Camisa de onze varas
Uns grandes crânios vivos rezam todos os dias às alminhas penadas e às do purgatório já mortas. Outros tentam entrevistas mediúnicas com os espíritos afamados e versados na ciência do deve e haver de afamados, letrados na arte de bem dissecar os tecidos cavernosos de défices e superavits. Smith, Max, Keynes, Galbraith, Hayek e Furtado - entre outros - são continuamente assediados, por dá cá esta palha. Têm conseguido furtar-se à abordagem, com sucesso, até hoje, à custa de audaciosos golpes de rins. Os atormentados espíritos terráqueos, ao verem o chão a sumir-se debaixo dos pés, é que não se rendem. Sem o seu precioso auxílio, continuam a bolsar justificações a pataco, servidas por pratos requentados, erigidos com muita perícia, mas pouca substância. Longe deles que a sua amada ciência caia na rua e vire segredo de polichinelo.
Salvar o establisment das garras do consumismo, das cavilosas confrarias de corretagem, da bolsa predadora, da banca insaciável e mesmo das mafias internacionais visíveis e invisíveis, seria tão fácil, noutros tempos, como limpar cús a meninos. Atualmente, veem-se à brocha, balbuciando ninharias como infantes desdentados. Os arcanos também lhes fazem vista grossa e ouvidos de mercador. Por isso a borrasca estará para breve, segundo todas as previsões. Enquanto o pau vai e vem, arranca-se cabelos, rói-se unhas até ao sabugo e, à sorrelfa, encomenda-se estudos sobre poções mágicas tipo druida Panomarix, sobre a localização do reino de Prestes João e mesmo sobre o Eldorado.
De pouco tem valido: o vírus da crise, diabolizado por todos, teima em trautear o estribilho «daqui não saio, daqui ninguém me tira!». E continua a atacar pela calada, como a cáries os dentes, com pertinácia e perfídia.
Os bolsos das formigas pobretanas estão a esvair-se de copeques, as carteiras repassadas bradam aos céus, os mealheiros jazem esventrados. Os bolsos das abastadas cigarras ameaçam implodir do alto do seu castelo: as ações, as obrigações, os títulos estão a sentir-se acossados. Resistem, irmanados no instinto da sobrevivência das imparidades.
Fazem-se promessas a ser cumpridas no triângulo Fátima-Santiago de Compostela-Lourdes; outros itinerários alternativos estão a ser congeminados a outras sedes de imprecação, posto que, em tempo de guerra, não se limpa armas.
Se a coisa não se compõe, teme-se que este clone do mostrengo do cabo das Tormentas continue a engordar e a crescer em todas as frentes.
Num belo dia de inverno, repleto de neblina daquela que se entranha nos poros e vísceras, um guru, convidado de honra num dos mais lídimos areópagos, descobre a pólvora: a culpa é dos ingleses e seus abencerragens. Sim esses mesmos que são useiros e vezeiros em comer as papas na cabeça de toda a gente; esses mesmos que porfiam na toleima do uso de medidas escaganifobéticas; esses que teimam propagandear, no tempo e espaço, os seus complexos de superioridade ilhota (alguns miramolins da santa terrinha teimam em segui-lhes as pisadas). Os camones e seus séquitos espartilharam, em tempos idos, as costas e contracostas do globo, em nome de veneranda globalização; foram eles que, mais recentemente se estiveram nas tintas para o euro e se abstiveram de o salvar, quando seguia de cabeça perdida rumo às cascatas ignotas.
Palavras não eram todas ditas, e já o togado, afinal um infiltrado duma associação secreta de renome, – como se apurou mais tarde - patenteia a sua receita para a crise: anule-se a semana-inglesa para toda a gente, todos, sem exceções, vão alombar pro bono, ao sábado de manhã, em prol da nação. Assim se mitigaria a mitológica calaceirice dos indígenas, ao mesmo tempo que se poria em sentido a malversação corsária.
Em sede de concertação, está a ser ponderada a questão, não vá a diligente classe dirigente ficar cerceada nos seus direitos de descansar ao 7º dia. Que S. João Wall os acolha em seu beneplácito!