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oitentaeoitosim

29
Mai13

Ressaca

Jorge

- Fui despedida.

- Disso me dou conta, a meio da manhã por aqui!

- Os patrões mandaram esvaziar a fábrica no fim-de-semana.

- Disso me dei conta eu, quando ontem por lá passei.

- Nenhuma das operárias se deu conta da cena, pois estava tudo no laréu.

- Disso me dei conta, que as ruas estiveram esvaziadas de conteúdo.

- 65 pessoas vão receber o subsídio de desemprego, se sobrou alguém que saiba ler e escrever lá na administração, a confirmar que trabalhámos para eles.

- Tás a gozar, eles não sabiam ler, nem escrever?!

- Eles eram 5 patrões, o que tinha a quota mais pequena sabia.

- Tás a gozar, queres ver que deslocalizaram a usina e piraram-se sem dizer ai?!

- Não, foram para uma terra a meia dúzia de quilómetros daqui, cujos habitantes se ofereceram para trabalhar por tuta e meia.

- Tás a gozar, eu ouvi dizer que se tinham implantado na Conchinchina!

- A mim o que mais me chateia nem é os ordenados em atraso.

- Homessa!

- Nem é os subsídios perdidos, nem todos os problemas vindouros na gestão da casa e da família.

- Homessa!

- O que mais me fere é não terem tido a hombridade de agradecer os anos gastos em lhes dar de mamar.

- Homessa!

29
Mai13

Imprecação ao génio da lâmpada

Jorge
 

Todos os homens podem cair num erro, mas só os idiotas perseveram nele
Cícero

 

- Queremos que a vida seja a consagração do amor.

- Qual deles?

- O platónico, pode ser?

- Concedido!

- Queremos o fim imediato de todas as guerras, na Terra e nas estrelas.

- A da Síria, para começar?

- A fria, pode ser?

- Concedido!

- Queremos que a vida traga pão a toda a gente.

- Integral ou normal?

- Amassado com suor do rosto, pode ser?

- Concedido!

- Queremos todos ser irmãos e dar as mãos.

- Quando?

- Dia-sim, dia-não, pode ser?

- Concedido!

- Queremos a liberdade para todos.

- Qual delas?

- A liberdade de petição, pode ser?

- Concedido!

- Queremos que o povo perceba que os sacrifícios valem a pena.

- A de talião?

- A capital, pode ser?

- Concedido!

- Queremos dinheiro para ordenados e pensões, sempre.

- Sem juros, sem inflação, sem regresso aos mercados?

- Sem isso tudo, pode ser?

- Concedido!

- Queremos ver-nos livres das dívidas.

- Dos swap, dos bancos, das empresas públicas, da Madeira ou da global?

- De todas, pode ser?

- Para acesso ao país das maravilhas, queira ter a gentileza de fazer tinir o tintinábulo da casa inteligente, onde pode encontrar a luminária apropriada, aqui ao lado!

 

23
Mai13

Divinal

Jorge

- Sai uma de salmão, para a mesa do senhor guarda,Titó!

O visado pega, com as mãos nuas – de verdade recobertas de um crosta de untos, condimentos e excrescências - em 3 postas de salmão de aquacultura e atira-as à grelha acalorada pelo negro carvão (que arde às escâncaras), enegrecida do uso, das culturas de batérias e outros microrganismos. Em 2 tempos o peixe fica entregue ao seu destino, e, meio cru, meio retinto, é enfiado numa bandeja, com um punhado de batatas acastanhadas, 2 rodelas de tomate e 2 folhas de alface delidas e delambidas.

Nisto, passa um autocarro da carreira que atira para cima dos comensais e dos pratos 2 encorpadas baforadas de gases de tubo de escape. Como se nada fosse, toda a minha gente, impávida e serena, tosse, retorce-se, mas segue em frente com o enfartamento.

- Sai uma de costeletas de vitela, para a mesa do chefe Augusto, Titó!

O visado, cofia a bigodaça, passa as mãos por um avental que não vê água, há muitas luas, vai à montra, retira 3 costeletas enfezadas e atira-as à mesma grelha, sem falsos pudores, à vista de toda a gente, sem que proceda a qualquer depuração. O carvão ainda a arder expele cheiros pela rua abaixo e que entram nas casas dos vizinhos (paira no ar a promessa de «luvas» para os mais renitentes). Em 3 tempos, as costeletas são revoluteadas, atiradas a uma travessa metálica, guarnecidas com batatas a murro e 5 farripas de cenoura, mais 2 cebolinhas de escabeche e são depositadas na mesa número 10, no preciso momento em que um camião atira vapores negros para cima dos comensais que ocupam, em contravenção, o passeio público (ó chefe, a carne sabe a peixe!)

- Sai uma de sardinhas, para o sr. engenheiro, Titó

O visado coça a cabeçorra, atira uma beata ao assador e vai-se às sardinhas, acabadinhas de descongelar e salgar, estão mesmo apetitosas e são depositadas na mesma grelha, sem mais propósitos que não seja a rápida incineração daqueles bichinhos retirados ao mar às 3 pancadas e em data longínqua. O gerente de operações deposita os peixinhos aparentados do arenque na grelha única, sacode freneticamente o borralho e em escassos minutos o manjar está pronto a ser dizimado, acompanhado de batatas cozidas, tomates, alface e pepino, mailo pão na mesa do canto. Neste entrementes, passam 2 motas de alta cilindrada, com escape livre e enchem o ar de barulho e partículas daquelas que o meu povo gosta. À uma, os clientes atiram ares de ódio e palavrões aos motoqueiros que já estavam noutra parte (ó chefe, estas sardinhas sabem a carne!)

Esta locanda de restauração fica muito em conta, peso e medida no País Tetragonal, pátria de muitos brandos costumes e para inglês ver.

 

23
Mai13

Dois fortes amigos em Peniche

Jorge

(Porque os outros vão à sombra dos abrigos                E tu vais de mãos dadas com os perigos )a

Tinham sido apanhados os 2 amigos à má fila - crias implumes – por uma matula de cães de fila (dos que ferram e não largam a presa), a mando de grotas muito ciosos de propriedades e quitandas protegidas. Tinham-se tomado ambos das dores dos coevos, vizinhos, familiares, concidadãos e de todos os cosmopolitas. Tinham-se posto a jeito, de peito à corrente, nas tintas para remoinhos, correntes de retorno, borrascas, tornados ou quejandos. Tinham dado o peito às balas e os torcionários não se fizeram rogados. Entanguidos, questionados e seviciados, não transigem com os ideais de justiça, de liberdade e de democracia para todos, tendo em vista que a exploração do homem pelo homem é inadmissível. Gente esquisita esta: oferecer o outro lado da face, em acometida consentida, vai-que-não-vai; agora oferecer os 2 lados da face por procuração, como o faziam estes 2 indefessos anjos da paz, já custa mais a engolir!

 

(Porque os outros têm medo mas tu não) a

As cadeias albergam amigos de bens ou vidas alheias, em parte ou no seu todo. O refugo da sociedade encontra algum refrigério na choça, assim mandam os manuais e estamos conversados. Os calabouços também recebem mecos creófagos, dispostos a comer o coração, figadeira e fressuras dos imigos à primeira oportunidade, desacerto ditado por ambição desmedida e crónica de mando. Encarcerar sonhos é mais difícil, mas é a via restante, em longas noites de jugo fascista. A talhe de foice se adita que, em tempos de cerejas, de pouco valem a solitude imposta, o degredo vexante dos aljubes de má fama, a busca das arcas encouradas, porque as flores estão sempre dispostas a nascer, nem que tenha por único arrimo o solo pedregoso. Os esbirros adestrados no uso e amolação dos machados de cortar pensamentos e propósitos pela raiz, mais tarde ou mais cedo acabam vítimas de layoff.

 

(Porque os outros se mascaram mas tu não )a

Cá fora os charlatões espalham a cizânia, que tinham impedido uma invasão de bichos-papões, homens-do-saco e associados, dispostos a dar «injeções atrás das orelhas» dos seniores incautos, a degustar «criancinhas ao pequeno- almoço», que roubam tudo e não deixam nada, que são ateus, graças a deus. Pregava-se que ascendiam a Drácula, ou ao dragão que S. Jorge arrumou em 2 tempos, que rescendiam ao porco sujo e que eram inimigos da pátria «de Minho a Timor», de deus e da aparecida e igualmente das famílias «com pão e vinho sobre a mesa. Só a justiça de Fafe, de Rio Maior, ou da Inquisição os traria de volta ao seu perfeito juízo. De caminho, distribuíam papas e bolos.

 

 (Para comprar o que não tem perdão                   Porque os outros usam a virtude)a

A blandícia solta-se do verbo que, no princípio, acalenta e nunca arrefenta. Voz que recusa a ignomínia, porque usada ou entesourada ao serviço das liberdades amplas, no passado e no presente. Meu deus, estas 2 almas jovens censuradas levaram que contar, conheceram enxovalhos aos molhos e da sua boca nem uma queixa! Nenhum deles reivindica loas, medalhas, prebendas, estatuarias (ou são ou fazem-se!) Quiseram dar-lhes uma pensão, mas contentaram-se com um «registo criminal» limpo, porque basta o que basta e porque sim. Se a animadversão não mora ali, o orgulho pelo pundonor cívico pede meças. Uma nação perde em credibilidade, quando não se desbarreta perante estes e outros personagens determinantes que a pouparam a mais e maiores tormentos de tântalo.

 

(Porque os outros se compram e se vendem                 E  os seus gestos dão sempre dividendo)a

In illo tempore, o enxovalho de estar na pildra ou ir a juízo, com ou sem culpa formada cobria de desdouro o visado e os próximos. Fazer o jogo do inimigo, atamancado na estranja, mas que forrava as portas de conspiradores era o cúmulo da abjeção. Vade retro!

Conspiradores de trazer por casa, emissários de lesa-pátria estavam mesmo a pedi-las,  séjana com eles! que fossem para lá pentear macacos, pintar, fazer lavores, aprender filigrana, obrar e trabalhar para os bispos, preparar fugas, mas que desamparassem a nossa loja, que não contaminassem os ares e propósitos puros, à puridade. Se recebiam tratamentos de polé, bem os mereciam; se os esperava os remos da balsa de Caronte, ali para as bandas de Hades, era bem feito!

Casmurros duma figa: aqueles embezerraram, não quebraram, para espanto de muitos. Convidados a trocar a geena pela conversão disseram não, que quem se rende recebe mais do que vale. Orgulho e água benta!... Fizessem como a maioria, não tugir, nem mugir, assim se vai longe (com um latido frio nas tripas, que importa?) Os indiferentes ainda cá estão e alvitram: a revolução de que eram os apoderados esboroou-se e eles já nem têm o muro de Berlim para consolo, só umas pedrinhas de coleção. De muito lhes valeu!

 

O tempora o mores!

(Porque os outros se calam mas tu não)a

Há quem cante até que a voz lhe doa; para raros, as melopeias saem mais acordadas com a voz muito dorida. Há quem cante de galo, de clérigo, para marcar um ponto. Há quem cante para sentir, ou para explicar. E há quem encante com a voz embargada: eu vi um grupo de pessoas, de choro contido, preso das palavras de ex-prisioneiros políticos de voz presa. Há quem diga que foi a rememoração do gangarreão (corpo inchado, orelhas em fogo, pés em brasa, olhos ressequidos do sono surripiado) que os pôs naquele estado. Que não – opinam outros -, antes teriam lobrigado os rostos impostores, as refeições e cheiros abjetos, as conversas escutadas, a safadeza de gestos e decisões longas horas de resistência à delação. E eles inconcussos! Julguei que já não havia declarações de amor assim…


(Porque os outros são os túmulos caiados                                              Onde germina calada a podridão) a

Pode estar por perto nova cruzada. A ditadura, agora dita financeira, mas sempre ditada pela economia, para desdita do povo a quem se prometeu mundos e fundos, após luminosa alvorada, volta a saquear a parcela de felicidade a que concorre toda e qualquer pessoa, porque se vive em tempos (mais uma vez!) de forte incivilidade. A exploração sob a capa do sacrifício, o diletantismo que inferniza os dias, a justiça com destinatário certo, lembra a murraça da velha senhora. E estamos para aqui só para encher o ar de soquetes?

 

( Porque os outros calculam mas tu não                    Porque os outros são hábeis mas tu não)a

Atenção que este duo não se rende! Ambos os dois sonham com o reviralho, aos descamisados  a vida está a correr mal e eles não refutam a sua causa. Têm-se por jovens e tementes ao povo e continuam a dar tudo pela revolução, até as camisas. Um dia destes ainda voltam às barricadas, que de burricadas estão fartos. Isto vai, meus amigos, isto vai!

 

Estão a perceber?

 

 Versos de Sophia de Mello Breyner

23
Mai13

Ladinices 3

Jorge

- Bom dia (e vai-te catar), Zé!

- Boooooooom dia, ganda chefe Touro Sentado!

- Bons olhos te vejam e deixa-te de pilhérias, tu que és uma gracinha!...

- A fé não tem olhos, nem papos furados, grande líder!

- Deixa de mandar papos e vamos ao que te traz, Zé!

- Preciso de uma carta de recomendação, grande educador das massas!

- Sapateiro remendão que se alça além da sandália e que toca rabecão tem direito a mil anos de perdão e a mil recomendações.

- Não me fale assim que me desmancho, ganda chef.

- Os desmanchos que fizeste são casos de sucesso.

- Obséquio seu, meu amo!

- Aos meus amigos falo-lhes no teu sucesso como desmancha- prazeres.

- Devem ser muito divertidos os seus amigos, grande timoneiro!

- Um dia destes adotam-te, meu rapaz.

- Para tanto preciso da tal carta de recomendação e mais coisíssima nenhuma, ó mestre!

- Podes supervisionar a produção de carne picada nas minhas 27 quintas.

- Apiedai-vos, por quem soides, faziam-me em picadinho, meu amo e senhor!

- Terias carta-branca para despedir, para impor dietas de pão e água e indumentárias de serapilheira, por exemplo.

- E cortes, muitos cortes na despesa pública e nas casacas, quem aprende nunca esquece, big brother?!

- Pensando melhor, vou-te recomendar para a supervisão dos picadeiros nos ilhéus e ilhotas da união.

- E que tal a supervisão das importações de carros de luxo, com direito a comissão, na minha santa terrinha? Posso acumular, vossa alteza republicana!

(Ali perto ouvem-se os primeiros acordes da Garagem da vizinha, mais além os do Camaro Amarelo)

 

20
Mai13

Ouvi ou li (I)

Jorge

 

Espetro

   O maioral da Grécia, aquando de um desatino público, condimentado com tiros para o ar, disse que a democracia não se abate. Só os cavalos, não?

 

Institucionalização

   Micaela, mocetona institucionalizada, saiu de casa, numa ida às berças, sem dizer água-vai. Num snack-bar vê a mãe toda aflitinha, ao choro na tevê, a dizer que não sabe dela, que talvez a tenham raptado. Zarpa a toda a velocidade, a tempo de ser ouvida em direto, no fecho da notícia.

 

Desdentição

   Os avós eram desdentados, já não lhes sobrava osso maxilar para gerir o matraquear da dentadura. Ao filho e nora sobrava osso maxilar, mas dentes não, por conta de consumos indevidos, mas que escapam à filigrana da vigilância social. Os putos, trigémeos, tinham acabado de nascer, sem dentes, pois claro. A comunicação intergeracional estava facilitada naquela casa de muitos ralhos.

 

Alvíssaras

   Um renomado escritor deixou testemunho: «Só quem vive de rendas e regalias se permite o luxo de flanar gratuitamente através dos livros, das ideias, dos museus e das paisagens, impunemente especulando e dissertando sobre tudo e todos. A maioria dos nacionais sabichões, com ou sem grau, são donos de herdades ou quintas e foros, de quinhões, pensões, empregos ou mamadeiras outras, inclusive o bom-casamento». Estaria a caraterizar ou a cauterizar. Quem?

Morrer na sombra

Dá-se um acidente rodoviário, 3 carros envolvidos, 2/3 feridos ligeiros e 1 vítima mortal. Os media dão conta da ocorrência: no infausto acontecimento está envolvido um jogador de futebol de primeira água, aos comandos de um Porsche, numa autoestrada muito concorrida. Está vivo o artista e que se mantenha por muitos. Sobre o passamento da vítima mortal, a objetividade informativa limita-se a contar que teria entre 40 e 50 anos e que uma paragem cardiorrespiratória o mandara para os anjinhos. Sem mais pesar, ou condolências. Mete dó notícias de um mundo sem dó.

A verdade de hoje

Ex-dirigente desportivo, de tão fleumático, não parecia ter nascido na urbe. Um dia disse, no seguinte desdisse-se. Interpelado por plumitivo atento, saiu-se com esta: «O que é verdade hoje, amanhã é mentira, neste mundo do futebol p.d». Para gáudio de muitos sequazes a mensagem foi repetida à exaustão. Soube-se, de data fresca, que a perspicaz criatura está internada nos intensivos. Depois da retenção de depósitos no Chipre e da aproximação das pensões públicas e privadas para pior, foi acometido de hilaridade aguda, à sanha da qual ninguém jura que possa escapulir-se. Teme-se por breve defunção.

 

42%

. O valor mais recente do desemprego jovem disparou para os 42%.

. Um cidadão médio (que será?) vê a Fazenda abarbatar-se com 42% dos seus rendimentos.

. Calcula-se que 42% dos casos de violência doméstica sejam observados por crianças.

. Estatísticas preocupantes apontam para uma taxa de hipertensos na ordem dos 42%.

    Ainda não se descobriu qualquer fórmula que permita estabelecer uma relação causal entre os 4 indicadores.

 

13
Mai13

Um país, 2 destinos

Jorge

- O SCP parece-se cada vez mais com o país.

- Pudera, país na ressaca da perda de subsídios a fundo perdido arrasta tudo e todos para a rua da Amargura.

- Mera ilação linear e silogística.

- Isso é palavreado das novas ciências do futebol?

- O SLB é clube da terra, está mal, mas está para as curvas!

- Deve milhões a Meio Mundo!

- Deve, mas vai pagar, com língua de palmo, sei de fonte segura.

- Essa fonte segura não será por acaso aquele escritório bem vigiado, que sofreu um assalto e sobre cujas investigações toda a gente se fecha em copas?

- O SLB tem solvência, dá garantias pela dívida.

- O SCP está empenhado até às orelhas.

- Ao SLB foi exibida a cenoura, com a moca escondida.

- Ao SCP foi exibida a moca, com a cenoura escondida.

- O SLB já fez a travessia do deserto e chegou a porto seguro.

- O SCP já fez a travessia de porto seguro até ao deserto.

- O país é um deserto?

- A parte meridional, consta.

13
Mai13

Não deixar créditos em mãos alheias

Jorge

- A culpa é dele! – grita Toninho, rubro até à ponta dos cabelos.

- Não se arme em díscolo e tenha maneiras, filhote! Que te fez o Pedro? Fala baixo, temos visitas em casa! – acode solícito e perplexo, o pai.

- Não me deixa brincar e logo na minha casa. Que descaramento! Tomou conta da consola e dos jogos, achas bem?

- Baixe a bolinha, o Pedro diz que te emprestou um jogo só por uns dias.

- Só um jogo é dele, mas a consola é minha. Se ele persistir na toleima, vou-lhe aos fagotes, aos rijetes e aos joanetes, que lhe fica de escarmento!

- Chiu! Modere essa linguagem pouco vernácula, de carroceiro mesmo. Não use de represálias, não lhe fica bem. Tome lá a chave do meu escritório e vá brincar no computador da mãe, vá!

- Não quero, a Refundação Astral não está instalada no computador da mãe!

- Mau, mau, Maria! No fim do convívio, devolvo o cedê ao legítimo dono e acabam-se as birrinhas e as cantigas.

- Melhor seria se obtivesses um alargamento da maturidade do empréstimo do cedê, ou armo um escabeche à frente dos convidados.

- Vejam lá que o menino Toninho armado em mil-homens e chantagista! Deixe que os convivas voltem a casa, que lhe aplico uns açoites no sítio onde as costas mudam de nome!

- Faz o que te der na veneta, mas amacia-o. Pior que estender o bacalhau, é dar-lhe trela; não passa de um zé-teimoso, o tinhoso!

- Tá aqui, tá a quinar!

- Ele nem sabe jogar, eu ganho-lhe sempre aos pontos.

- Garganta!

- Ele ainda lá tem em casa a Memorial Letal que não me devolveu. A quem não cumpre, paga-se por igual.

- Não diga tal, Toninho, a vingança é uma pedra que se volta contra quem a atira.

- O que se passa é que vocês gramam o lapuz e não se importavam que cá o rapaz emulasse o bronco, é o que é!

- Falso, a mãe vai renegociar a nova meta, que ela é mais desembaraçada.

- Do que eu gostava mesmo era de abafar o cedê!

- Não envergonhe as nossas caras, pelas alminhas! Saia já a correr à tabacaria do centro comercial, lá cortam nos réditos, se disser que vai da minha parte.

- Pensando bem, diz ao Pedroca que tenho 5 piões para a troca.

- Toninho, meu filho, já estou cheio, até aqui! Espero que seja a sua decisão final!

- Pensando bem, assim ficava mais pobre e não quero ir por aí.

- O meu filho nunca será pobre, mesmo que queira. O destino marca a hora, pela vida fora, que havemos de fazer?!

- Pensando bem, ele que se governe com o cedê dele, que vou fazer download no computador da mãe de uma versão mais recente da Refundação Astral. E blindo o acesso!

 

07
Mai13

Ladinices 2 - Corifeu obdurado

Jorge

- Vai à janela, Zé, e diz-me se há banzé.

- O poviléu ruma aos seus empregos, de postura grave, margrave.

- Zé, o povoléu afoba-se na batalha da refundação, assim o exige a seleção, a natural.

- Muitas pessoas seguem meditabundas, margrave.

- Em tempos de catar todos os patacos, não vale cantar o giroflé, Zé.

- Algumas pessoas parecem trabalhar para aquecer, margrave.

- Nota-se assim da mão para o pé, Zé?

- Esfregam as mãos, como os donos das casas de penhores, margrave.

- Os sacrifícios são para todos, Zé.

- Diz-se que o povo já não pode com mais austeridade, que há uma linha a separar austeridade da imoralidade, margrave

- Quem propaga a animosidade contra os sacrifícios admiravelmente suportados devem ser exemplarmente lapidados, ou corridos a pontapé, Zé.

- Muitas pessoas levam marmitas e outros parecem falar com os botões, a par de encontrões e repelões, margrave.

- Estou a pensar em declarar santas todas as semanas, por conta do jejum e abstinência, Zé.

- Em tempo de tresmalho, que se dê cobertura aos donos de postos de trabalho, não é verdade, margrave?

- Banha-da-cobra, paninhos quentes, paleio barato e bazófia são farinha do mesmo saco. Fazer rapapé baixo, nem sempre compensa, Zé.

- Dinheiro atrai dinheiro, romper com esta cadeia acarreta perdição sempiterna, certo, margrave?

- O êxtase do regresso aos mercados, Zé, equivale ao da felicidade célia.

- Por aí, por aí!... És homem de grande talante, ó meu farsante!

- Nas largadas, os novilhos marram, os incautos lidadores dos bichos são colhidos e os donos observam. É a lei da conservação da energia.

- Cada vez te aprecio mais, meu rico assessor.

- Em terra de cegos, quem tem um olho poderá ascender a rei, com ou sem coroa, verdade, margrave?

- Se era para ter piada, falhaste o alvo. Vê lá se te caiu a dentição de leite, seu queles assanhado!

- Dos fracos não reza a história.

- Zé, nas guerras, dar a vida é uma questão de garra, glória e fé.

- Já não se servem almoços grátis, margrave?

- Tenho uma proposta para a extinção da hora do almoço.

(O diálogo decorre, enquanto ao fundo, se ouve «Calçada de Carriche», versão Mário Piçarra)

 

 

 

 

 

07
Mai13

Doxomania

Jorge

No livro «É proibido apontar», Rodrigues Miguéis escreveu, em meados do século anterior (um pouco antes, um pouco depois, talvez):

 

«Há uma diferença fundamental (…), entre o Herói e o Mártir: O Herói seria aquele que, inspirado numa corrente de consciência histórica (de factos, sentimentos, ideais), se ergue para conduzir os homens a um destino; crê no triunfo final, próximo ou distante, do impulso que incorpora ou representa, e orienta-se para ele com a agulha magnética para o polo, por todos os caminhos, por mais ínvios que pareçam, lutando e aceitando com bonomia as derrotas Interlocutórias. Ao contrário, o Mártir tem como fulcro e essência do seu pensamento e atividade a auto imolação: é um prévio desistente, não caminha para a vitória, mas para o calvário, não tem a convicção risonha e ladina de quem joga uma partida, mas apenas a certeza do seu sofrimento; pressupõe não o triunfo da causa, mas o auto sacrifício, que é muitas vezes a negação daquele; fica-se a meio caminho do objetivo supremo e comum. Enquanto o Herói se esgueira e poupa as forças, e esquiva o flanco em mira da vitória, o Mártir expõe-se, oferece o peito facilmente às lanças do inimigo, fazendo assim o jogo deste»

 

Nos tempos que correm, sei de mártires e heróis assumidos.

 

 

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