Fadiga do ajustamento
Se existe tanta crise é porque deve ser um bom negócio. - Jô Soares
Afadigam-se os especialistas na porfia de novas expressões, em dourar a pílula, em países de risco, à rasca, portanto sob intervenção externa, comprometidos com o bom comportamento do saldo estrutural, com se assim deixassem o gato com o rabo de fora mais confortável. Depois usam conceitos escaganifobéticos, estilo default, haircut, rollover, LTRO, eurobond, siglas pomposas (FEEF, MEE), para darem numa de entendidos aos entediados entalados. Por via de tanta erudição, muitos iliteratos continuam a não pescar nada destes assados (mais esdrúxulos que o mistério da trindade, que a teoria do big bang, ou do BPN – entretanto a ser investigado pelos célebres detetives Patilhas e Ventoinha e Buraquinho). Outros petiscam umas lascas e os que pescam a fundo naquelas grandezas atrapalham-se uns aos outros. É isso, perdem o fio à meada, vão de seca a meca e a gente nunca mais janta. Cá vamos, cantando e rindo…
O país está nas lonas, não tem indústria (os eleitos foram poupados às agonias da poluição), não tem moeda própria - não pode recorrer a esquemas tolerados pelo sistema de desvalorização da dívida -, andámos a gastar em subsídios em carros, belos apartamentos, muitos bifes e curtição, sem desconfiarmos que o diabo não dorme, mas faz dormir. Estamos metidos numa camisa de 7 e noutra de 11 varas, cerzidas pela união política e monetária, só nos resta seguir os bons conselhos, corporizados na trinca/troika. «Meus senhores, foi bom, enquanto durou, divertiram-se muito, mas agora acabou-se a brincadeira, devolvam a bicicleta!» Os credores do Estado apanharam a gente de calças na mão, querem o deles de volta, com juros de mora capitalizados e nada de espernear. Solução? É essa aí, os pobres, portanto, com menores responsabilidades sociais que alombem pela medida grande! O governo quer pagar até ao último tostão e a obra está a acontecer.
O FMI (outra sigla familiar, credo!), por mais de uma vez «defendeu a ideia que não devem ser implementadas medidas de austeridade adicionais para corrigir desvios no défice orçamental que resultem de uma evolução mais desfavorável da economia». Percebido? É assim, basta de massacrar o Zé Povinho, dê-se-lhe alguma folga, uns cruzados para jogar no casino. De resto, olho vivo e látego à mostra, que a carestia de muitos é a abastança de poucos e ninguém está autorizado a mudar o leito e o caudal dos cursos de água, torrentes, correntes e marés. À beira da exaustão, da depressão, poupemo-lo ao opróbrio da humilhação. Para tanto chegam um punhado de rebuçados, uns tustos para jogar nas máquinas do casino. Depois, como última consolação fica essa: a independência, ninguém lhes leva a mal, ou lhes tira semelhante gozo…
Repostas em sentido, às gentes lusas - chupadinhas até ao tutano, à beira da depressão por tão madrasta vida, sem poderem dar alegrias a quem as prometeu e humilhada até dizer basta - pede-se que se capacitem que cada um é para o que nasceu (pobretanas, no caso), que viveram um logro fenomenal em trinta e tal anos, que só as esmolas os puseram a acreditar que seriam abastados para sempre. Chegou a hora da expiação: enquanto se aguarda pelo apocalipse, a seleção natural ditará as suas leis.