Uns comem os figos...
Abirão contou esta estória que muitas cabeças atribuem à sua imaginação fértil.
Uma anciã decidiu despojar-se dos seus bens terrenos, antes de encontrar-se face a face com o seu criador. Chamou ao seu leito de doente impenitente a filha única, Sabina, de sua graça. Posta a par da decisão, a herdeira deu, sem peias, o seu aval à resolução inspirada da genitora. Esgaçado o pé-de-meia, só assim a cria podia continuar a sufragar a paixão pela jogatina que a consumia. Só dinheiro vivo com fartura serviria para ressarcir-se de perdas e danos ao património.
Sem mais tardanças e atavios, pôs pés a caminho a esperançosa donzelona.
Nisto, sai-lhe a terreiro o cocheiro-mor do reino, Tácio de seu nome, que acumulava funções de autarca de alto coturno e latifundiário de alto lá com o charuto! Era igualmente especialista em cavalgar toda a sela, sem reproche. Sabina já o conhecia de ginjeira.
- Que temos desta feita?
- Minha mãe quer vender, antes de partir.
- Sua mãe vai finalmente conhecer este mundo?
- Será uma viagem só de ida, para o outro mundo.
- E quer vender tudo?
- Sim, tudo, para que a terra e a minha vida sejam leves. Alinha, caro senhor?
Que sim! Tácio sabia que estava avençada a edificação de um terminal de diligências, estilo último grito de Paris. Os terrenos da anciã caiam nos parâmetros requeridos que nem ginjas.
Fosse Sabina mais dotada de argumentação financial, saberia que, nestas questões da oferta posta à frente da procura, fica a perder quem dá parte de fraco. O cocheiro-mor do reino, ao invés, macacão de rabo calejado, sabia-a toda. À desfilada, alcançou a moradia de 10 ha do fogueiro-mor, seu compadre e sócio. Este concordou que teria todo o gosto em incluir o seu nome na lista futura dos outorgantes ativos. Nova viagem, de calcantes a fustigarem-lhe o rabo, ei-lo à porta do condomínio fechado do escrivão-mor, seu compadre e sócio, que não se fez rogado perante o capitoso negócio que se avizinhava.
Três dias volvidos sobre a desditosa data em que os torrões se fecharam sobre o ataúde da anciã, os outorgantes promitentes encontram-se num boteco.
- Ofereço-lhe 500 milhões de reis, é o que se pôde arranjar! – disse o cocheiro-mor.
- Quando vou ver a cor ao dinheiro? – perguntou Sabina do alto da sua esfusiante alegria.
- É para já! - ripostou Tácio, enquanto sacava de 10 saquiteis prenhes de graveto - Fiz questão de vir acompanhado por um tabelião, para a escritura e por um forneiro, para o pato assado que vem já preparado para fecho das negociações.
Transação consumada, Sabina desembarcou no casino, donde saiu tesa que nem carapau; Tácio e companhia deram de frosques e só detiveram os cavalos à entrada do prostíbulo mais próximo, onde saciaram, durante 3 dias e 3 noites, a luxúria e a gula associadas ao sucesso.
Abordaram Matusalém, o promotor do terminal de diligência, com quem fecharam negócio, por 1500 milhões de reis. Sabina, já nessa altura tinha recolhido a penates; cabisbaixa, lamentava a falta de empatia com os seres benfazejos que determinam as sortes dos jogos de cartas. Tácio e companheiros partem para a 2ª comemoração consecutiva, no serralho mais à mão. Ali permaneceram 5 dias e 5 noites, período em que deram o litro, se desforraram da falta de talento das consortes e tiraram a barriga de misérias a seu talante.
Ainda carpia Sabina a sua desdita, pelo que vertia capitolinas bátegas, ao peso de marreca pronunciada, quando os editais alvoroçaram a plebe. Prometiam alvíssaras a quem desse informações sobre os matadores de Matusalém. O empresário havia sucumbido a uma tosa monumental, quando fazia contas à vida e o seu anjo da guarda se distraía a recolher mais um exemplar para a sua coleção de borboletas. Os meliantes confiscaram e deglutiram os documentos assinados com Tácio e amigalhaços e deles nunca mais houve novas, nem mandados.
Os 3 da vida airada abancaram no alcoice mais próximo, para um terceiro estágio por conta do grande negócio das suas vidas. Por lá se mantiveram por 7 dias e 7 noites, tentando dar o seu melhor na satisfação dos prazeres da carne. Esgotados os fluidos da satisfação, puseram-se cá fora e apressaram-se em construir novas caixas fortes, reforçadas a 7 chaves. Continuavam donos e senhores do terreno comprado a Sabina e muitos mais candidatos se apresentavam ao engano e à ereção de novo terminal de diligências. Os regabofes dos 3 amigalhotes prosseguiram a bom ritmo, para gáudio também das caras metades que poupavam nas canseiras e amealhavam joias.
Abirão, contou esta estória de fato às riscas, no intervalo de um julgamento, que enfrentava por questões de somenos importância, ao que dizia. Estava previsto que teria de comparecer mais 50 vezes perante o justiceiro-mor, se entretanto o carrasco não recebesse ordens de o garrotear. Ou se não o vitimasse o mal da caspa, uma maleita incivilizável, sobre a qual recaiam as atenções dos profundadores.
Tês semanas mais tarde, Abirão pôs-se ao fresco. Aproveitou um pifo monumental dos peões de brega que montavam guarda à sua cela e pernas para que te quero! Foi dar uma volta e descobriu a sua aptidão natural para andarilho. Em pequeno sonhou um ror de vezes que queria viver a toque de caixa, quando fosse grande.