Teurgias
Taumaturgos intervêm, motu proprio, no País Tetragonal. Cansados de esperar sentados em sólios etéreos, apiedam-se de tantos rogos e – a verdade é para ser dita - exibem mãos largas. É um ver-se-te-avias de miráculos, uma maravilha para os íncolas, crentes e incréus, que se deixam fotografar boquiabertos, extasiados, a esfregar as mãos de alto contentamento, por não se acharem merecedores de tantas graças. Aceitam-nas piamente, não vão as deidades perder a face. Se os santos da terra já pouco percebem da arte, é nobre que se criem condições para que outros, de naturalidade incógnita, obrem prodígios.
Um tandem celestial 1 acrescenta ao seu currículo vasto (a crer apenas na versão oficial, useira em omissões piedosas), uma série de intervenções portentosas que pouparam felizmente muitas vidas, no meio de muita lata retorcida. Contam-se, pelo menos quatro intervenções miraculosas, em datas recentes, envolvendo meios de locomoção terrestres, em localizações distintas, intramuros. Os cuidados com a manutenção têm sido escassos, por falta de alcatrão.
Em dolina fagueira e prazenteira de terras de Ourém, na segunda terça parte do mês de Maio, já se tornou corriqueira a experimentação de uma oura, em torno do Sol. Aqui, nem é preciso fazer muitos cálculos, nem dar voltas ao toutiço. O fenómeno traz a marca da Padroeira (com o beneplácito de S. Jorge, possivelmente), que, de resto, já conhece bem os cantos à casa.
Que foi o recente regresso aos mercados, senão outra manifestação miraculosa? Houve muito peditório nas orações, a sugestionar novo oráculo. A graça terá sido da autoria de um tandem do olimpo que ainda está no segredo de muitos outros deuses (sobre S. Mateus e S. Onofre recaem muitos palpites). A fórmula mágica seduz cada vez mais povos e os justos de além-mundo não têm mãos a medir, que a fortuna não pode ser privilégio de poucos.
Anda o País Tetragonal necessitado de novo milagre. Uma ala poderosa tenta contratar D. Sebastião e o Prestes João, para que ficasse a contabilidade da Fazenda em dia. Estariam eles dispostos a arrostar contra o Papão e o Homem-Do-Saco e em defesa da honra do Zé Pagode? Parece que sim, mas a operação poderia ser morosa. Outra ala, mais realista, promove rezos, procissões, ladainhas, liturgias e peregrinações, numa tentativa de demover o Céu a equilibrar as contas, sem mais aquelas.
Estava-se nisto, quando, Deus-Pai – ao-fim-e-ao-cabo o responsável último pelos milagres – se dá conta de descantes. «Alto e para o baile, que eu quero saber por que bulas devo contrariar o destino traçado desta gente.» - terá dito na sua infinita sabedoria, enquanto se ouvia um ruído de fundo vindo do País Tetragonal profundo. «A gente aguenta!» - cantam de galo um coiro desafinado. «Não pagamos!», responsam outros coristas, na mesma moeda.
É anulada a missão impossível, os santos, Jerónimo e Bárbara de sua graça, são liberados da missão e tomam em mãos uma sortida à Gronelândia, terra donde desaparece o gelo, mesmo em tempo de frieiras. As esperanças voltam-se para a descoberta de ouro negro na imensa área de jurisdição marítima do País Tetragonal que encha as medidas à trindade austera. Os submarinos já estão a postos.
1 S. Cristóvão e S. Amaro (soube-se por portas e travessas)