.Este mundo é uma bola; só quem nele manda é que não se amola. (provérbio, adaptado)
Mané, rapaz de boa boca, de boa mesa, nado e criado com boas vistas e boas farpelas, sempre sonhou sempre com boa carreira, pois é guiado por boa estrela. A mãe natura fora-lhe magnânima: adónis clássico, escorreito de carnes, endereços apelativos, rijo que nem um pero, dispunha também de ductilidade intelectual ao alcance de poucos. Mas, não era bom de bola! Apesar da blandícia carrilada para aquela bola de futebol - um presente de aniversário – exibida em vitrina central do seu quarto de estar, tinha grande desgosto por não dar uma para a caixa em futebóis. Tentava um toque em jeito e saía-lho em força; tentava um pontapé de moinho e saia-lhe a bola ao picadeiro mais próximo; tentava um drible e ficava feito num 8. Não sendo laré, mortificava-o que o apodassem de pezudo, circunstância que não casava bem com a projeção ambicionada naquela terra de amásios da bola, pelo que precisava de dar volta ao contexto.
Pôs-se a debicar em cadernetas de cromos, em vídeos, em filmes, em jornais, em livros e em enciclopédias. De grão a grão, adquire competências rápidas em todos os domínios dos futebóis e do futebolês. Moral da estória: faça sol ou chuva, no nabal ou na eira, a vitória, mesmo que difícil, tem de ser intentada todo o custo, com os melhores praticantes ou coisa parecida, com uma organização capaz e com as pessoas certas nos lugares certos.
(O rocambolismo da farsa do apanha-bolas que, numa noite de nevoeiro, meteu a redondinha dentro da baliza, através de providencial buraco da rede, dando a vitória ao patrão, ferreteou-o).
Quando O Cateto, a folha informativa dos grandes cismas liceanos, organizou um concurso acerca de táticas de sucesso, enviou, na desportiva, uma súmula das ideias que bebera nas consultas livrescas, somadas aos ensinamentos das conversas de café e dos desabafos em lautos convívios. Sem grande surpresa, abichou o prémio, pois tinha palheta e pinta de escriba. Novo postulado: independentemente da pré-disposição à vitória a todo o custo de todos os atletas da casa, importa semear ventos no campo adversário e mandar para canto as tempestades.
O jornal – saía quando saía – prestou-se à sua publicitação na net, para uma consagração viral.
Conquistado a pulso o voto na matéria teórica, achou-se capaz de passar à prática – qual rã a crescer para a vaca que pastava no prado sossegado –, onde apostou singelo contra dobrado que vingaria. Debita regulamentos respeitadores da axiomática reinante, indigita colaboradores, cria uma equipa, Pernegudo FC, e avança para tomada de todas as bastilhas do bairro, com a sua bola. Escolhe invariavelmente os putos mais dotados (uns puseram-se a jeito, acabadinhos de deixar a academia de uma coletividade de firmado historial). O equipamento, as movimentações entre linhas, a cobrança de livres têm a sua marca. Raramente vê fugir os 3 pontos em disputa, também por desdita dos adversários, cumulados bastas vezes com expulsões e castigos máximos. Caso embezerrasse, o caldo entornava-se, com ameaças de volta às origens.
Numa véspera de pelotada, cede à tentação e embarca em festança bravia, até-às-tantas. Uma das santolas que filou estava marada e pô-lo de calças na mão. Todo comprimidinho, agarrado às partes e entregue à bicharada, exigiu a sua inclusão na equipa inicial, morra quem se nega! Os adversários abrem alas aos chutões, charutadas, biqueiradas, passes tresmalhados, entradas a pés juntos do Mané (eflúvios mal enjorcados, mal sonantes e de mau jaez terão facilitado a manobra). O placard registou um resultado histórico.
Na jogatina seguinte, os adversários entram de máscara aperrada ao nariz. Solicitado a cumprir os regulamentos - saídos do bestunto do guru - o álvidro expulsa 2 contumazes elementos da equipa da outra banda. Instado a bater uma penalidade máxima, converte-a à terceira tentativa, por suposto encolher de ombros e bater de pálpebras do keeper, nas tentativas anteriores. À terceira foi de vez, jazeu de de borco, depois de ser atingido pela botifarra do mordomo, à má fila. Isto valeu a suspensão de prélios durante 2 semanas, até que a família numerosa do guarda-meta se deixasse convencer que tinha serenado. Os fartos fundos conseguidos numa vaquinha vão direitinhos para os bolsos da fisioterapeuta, do odontologista e do feirante que forneceu uma dúzia de fatiotas, fatos de treino e equipamentos de marca à germanada.
No regresso da compita, o clube do Mané tem pela frente uma equipa capitaneada por hábil esquerdino e senhorio de n bolas topo de gama, primícias do trabalho infantil do Bangladexe. Num dos primeiros lances, o habilidoso leva que contar: um toque intenso de ombro projeta-o para terra de ninguém que ficava fora do recinto, tendo por ali andado à procura das cangalhas um par de horas bem contado. Mané diz que não meteu prego, nem estopa e logo a maioria dos mirones jurou e trejurou que nada viu (eu seja ceguinho, se vi alguma coisa….)
Um dia decidiu organizar um campeonato do bairro, com troféus autênticos, angariados nas charutarias e estamparias das redondezas. Sem grande esforço, as vitórias foram-se acumulando no bornal do Pernegudo FC. No jogo da final, enfrenta-se a uma equipa reforçada de 3 xenodontes superdotados. Nem chegou a haver luta, tal a codícia dos emboabas, peritos em nós cegos, toques de calcanhar, chutos de trivela, pontapés de moinho e bicicleta e outros ilusionismos.
Foi então que caiu em si e se deu conta que não tinha muito préstimo para aquilo. Mas, dizem-lhe que poderia zelar pelas operações a montante e a jusante. De conivência com os novos donos, pôs-se a alugar bolas de todas as variantes do balípodo, a gerir carreiras e fundos, a organizar almoços em Canal Caveira, conferências na Gulbenkian, festivais no pavilhão Atlântico, não esquecendo o gamanço, o palmanço de carteiras, a recetação de apostas, a governação de claques, o lançamento de petardos e assalto à mão armada, pelos recintos do bairro. Da fama não se livra, ele é tão só um pau mandado da trinca de alienígenas que, no remanso de condomínios fechados, saca com precisão de relógio atómico uma comissão choruda.
Não há pai para Mané!