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oitentaeoitosim

04
Mar12

Ida ao brejo

Jorge

  Segismundo, ao primeiro dia, levanta-se macambúzio. Folgazão, lembra-se do entrudo, altura em que se suporta tudo. Compõe e afivela a máscara de conhecido político profissional, ali mesmo à mão de semear. No desvão da escada do habitáculo, entre as reminiscências de velharias, descobre a fatiota adequada ao disfarce. À porta do local de trabalho faz-se anunciar a todos os colegas e chefes com a melopeia saída de cornetins e alaúdes feudais, tocados a preceito por músicos de rua que se desunham para arranjar graveto para a bucha. Levam-no a mal. Cobrem-no de injúrias, de farinha e de ovos, durante toda a manhã. Sai feito num oito e a cara num bolo.

   De tarde, volta à carga: na tabacaria do bairro compra uma máscara de monarca, com coroa dourada, diadema cetro, etc... Na cave da moradia, descobre farpela a fazer companhia. O regresso ao trabalho, em tempo de vésperas, é anunciado por pajens recrutados à porta do tabernáculo, entre uns quantos polidores de esquinas que por ali vegetam e lhe invejam a sorte do emprego e todos os dias lho fazem saber. Aí os colegas desbarretam-se, cobrem-no de confetes e fitas. Oferecem-lhe o chá das 5 e ei-lo que volta em glória a caselas.

   Segismundo, ao segundo dia, levanta-se impante como infante em dia de visita de gente d’algo à escola. A seu lado, jaz outra máscara de político profissional da aliança. Na arrecadação, entre presuntos, queijos e fiambres fora de prazo comprados como tal no híper da zona, catrafila um fato de grilo, salvo às bravatas das traças por bolas de naftalina das que teimam em não perder o rasto e o lastro em décadas de barrelas sucessivas. Esfusiante, faz-se anunciar em 3 línguas vivas e 3 dialetos, á entrada do pelourinho. Os colegas cobrem-no de mel, esfrangalham meia dúzia de galináceos e fazem-no rebolar sobre as penas. Assim o mandam de volta a casa, à hora do pitéu, para alvoroço e posterior solidariedade das organizações que lutam pela existência de rotundas ou praças da constituição em todas as terras do país.

   À tarde, não desiste: na papelaria do bairro, descobre uma máscara de anjo andrógino. Na arrecadação do aposento, entre trastes do tempo do rei quinze, descobre a indumentária a preceito. À entrada do local onde esportula as horas mais mimosas do dia, de mãos cruzadas e apontadas ao trono etéreo, faz-se anunciar pelo estrépito das harpas e charamelas empunhadas por querubins, serafins e potestades. Os colegas, esses desfazem-se em vénias, cumulam-no de beijos de paz e preparam-lhe o maná das cinco, com a conivência da entidade diretiva, de olho também atento no banco de horas. Volta ao bem aventurado lar, onde acaba por descobrir que a vida é bela, não fosse a humanidade a conspurcá-la.

    Segismundo, ao terceiro dia, levanta-se reconciliado com a vida, quando se lhe depara sobre a mesa-de- cabeceira a máscara do dono do mundo. Apressado, entra na cave do fogo onde vive com pouco desafogo. Surripia uma embalagem de salsichas e poupa nas conservas, mas encontra a roupinha a preceito. De regresso à tribo laboral, faz-se anunciar por todas as campainhas de alarme do prédio multiusos onde se esmifra. Os colegas é que não vão em cantigas; de má catadura, moem-no de porrada e à cachaporrada, trâmites completados com a inefável justiça de Fafe. Volta a casa, para tirar a barriga de misérias.

    Aí puxa pelas meninges e num último esforço decide-se pela recriação do episódio Grimm em que o rei vai nu, o que dispensa qualquer adereço. À entrada do edifício onde reina o seu amo e senhor é anunciada por sirenes e luzinhas de discoteca. Vinham por ele, em nome da moral púbica. Uma lei recente obriga os cidadãos a rapar os pelos todos dos gasganetes para baixo. Ele é alérgico a depiladores. Lá vai catrafilado, que não ledo.

    Levam-no para as masmorras, dão-lhe um lençol de papel, não vá ceder á tentação de conselheiros suspeitosos. Aí terá renegado a teoria velha de séculos: afinal a vida e o carnaval são mesmo 2 dias.

 

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