com diademas ou são os progenitores que à vida gostam de juntar uma pitada de encantamento? A hipótese que colhe mais consensos entre os investigadores entende que rainhas, princesas, beis, samurais, imperadores e marajás, geralmente donos de grossas maquias, ilustram o sonho que comanda a vida. Porventura não sonhamos nós com príncipes encantados e encartados, com reis a surdir do nevoeiro? A excepção recai no sorteio do euromilhões.
Belizário, também ele embalado, na meninice por estas estórias encantatórias, num dia de sol radiante, decidiu acabar com as meias medidas. Convencido que mais vale um gosto na vida que três reis na algibeira, consumiu o seu pé-de-meia na aquisição de um rochedo junto ao cais de atracação da terra de sua naturalidade. Acto contínuo, deu-se a conhecer ao mundo na qualidade de xá do Alegra-Campo.
Óbices de monta: ninguém habita o rochedo, a biodiversidade é espantosamente frágil e a pegada ecológica onerosa. Dali apenas se pode ver navios ou observar cagarras. Pelo que, se propõe criar incentivos que passam pela outorga de títulos honoríficos, atribuição de prebendas, distribuição gratuita de computadores e, last but not lhe least, o consumo tendencialmente gratuito de poncha, néctar produzido na vizinha república das bananas, à discrição.
No curto prazo, está prevista a exportação de burgaus, lapões e migas; no médio prazo a aposta será nos desportos náuticos e na talassoterapia; no longo prazo, a aquacultura e a pesca e o turismo hão-de medrar – prevêm as consultoras internacionais -, o que faz todo o sentido, numa terra que dispõe de muito mar à mão de semear.
Belizário tem grandes sonhos ainda mais para diante, em que a erecção de aterros, a produção biológica de alimentos e a manufactura de artesanato a partir de calhaus rolados estará no centro das suas atenções. Teme-se, entretanto, que a subida do nível das águas do mar, conjugada com a extracção das rochas de sustentação e a fuga do mexilhão contribuam para o encolhimento do território. Assim, impõe-se mandar patentear nos tribunais internacionais a delimitação da ZEE, uma estratégia que poderá valer Belizário o estatuto de persona non grata, na vizinha república, aonde reside. As facturas serão pagas por conta do ouro que subjaz no tálamo marinho e que está por explorar, nada que não tenha sido tentado pelos potentados dos tempos modernos.
O dia chegará em que outro genitor sonhador, postado aos pés da cama do rebento, rematará a estória do príncipe que virou batráquio:
- Belizário, Xá do Alegra-Campo, viveu contente com a sua prole, com a sua sorte e consorte e foram felizes para sempre…