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oitentaeoitosim

29
Jun13

Com o mal dos outros…

Jorge

Cena primeira – Chega-se o caporal à frente e compõe a postura de díscolo, a que não falta uma cara austera. O cabisondo, de sorriso contraído, faz mimo, que sim, alinha. Todos os bonzos que povoam o palco da vida perfilam-se, só há abébias para amigos do caporal. O que manda ri-se com seus botões e dá evasão à alegria e ao éteres ruminados e alijados no mais profundo do seu ser, siga o baile. Nos entretantos, trabuca-se muito, pouco se manduca.

Cena dois – Chega-se à frente o caporal e compõe uma face austera, de mistura com alguma blandícia ensaiada, exercita uma chicuelina e avança a passo retesado. O cabisondo, de sorriso amarelo, diz que está nessa ainda, mas aponta os bonzos derreados. O que manda diz que o mal é do malim, que o alinhamento confere; vale a pena trotar a todo o vapor, queimar etapas, porque vencer antigos aleijões custa muitos dobrões e, se há quem não os tenha, que peça uns tostões para o S. António. A cada bonzo seu cubo de açúcar e toca a dar ao cabedal, a salmodiar! Os alcatruzes da nora são postos de novo em movimento, morra quem se arrenega!

Cena três – O caporal, de tez e fácies lívidas, como se tivesse mastigado cera, não sabe onde pôr as mãos, se nos bolsos, se no cós das calças, se no nó da gravata, se no nariz. O cabisondo, de riso extinto, pede explicações e aponta os bonzos alquebrados que não se têm nas canetas. O que manda diz que não tem culpas no cartório, talvez o comodoro sim, ele limitou-se a cumprir ordens, que um homem de honra nunca se acobarda, mesmo que acarrete a desonra de muitos bonzos, com ele não fazem farinha os desordeiros. Realiza-se com grande aparato distribuição generalizada de rebuçados dr. Bayard, que é para tolher as tosses. Porfia-se mais e mais na labuta pela paparoca - outras acessoriedades sociais são de somenos -, ter alguma papinha já chega.

Cena quatro – O caporal não se sabe onde esconder a cara de pau e passeia sem trelho nem trambelho. O cabisondo, de sorriso falimentar, ergue o punho e aponta os bonzos que não se têm nas canetas. O que sempre mandou disse que se limitou a seguir as imposições do comodoro, mas que este lhe disse, por interposta pessoa, que ele também se limitou a seguir as instruções do trierarca – só refocilando em mais do mesmo se afasta a sarna – que as terá ido beber a mandarins sanhudos, ciosos de seus alódios. Foram distribuídos pelos bonzos rebuçados contra a expetoração. O estado geral melhorou, mas pressentia-se que seria sol de pouca dura, uma maré viva em agonia.

Cena cinco – O caporal dá à soleta, de cenho de menino de coro e aponta o comodoro; o comodoro põe-se na alheta e aponta o trierarca; o trierarca põe-se ao fresco, pisga-se à vela toda e leva a arca da aliança, não arca com as responsabilidades, pelo que zarpa rumo ao vento que passa, um ar mau, por sinal. O cabisondo, de sorriso ressequido e ressabiado, põe-se à reza com os bonzos, oram às potestades dos abissos, sem pressas, embora aflitos, que o céu poderá despegar-se a qualquer momento e abater-se à desfilada sobre as suas cabeças. A confeitaria estava de laboração cortada, pelo que não havia maneira de adoçar as bocas ansiosas de carinhos. Pelo-sim-pelo-não havia que remar, às-cegas que fosse. Toma-se novas ordens, que há sempre tosquiadores onde se reúne a ovelhada; oxalá os próximos não se cocem só para dentro e finalmente apontem a porto certo, fique ele à mão de semear, na zona das calmarias ou nos cús de Judas. Assim seja!

 

 

27
Jun13

Achata o beque!

Jorge

1 - O xarife botou palavrada discordando da greve (ou qualquer dia fecha o país) neste caso está contra a dos professores mas a bem da verdade ele deveria ter falado na paralisação de educadores de infância e setores do ensino básico e secundário oficial sobretudo efetivos que andam por aí cheios de miúfa não vá o chão tragá-los e faltar o dinheirinho que precisam para fazer face à vida e mercar alcagoitas o que lhes vale é que muitos deles estão casados ou outro galo cantaria eles também não querem dar mais horas de mão beijada e não querem ser mais sacaneados corneados vilipendiados vão chatear o Camões se querem arrasar a classe média procurem vítimas nas profissões liberais que só se sabem coçar para dentro mas deus não dorme e costuma fazer justiça sem pau e sem pedra.

(ai, setor, setor, com quantas varas se entretece uma profissão de risco)

2 - O xarife parece não saber o que é preciso para a estudantada ficar preparada para a vida se basta o bê-á-bá e o 2+2=4  se assim fosse as matérias a encornar ficavam reduzidas à expressão mais simples saía muita palha dos programas dos currículos das aulas e sobravam horários a dar com um pau e assim os alunos já tinham tempo para ser avaliados no exame que a vida é um avaliação contínua dos cotas dos colegas das chavalas dos chefes dos  bancos dos seguros  se vamos pelos caminhos da escola criativa libertadora tecnicista ativa inclusiva o diabo a 4 nunca mais o pai morre nem a gente bruncha  cortem nas matérias atrevam-se.  

(a malta a reinar amanda bocas tipo «a escola é uma seca» mas se houvesse cortes na matéria era baril mas ninguém fala disso)

3 - O xarife sabe que hoje-por-hoje ter estudos já não garante um posto de trabalho aos aulistas na bela arte de bombicar o que está a dar é sobreviver à custa dos cotas emigrar flanar e montar esquemas de sobrevivência depois curtir para que foi mesmo preciso alargar a escolaridade obrigatória só se foi para dar tacho a amigos ou aos filhos e netos desses inteligentes das touradas a verdade é que a malta anda toda partida por que bulas precisa uma criatura de Cristo estudar o meio área projeto educação cívica (educação moral e religiosa, vá-que-não-vá que é só uma hora e faz bem ao corpo e à alma) durante horas esquecidas depois ainda ter de gramar a pastilha de atividades de enriquecimento mais explicações ora a verdade é só uma não sabes dar ao dedo no computador e no telemóvel tás feito.

(alguém que se atreva a voltar com a palavra atrás façam outra lei a pôr o 9º ano como limite da escolaridade obrigatório poupava-se mais bagalhoça que nas PPP que não há nada a poupar nos SWAP)

4 - Pelo que encher chouriços é que está certo põem o professorado a debitar fórmulas e larachas e o alunado a debicar algumas querem fazer de nós uns ases da cuca perdida uns intelectuais mas vai-se a ver muitos alunos curtem as músicas do Bieber da terra do bacalhau do puto Saúl do bacalhau quer alho do Toni das Franças e Araganças das boys e girls bands da bola e das morangas selvagens isto não mata mas mói é tempo da Escola dar primazia ao empreendedorismo não ao empregadismo isto é miopia e o resto é batatas depois para se verem livres abandonam-nos à frente de um ecrã para fortuna dos oftalmologistas o bom é só para as elites?

(muitos setores são caixas-de-óculos com lunetas de cú de garrafa desconfio que por causa de andarem a meter o nariz nos alfarrábios são mesmo fatelas a bisbilhotar em livros ao menos a gente precisa de cangalhas é por conta dos écrans o que é glorioso e mais limpo)

5 - E de quem é a culpa que as coisas estejam mal na Escola não me dirão em primeiro lugar dos professores que alombam com tudo o que lhes impingem os tipos das capelinhas  do MEC onde pululam os mangas-de-alpacas  sem formação inicial ou terminal específica que porfiam em dar o compasso e depois há os lentes que subiram a vida a pulso a partir da tábua rasa que teimam em atirar bitaites palpites e postas de pescada sobre o ensino/aprendizagem como lhe chamam assim a Educação continua a navegar num mar de fantasias e meias-tintas e a Escola não passa de uma chafarica ou os setores armam um chinfrim do caraças e põem tudo em questão e pratos limpos e se viram para a instrução sem avaliações fantasistas deixem de copiar os gajos do governo que andam todos os dias às aranhas ao-tio-ao-tio como o taful de olhos papudos da meteorologia eh eh de borrada em borrada assim não vamos a lado nenhum muito menos saímos da cepa muito torta para uma menos torta se os setores desbroncassem com essa gente talvez não tivessem necessidade de fazer greves.

(um dia hei de perceber por que razão nunca houve no ministério da ensinança um setor eles é que percebem do ofício não é)

6 - Depois a tutela emprega copista às dúzias que usam macacões de imitação estilosos contrafazem os estilistas das artes de aprendizado lá de fora seja da Patagónia ou da Terra do Labrador tanto faz acrescentam uns pós de perlimpimpim tomem lá reforma e vão-se curar e a tutela desmerece dos setores quando põe a hipótese de os enviar para a qualificação (vão estudar mais, talvez) os do quadro que dos contratados não se fala hão de ir outra vez montes para o olho da rua os setores não contam os alunos não contam (quem lhes dera que nascessem menos gastavam menos) não é só os velhos que não contam as pessoas não contam já não falta muito para voltarem os reitores a cultura do salamaleque do espinhaço caído das verdades lídimas.

(dão-se alvíssaras a quem tenha tido sempre os mesmos professores desde o 7º ao 12º ano)

7 - Os setores passaram-se só pode para fazerem greve anunciada de vésperas já estão cansados como os alunos que estudam de véspera como o peru se calhar querem ser solidários com os discentes de todo o mundo não me admirava porque quem faz greve canta essa treta do internacionalismo amor com amor se paga custa a crer mas isto é como o mito do gato com rabo de fora os setores ainda não se renderam fogem de exames como o dianho da cruz (a tremedeira evita que num exame todos os candidatos atuem ao seu nível dizem) argumentam que os resultados de exames não são a medida justa para a qualidade do trabalho produzido ao longo do ano por isso a avaliação contínua é que é e patati-patatá lérias isto como a democracia alguém já descobriu uma estrutura melhor?

(qual a lógica pedagógica que fixou em 30% a quota dos exames na nota final numa disciplina não podia ser 29,5% terá sido a mesma que alijou para fora da média a educação física no secundário)

8 - O xarife também acha que os mestres-escola deveriam fazer greve a 27 juntamente com os outros funcionários públicos lá por terem um estatuto de carreira isso não impede que terçam armas lado-a-lado cambada de pedantes (era bem feito que perdessem esse estatuto) parece que assim os descontos eram mais fáceis de lançar só pode ser por isso porque ninguém admite que ele se arme ao pingarelho feito amigo lapuz de grevistas que os grotas que o trazem ao colo e continuam a pedir batatinhas só para eles não lhe vão achar muita piada seria preferível que ele sugerisse aos setores bons, assim-assim e rascas uma caçada aos gambuzinos nesse dia dava mais acinte ao seu enfado e birras possivelmente com maiores proveitos.

(raios parta estes governantes querem lá saber se a educação funciona bem enquanto houver cortes não há mais nada para fazer ponto final parágrafo travessão)

9 - Segundo fontes bem informadas e formadas a maioria silenciosa acha que o xarife deveria encostar o professorado à parede se por acaso elas não pertencerem à Parque Escolar (ou ainda paga renda) sem panos quentes só frios ou fazem greve nas férias ou rua brincar com o futuro dos petizes andam a ler muitas estórias de terrorismo que deve falar grosso aos setores mimalhos (devolviam-lhes as ponteiradas de antanho) só porque meia dúzia deles pode ir malhar com os ossos à motricidade espacial aqui d’el rei que se encomendem a S. Francisco de la Salle mais sugere que deixe o pó assentar e pela calada das férias (eles vão de férias mesmo) desfeche as medidas que compensem as concessões flácidas destes dias era trigo limpo farinha amparo sempre quero ver a cara deles que o senhor tem de ser forte com os fracos que se dizem fortes abaixo os fora-da-lei amém.

(afinal quem tem na mão a faca e o queijo quem é?)

 

22
Jun13

Descaroáveis contras

Jorge

I

Paralelamente à manifestação, a favor, na rua central, é organizada uma contramanifestação, muito frequentada, alhures. Colorida, vivaz, com bonifrates, majorettes, marchinhas, carros alegóricos, incluindo mesmo a representação de uma cena geórgica na campina, por abegoas, podadores, capadores, hilotas, ganadeiras e lavradores de capote, no princípio e no fim. Não pararam os palavrões da ordem, avanias mesmo, estribilhos e refrões musicalizados, orquestrados por carros de som e animadores culturais contratados à hora e a recibos verdes. Foi uma festa, que sentir a razão ao lado dá gozo. Os comunicados foram a mãos fartas, apelos à ordem (pôr na) sem conta, sucederam-se os discursos, discursatas e bravatas e muitos cartazes.

II

«E quem ensina os professores?» - Irresistível a questão, posta em cartaz cuidado, fina no recorte e no trato, dá nas vistas pela piedade que destila e preza. É preciso ser muito azarado, a pancarta exibida pelo cartazeiro que também era cartazista dá testemunho do seu caso pessoal: durante toda a sua vida de estudante, não conhecera um professor/a que se pudesse dizer benza-te-deus. Mais um caso de um adolescêntulo traumatizado, não há direito (são vertidas às escondidas muitas lágrimas longamente aconchegadas em recantos de olhos)!

 

«Os professores esquecem que os ordenados deles são pagos com os impostos dos pais dos alunos» - A denúncia é preclara, assim não vale; sem tibiezas, vamos às derivadas: à uma, os lecionistas recebem o pilim desviado diretamente dos impostos dos encarregados de educação; às duas, todos os encarregados de educação que se prezam abjuram da greve dos fonascos, coisa de Belzebu, como nunca vista neste quinhão de Terra; às três, será que esta maltosa do ensino paga impostos? Por esta e por outras, o pessoal manifestante ficou de pulga atrás da orelha, pulante e ululante. Foi tal a coceira que os protestantes, transcorridos dias em fio, nunca mais dispensaram DDT à cabeceira.

 

«Um médico não resolve entrar em greve, quando recebe um doente anestesiado…» - Insofismável: uma greve do professorado, em tempos de exames escolares que valem 30%, não lembra ao diabo, portanto não se conhece o mequetrefe que os atentou. Tivessem tido os setores(as) a coragem de fazer greve noutros anos escolares, em que não havia exames, ou em que eram meramente indicativos, e outro galo cantaria. Andam a gozar com o futuro de 75 mil jovens, acometidos de tremeliques que pode acabar em faniquitos (vingança do chinês?) É o fim da picada, coisa nunca vista, a malta em demanda de amanhãs que cantam, arrisca-se a ficar balhelha, à pala da execrável atitude de quem deveria privilegiar a pedagogia do erro e não o erro em pedagogia! Docentes a fazerem greve, fica-lhes tão bem como a trepanação, os choques elétricos e as operações a sangue frio aos esculápios modernos. E ainda se queixam que a tutela é que os apouca! Para a próxima, paralisem em dia feriado (enquanto os há), atrevam-se!

 

«Esta é uma greve contra os alunos» - Há provas irretorquíveis, ora ouçam: os setores levam horas esquecidas a preparar aulas para despejar matéria sobre os alunos; fogem cada vez mais como o diabo da cruz à não-diretividade, querem ser eles a ditar as aprendizagens, um desplante; preparam materiais aos molhos para as secas das aulas; fazem testes com todos os requintes e matadores de malvadez, com a única preocupação de enterrar os alunos; muitos deles orgulham-se de dar negas a mãos fartas (um dia destes passam à história, as negas, pois calro) e gozam de colegas que só «dão positivas»; organizam visitas de estudo e atividades à custa e para amolar os alunos; pagam ações de formação só para aprenderem a tramar cada vez melhor a malta; são avaliados por conta de tanta safadeza e nenhum lerpa; para cúmulo, não gostam de exames (os alunos não querem outra coisa), pois acham que a avaliação contínua alcança. E agora esta!... Querem mais?

 

«Os professores faltaram ao respeito aos alunos» - É mais do mesmo, contra factos não há argumentos: muitos setores desobedeceram, dando um péssimo exemplo à criançada, estiveram-se nas tintas para a convocatória (tivessem-nos obrigado a formatura na parada), não estiveram em todas as salas, ginásios, cantinas e arrecadações para onde foi marcada a realização de exames. Se, por mera conjetura, os alunos escrevinharam fora das margens das folhas, se usaram corretor para tapar erros, se não identificaram a versão do exame, se as provas arrancaram a destempo, se não foi dado conhecimento explícito do tempo de duração e de tolerância das provas, se usaram auxiliares de memória, se havia parentes dos vigilantes na sala de aula, se os telelés, as mochilas e os canhenhos não ficaram amontoados en su sitio, de quem é a culpa, digam lá? Que tivessem faltado todos, assim não se cometiam tropelias! Fosse o ministro mais teso e punha-os a arrumar mesas, a tratar de limpezas e a limpar quadros, durante um mês, sem pago (sacanas que recebem uma pipa de massa). Pior é a reprogramação morosa de férias, idas à praia, horas de disfrute e presenças em festivais dos alunos que levaram pela proa com o absentismo maltrapilho dos setores (quem prestou provas, proveito o seu). E nem uma palavra de desculpa de quem quer a miudagem bem-comportada se ouviu, é impressionante (que se vão confessar, ao menos)! Num país respeitador e respeitado, se o exemplo não vem de cima, adeus minhas encomendas! Só mais isto: as escolas públicas existem para os alunos não para os profes, eles são seus empregados, ainda não deu para entender? A falta de respeito enfraquece as razões, mesmo as desconhecidas pela Razão – palavra da redenção.

 

«Os sindicatos dizem que 80-90% do professorado fez greve. Só cerca de 30% dos alunos não fizeram exame. Então, há ou não profes demais?» – Uma conclusão tutelada que está mesmo a pedir requalificação e também a revisão do direito à greve (por manuseio impróprio).

IV

Consta que, certo dia, foi proposta a um santão eremita a distribuição inopinada de pérolas, à discrição. Não se fez rogado. Foi quando as escolas brilharam intensamente. Nisto, a notícia chega às orelhas do prioste (do Crato). Histérico, fechou-se 3 dias e 3 noites (ao fim de 3 dias sem ser visto, um homem deve ser olhado com outros olhos), a roer as unhas das mãos, dos pés, os sabugos, os calos haliais e os joanetes, entregue à leitura de cartapácios, grimórios e sinistros relatórios, a congeminar manipansos finórios. Findo esse intervalo, fez cair uma bruega ácida. Foi quanto bastou para que as pérolas empalidecessem, criassem jaças e embaciassem até ver.

 

 

19
Jun13

Ouvi ou li (IV)

Jorge

Sombras chinesas

As greves foram conquistadas por e para quem trabalha. Uma greve é aceite ou rejeitada pela maioria de uma minoria social, ou dos seus representantes. Uma greve é declarada e levada a cabo por uma minoria social, sem sombra de dúvidas. Quem por cima da burra olha para as greves não vai lá muito à bola com a democracia: só uma minoria de jóqueis monta o cavalo do poder, escudados numa maioria de votos e devotos. Lá dizia o Aristides: em poder e se abster é que está o poder.

 

Cavaleiro vilão

Aquele zeloso cavalariço era extremamente atencioso para com o cavalo. Sempre que podia limpava a cavalariça, não fossem os maus cheiros e as varejeiras empestarem mais e mais o ambiente. Escovava o alazão (a tender para o branco) sempre que se impunha, cuidava-lhe dos dentes, pois fora adquirido a peso de ouro, pousava-lhe a manta anti moscas, tratava de o refrescar e cuidar, trazia-o num brinquinho, está visto. - Que pena! – disse-lhe um dia o arraçado de puro-sangue, atazanado pelo mosquedo em dia de especial vibração - se de facto me desejasses ver em melhor forma, acariciavas-me menos e alimentavas-me mais. Durmo em pé, mas não na forma!

Ao olho treinado do equídeo não tinha escapado o desvio sistemático de parte da sua ração para o mercado negro, onde se trafica favores, pareceres, cobre, drogas e correlatos. É que não há mesmo cavalo sem tacha!

 

Arcaz

 Um senhor de provecta idade tinha em casa um arcaz, onde guardava tudo, a propósito e a despropósito, uma espécie de bolsa de mão feminil, de grande porte, doutro material. Um dia, enquanto almoçava, decide-se pôr ordem nos gavetões. Logo no primeiro, dá de caras com um livro de 40 folhas dedicado ao socialismo fabiano. Estava ele todo curioso a folhear o calhamaço, quando lhe batem à porta. Fechado de supetão o gavetão, entala-lhe o dedo indicador esquerdo; o dói-dói arranca-lhe um protesto e um palavrão. Fechada apressadamente a gaveta, dá de caras com uma encorpada comitiva, de muitos plumitivos. «Se tivessem chegado mais cedo, teriam almoçado comigo!» - disse todo esganiçado e alvoroçado. Todavia, não dão o tempo por perdido, ali mesmo organizam um jogo de uíste, muito regado a uísque. O tempo da razão vem com a estação!

 

Espuriedade

 As e-faturas são uma exigência dos tempos decorrentes também do fair trade. Passá-las, dá-las e pedi-las é dever e/ou direito constituinte (ou virá a sê-lo) de todo o cidadão que não foge às trocas e traz aos consumidores mais generosos regalias nunca dantes vistas, caso não se esqueça de as guardar em cofre-forte (pelo-sim-pelo-não aplique um formicida valentaço, antes). Por conta deste refinado serviço de inteligência, aprendizes de feiticeiro coscuvilharam entes, parentes, patentes, benemerentes e negócios do arco-da-velha: há por aí um número catita de empresas-fantasma, número de contribuinte-fantasma, etc… Dão-se alvíssaras a quem descobrir casas assombradas!

 

Atrás de tempos vêm tempos

 Celestino embezerrava com o meio-tintismo (o penálti cheiinho é que lhe enchia as medidas), fossem dos cenários macroeconómicos, fossem das estratégias do crescimento barra desenvolvimento. Quando ouve dizer que o tempo, o maior mestre de todos, se propõe voltar atrás, em busca de soluções retiradas ao baú, fulmina os tertulianos com esta tirada: «A diminuição do desemprego virá com o regresso das mulheres ao governo do lar, assim como a desindustrialização levará à purificação do ar e à diminuição da população absoluta humana mundial». A perspicácia do Celestino, traduzida nesta e noutras tiradas de olímpica sabença, foi compensada: multiplicou-se o número de cooperantes da tertúlia ao Dejejum com o Mata-Bicho. (Ainda não tinha dito que a alcunha do Celestino dá por Salomão?) A ilusão e a sabedoria são os encantos do mundo!

 

A trancos-barrancos

a) - A vida é uma sucessiva sucessão de sucessões que se sucedem sucessivamente, sem suceder o sucesso…

b) - O homem que fazia boa cara ao mau tempo chorou lágrimas de crocodilo, no dia em que voltou a chover no molhado.

19
Jun13

Estórias

Jorge

I - Malaquias, dono de uma pata úbere, põe-se enfermiço por saber que aquele seu bicho de estimação sofre de ovo entalado. Abana o bicho, obriga-a a ficar horas infindas dependurada pelas asas, obriga-o a beber azeite e óleo de rícino, aplica as mezinhas possíveis e imaginárias que lhe recomendam os vizinhos e nada livra o bicho de tal incomodidade. Pelo-sim-pelo-não manda chamar 3 especialistas.

- Aumente a ração, para facilitar a expulsão – diz o primeiro da lista.

- Corte na ração, para facilitar a evasão – sentenceia o segundo da lista.

- Aplique as 2 soluções em simultâneo – arrisca o último da lista, à laia de ovo de Colombo.

E o ovo que não dá mostras de querer abandonar o rabo da pata! O dono, já molesto, parte para outra: vende o bicho a uma associação militante de causas animais onde se consumia foie gras.

II - A professora Ambrosina era terrível e até constava que até já tinha mordido o braço de um aluno por nítida perturbação momentânea, veio a saber-se depois. Naquele dia está para embirrar e desata a fazer perguntas:

- Quem manda no país, João?

- O senhor presidente da república.

- Tu, Francisco, achas que é verdade?

- Não acho, tenho a certeza, é o senhor primeiro-ministro.

- E, tu, Ana?

- Seilasié, parece que é esse senhor.

Ninguém tuge ou muge, nenhum deles conhecia  os nomes de quem efetivamente ditava as regras do jogo.

III – O Super-Homem é acordado por mão apressada que batia à porta do seu apartamento.

- Tem de me ajudar, pelas alminhas! – anuncia num grito de alma fero Jeremias.

- Não vim de Cripton para outra coisa, para fazer o bem sem olhar a quem – atira o herói sorridente.

- A minha filha, acabadinha de se doutorar com notas assim-assim não põe os chanatos em casa, há um par de dias.

- Portanto, queres que a encontre, isso é canja – injunge divertido, quase a rir-se, tal a facilidade da tarefa proposta!

- Fico-lhe grato para o resto da vida, se precisar dos meus humílimos serviços, disponha sempre - impreca Malaquias.

- Passa por cá, logo às 16 h que o caso estará resolvido e nada me deves, que para o bem fui criado – volve Super-Homem.

Meu-dito-meu-feito, às 16 h estava os 3 no gabinete do super-humano, por entre efusivas comemorações e congratulações.

- Onde encontraste a luz dos meus olhos? – pergunta Malaquias.

- Num gabinete da Fazenda a assessorar.

 

15
Jun13

Setores

Jorge

- Zé, vai à janela e diz-me que vês.

- Vejo muitas professoras e menos professores sobressaltados, chefe.

- Mas afinal, que querem eles, Zé, dá para perceber à légua?

- Querem pôr um travão à erosão continuada das suas carreiras e dizem que o chefe lhes quer comer as papas na cabeça, com mais trabalho, menor ganho e mais despedimentos.

- Nada disso, fui claro ontem, hoje e sê-lo-ei amanhã: apesar dos sacrifícios que o povo tem feito de ânimo alegrete próprio de pobrete, ninguém vai para o olho da rua.

-Trazem cara de poucos amigos, gritam que o chefe esconde trunfos nas mangas, nas peúgas, na cinta e debaixo da mesa e que vão às greves, chefe.

- Cá entre nós que ninguém nos escuta: por mim só ficavam os profissionais efetivos competentes, com mais trabalho e menos tustos (ganham uma pipa de massa!), que a malta sem vínculo não tem ainda estatuto. Está por decidir se não ratamos nos currículos.

- Cautelas, chás e caldos de galinha nunca fizeram mal a alguém, ao que dizem, chefe.

- Ouve lá, Zé, vai ver se eu estou lá em baixo. Tás aqui não tardas em ir tirar senha para a bicha do centro de emprego ali da esquina e eu não te acompanho.

- Equívoco, chefe, é os profes que o enunciam em cartazes. Pessoalmente como o chapéu que ainda vou comprar se o chefe falhar à palavra, é tiro e queda!

- Assim estamos melhor, isso é música para os meus ouvidos e bálsamo para as minhas dores do lumbago, da espondilose e de espinhela caída!

 - Os docentes dizem que o chefe tem um problema com as horas, aumentou as horas de trabalho, vai aumentar as horas da componente letiva, vai eliminar as reduções do horário de trabalho…

- Que é lá isso, sou da geração que usava relógio com ponteiros. A propósito, não me ficava mal mandar este a conserto. Tratas disso, Zé?

- Eles dizem, com sua licença, que a honra do chefe tem residência fixa na rua da Amargura, logo lhe tiram a prova dos nove, durante as férias.

- Nas férias é que eles deveriam fazer greve, nesta altura é grave, porque prejudicam alunos indefesos cujo maior anseio é ser examinado, Zé.

- Sem faltar ao respeito, há docentes que apregoam que nunca se viu tanta falta de respeito da tutela, desde a sinistra ministra e que o chefe estava a pedi-las, pois só agora se descoseu…

- Fossem eles uma classe que se desse ao respeito e deixavam a greve para 27…

- Também há exames nesse dia, chefe.

- Em menor quantidade e qualidade! Por que razão estes gajos se arrogam de um estatuto especial, como os médicos, os militares, os juízes, não me dirás, qualquer um ensina?! Só lhes falta exigirem as regalias dos causídicos! Ora, o Sol, quando nasce, é para todos.

- Isso é verdade, fecham lojas, fábricas, clínicas, etc. e não há crise, a vida continua. Isto não vem ao caso, mas acha, chefe, acha mesmo que os credores nos vão obrigar a fechar muitas mais escolas do país, ou o país em si?

- Como posso eu impedir tal? O desemprego marca a hora, temos de agarrar as oportunidades, Zé.

- A acreditar nas palavras de ordem, tem faltado respeito às pessoas e também à classe docente que tudo faz por desvelo à classe discente.

- Então que trabalhem de graça, que o amor não tem preço. É preciso ter lata, agarrem-me senão eu!…

(De bons propósitos está o inferno cheio: acometido de um vaipe, o aspone faz brotar da aparelhagem do gabinete os primeiros acordes de «Another break in the wall», dos Pink Floyd, deixando o chefe virado do avesso.)

 

14
Jun13

Ouvi ou li (III)

Jorge

Sapatos de defunto

O senhor governador disse que os donos das sapatarias da rua Augusta não podem dar-se ao luxo de calçar os pés-frescos que se pavoneiam em frente às montras das suas lojas. E completou a metáfora: assim também a banca só pode reabastecer os cofres das empresas que forneçam garantias de que os suprimentos e interesses a boa casa volvam. É que, nos tempos que correm, um passo em falso pode ser um passo para o cadafalso, um par de botas difícil de descalçar. Falou bem o senhor governador, apesar de estatísticas – feitas sobre o joelho – apontarem para um conjunto vazio de pés-descalços. Palavra de senhor!

Sexo neutro

Zé tinha nascido homem e assim ficou registado no cartório – esperava-se -, per saecula saeculorum. Não foi o caso, porque veio a sentir-se menstruado e fez-se mulher. Estando as coisas neste pé, quis corrigir o registo. Fez finca-pé neste propósito original: o seu passava a ser sexo neutral. Por que nunca em tal ouvira falar, o funcionário escalado, pediu explicações. Zé exibiu montes de certificados, o que não demoveu o zelote. Que fosse pela sombra – aconselhou o manga-de-alpaca. Foi este chamado à pedra, por conta de queixa apresentada no livrinho de reclamações; daí ao Limbo das Requalificações foi um passo. Frequenta atualmente o hieropeu um estágio sobre a desenvoltura transsexual, sendo que lhe está prometido para breve a integração numa dependência estatal, locada no cú de Judas. Nem sempre a sorte é marreca!

Mau ambiente

O puto disse num intervalo de uma aula que tinha mau ambiente em casa. A conversa chegou aos ouvidos da diretora de turma e ao diretor do agrupamento de escolas da zona norte e sul da grande metrópole. Foram desencadeados os procedimentos adequados à situação. Chamada a encarregada de educação, a mesma confirmou a sina. Procedeu-se às mesuras exigidas pela profilaxia social. Ficou confirmado: havia mau ambiente dentro de casa, por conta de químicos baratos dos detergentes, ambientadores, conservantes, CFC, perfumes e outros produtos voláteis não identificados, que mais tarde soube-se corresponder a chulés e ventosidades. Também abundavam CFC, tão esquecidos nos últimos tempos, porque os buracos do ozónio já devem ser tantos que não vale a pena falar mais deles, é como falar dos malefícios dos popós, dos OGM ou da desvergonha de nomear um governante que ajudou os patrões a se governarem. Procedeu-se à desinfestação geral da área. Há males que vêm por bem!

Contratos de futuros

O artista aconchegou-se familiarmente dos microfones e falou grosso. Armado em faticano, vaticinou que a greve podia ferir de morte o futuro necessário da juventude hodierna. A sua preparação não pode ficar tolhida pelos seus mestres e pela espiral grevista que estão a preparar, (que vão preparar aulas) ou teremos de futuro uma infância desvalida e não futuros radiosos. Confessou galhardamente que tinha consultado a opinião abalizada de 8 profissionais da leitura do futuro: uma cigana de feira, uma bruxa, um xamã, uma rezadeira, um tiromante, um mago, um rabdomante e um teímante e que todos eram contra as intenções dos descendentes dos antigos usuários de ponteiras e de meninas-de-5-olhos. Porque o futuro a deus pertence, propôs, entre 2 piruetas, que se rezasse durante 3 dias e 3 noites, os rosários propiciadores da intervenção divina. Disse claramente dito que não se brinca com seres indefesos, quando sobre as sapatorras (já não tinham conserto ou concertação) caiu uma chusma de ossos arremessados por um grupo alargado de pais duplamente desempregados. Tropeçou e malhou com os ossos no chão. Recobrou a tempo de se sobraçar a sanfona, à qual arrancou uma ária deslavada. Não há pai para ele!

04
Jun13

Monteiria

Jorge

Há dias um senhor jornalista perguntava do alto do seu púlpito: «Quem é Ana Avoila?» Ninguém lhe satisfez a curiosidade, pelo que ele próprio se atirou à Net. Descobriu então que a dita senhora, uma figura pública em relevo, não tem o currículo lá escarrapachado, o que é suspeito (terá trabalhado no BPN?) Mais que suspeito, é mesmo tenebroso, como diria qualquer émulo de teorias da confabulação e da conspiração.

Mas o pouco que o escriba descobriu é de bradar aos céus e não foi negado: a dita senhora é militante do PCP e simultaneamente dirigente sindical, uma mistela (pior que vinho a martelo) que não deveria dignificar um só mortal, mesmo depois de morto; que já brada no deserto (como João Batista, mas, - vá lá! – não perdeu a cabeça), desde 2003, com evidentes maus resultados para os trabalhadores que diz representar. Por menos falhar e há menos tempo, uns quantos benfiquistas pediram a cabeça do senhor Jesus. Como consegue aparecer sempre na chapa do sindicato, quando se limita a sua ação a obras de fancaria, a vitórias de Pirro?! Até o senhor PC (o tal de papa, do FCP) foi eleito com oposição interna alistada, vejam bem! Anda a engonhar há 15 anos (é muito tempo) e não ata nem desata e não há quem a aparta.

Mas, há mais: a visada é pessoa de fé (a fé nas obras se vê), fiel à exegese das catacumbas; é uma profissional da contestação (andará o SIS a dormir na forma?), sem revelar qualquer sinal de regeneração, de aproximação à situação; não dá cavaco aos partenaires, quando se trata de marcar uma greve (mulher irada, mulher endiabrada). Tanta coisa má numa pessoa só!...

E esquece-se o senhor jornalista de mencionar que ela até diz mal do senhor Cavaco. Foi ouvida, ali para as bandas dos pastéis de Belém, a carregar forte e feio nas tintas e a dizer que se estava nas tintas para o mais alto magistrado. E não teve processo porquê? Por não ter currículo disponível na Net, parece óbvio… Só não percebe quem não quer!

Agora, senhor jornalista, permita a contradita: no próximo episódio, veja se saca outros nabos do púcaro, elucide a malta sobre coisas que interessam. Onde nasceu a senhora (tem pinta de ser alentejana)? Quais as suas habilidades e habilitações (deve ser pessoa de Direito que não de direita, com grandes hipóteses de fazer carreira como advogada do diabo)? Qual a dieta alimentar que privilegia, a macrobiótica, ou a vegetariana (parece mais omnívora)? Quantas visitas fez a Roma (e para ver quem)? Se a visada gostaria de integrar o elenco de telenovelas (o senhor descobriu-lhe ademanes de farsante e até de titereira), se é adepta do glorioso (o que a aproximaria do sr. Gaspar Austero, muito boa ideia), a quantos concertos do Toni Carreira assistiu (embora pareça mais adepta da música da pesada), se grama a risoterapia e se gosta de rir no início ou no fim da leitura de um artigo de encomendação. É que caprichos não dão prestígio, não levam ao «big brother vip», tão pouco ao «splash dos famosos», quando muito dá para aturar o Goucha e já é um pau. Tente mostrar-lhe, seu lídimo recomendado, que 59 anos é uma idade para já se ter juízo (o establishment sabe ser generoso). Só bons propósitos acalmarão a úlcera gástrica, resultante de pugnacidade adquirida em demanda dos direitos adquiridos, uma espécie em vias de extinção, por imposição das leis da evolução. O governo da casa ficava a matar à senhora…

Bem aja!

 

02
Jun13

Joaninha sofre de nubécula, não a tomem por abécula

Jorge

  Joaninha migrou para Lisboa, por conta (ao que consta) do 1º prémio na lotaria, no euromilhões, no totobola, no totoloto, no joker, nas raspadinhas e pôs-se a governar a fortuna sozinha.

  Gastou à tripa forra vinténs e cabedais, quais subsídios da união dos serviçais, em artigos necessariamente espúrios, como garantia da sua ascensão. Esmerou-se na aquisição de vivenda de arremelgar o olho a qualquer zarolho.

  Num dia de suão, rodou a carmona, apartou as lindeiras da janela do rés-do-chão e pôs-se em saracote e decote, a apreciar quem passava, com gosto de escanção. De mãos ajustadas à cabeça, vê passar um peão, junto ao torreão.

- Quem quer coabitar com a Joaninha que garante cama roupa lavada e boa vidinha, por 4 anos?

  O transeunte nem tuge nem muge.

- Ó tu que fumas, alinhas ou deitas fora 4 anos de venturas inenarráveis?

  O homem tira as mãos da cabeça, para que ela lhe descubra a careca.

- Eu sou João e vou de peregrinação por esse pobre mundo de Cristo fora. Não me venhas com batatinhas, pois sofro de tinhas e assim sendo não tenciono ir comer-te à mão. Contento-me com 2 montados, pão de sêmea e o conforto da minha alma gémea.

- Vai, vai que tens a voz e a casca grossa, t’arrenego!

- Vai-te catar, ó dengosa, volta lá para o sítio que te viu desabrochar!

  (Pôs-se na alheta, no piro e na piroga, não fosse aquela uma sereia pronta a atacar, munida de bolos e zaragatoa de afracar.)

  Muitas luas depois, vê passar um calmeirão agrisalhado, charmoso, com ar de quem, ponderoso, ensaiava a próxima catilinária.

- Ó príncipe encantado, ponho-te de casa e pucarinho e pensão completa, por 4 anos, basta que te chegues a este recanto e te abandones ao meu encanto.

  O andante fez menção de ir logo adiante, nem chus, nem bus.

- Alinhas ou dás à soleta?

- Já que insistes, ouve-me bem: eu sou João e vou em peregrinação a santo lugar e deixei companheira e rebentos a chorar. Sinto raiva e mágoa, mas não é contigo que as vou prantear. Para que vivas do ar, eu e muitos como eu têm que operar.

- Deixa-te de lérias, és danado para pilhérias! Penetra-me as propriedades, onde poderás disfrutar de todas as minhas concavidades e convexidades, que ainda estás para as curvas.

- Vai antes tu dar uma curva ao bilhar grande e deixa de catrapiscar o olho, que te topo à distância, sei que te fias na alternância! A bem ou a mal, escolhi a demanda do graal. Quando menos te precatas, levas de chibata!

 (O ex-candidato, escuma, sai apressado em direção à sua escuna, pois levantara-se mau tempo na laguna.)

  Algumas luas depois, passa um fabiano com ar de arcanjo e topete de macanjo.

- Ó marujo, quereis embarcar? Tenho do melhor para te dar, se comigo vieres 4 anos a coabitar…

  O passante, cara chapada de Maquiavel, exibe os modos de quem vive em eterna lua-de-mel.

  - Eu sou João e vou em peregrinação à terra da perfídia, mas disponho de todo o tempo deste mundo para falar de santas alianças e outras jactâncias. Vou mudar de farpela e junto-me a ti na janela.

- Tiro e queda e eu para aqui preocupada que ninguém me pegava.

- Dou-te a mão, jantamos à luz das velas, tentamos umas manobras de diversão, de resto roda livre; juntamos os trapinhos, mas não queremos filhinhos.

- Bem caçado, marmelada e trapalhada têm hora marcada. E também te ocupas dos trabalhos colaterais, certo? Já aí vamos dar uma volta aos meus ferregiais.

- À boda de estadão, traremos a nação; enquanto durar a lua-de-mel, faremos grande aranzel. Nos tempos de ócio, tratamos dos negócios.

   (Enquanto o mafarrico esfregava um olho, ficou tudo tratado, embarcaram num submergível e não se cansaram do sonar, de consoar e consonar debaixo de água.)

   Algumas luas depois, sobreveio o nojo e Joaninha não dá sinal de amojo. Volta à janela de estimação e quase lhe salta o coração no peito, de tanta emoção. Possuída de fornicoques, à passagem daquele adónis de cabelo anelado e papelotes, não se conteve:

- De olhar para ti quase sucumbo. Fico de pés à campa, só de pensar que me vais dar tampa. Sê patriota, vamos à cambalhota!

  O viador arremelgou os olhos, limpou as lentes e incontinente, desfechou:

- Mas, que vem a ser isto, uma mulher casada a jogar ao assédio eu não concebo?! Sou João, mas sou alguém e não ando aos caracóis, nem me meto em lençóis por dá aquela palha, sua desbocada gralha!

- Por quem me tomas, sou uma mulher casada, mas não esgotada! Tenho ainda muito carinho para dar e estou devidamente autorizada a sobraçar a quem, nas horas vagas, tenha  amor para dar.

- Gostas de coisas de farta-velhaco, uma ménage-à-trois, quem sabe? Sinto-me contente com  o convite, mas não competente para o abafar. Põe-te a milhas, ou muda de pilhas!

- Alinha, quiduxo, ali atrás daquele buxo!

- Do sério me tiraste, eu que me propunha com todo o vigor arrimar-me aos tirantes do andor. Que seja pelas almas do purgatório, que por tal acreditar apodam-me de simplório. Uma vez só, sem exemplo, tu e eu já temos idade para ter tento.

   (Palavras ainda não eram ditas, embarcou à sorrelfa, no bote o bonitote e foi um fartote; mais tarde queixou-se de dispepsia, a quem o ouvia.)

  Algumas luas depois, nova viagem, que a vida não fia em paragem. Um belo dia, Joaninha troca olhares furtivos com uma tríade de mariolas, daqueles que têm toda a escola, estando ela de plantão e muita gente não.

- Ó distintos mandarins, vinde a mim e nada vos faltará, em 4 anos vamos de kama-sutra e em charola, até que saiam de padiola.

  Os passageiros ladinos, aperaltados nas suas pastas e computadores de trazer à mão, estancaram e logo foram ao beija-mão.

- Somos 3 Joões. Querer organizar uma bacanal?

- Uma orgiazita chega. Sou uma madama à moda antiga e resigno-me às coisas simples da vida. Dou as piruetas que bem entender, por estar licenciada. Compartam, não sejam marretas.

- Barba-azul gostar de pedrarias e honrarias. A gente faz aí dentro acerto, a céu encoberto.

- Tomai-me e recebei e tudo ficará por conta do bei. Sejam bem-vindos à humilde casa desta madama que toda se esgadanha, por andar em brasa.

  E foi um fartar vilanagem, com eflúvios de rave, vapores etílicos e sexo bravio. Um belo dia ouve-se um baque surdo e logo cheira a esturro. Estando de perna-para-o-ar, um tremor infausto atirou o catramonho exausto, de tanto repasto, a um caldeirão fervente da arrecadação. Ainda lá estão.

02
Jun13

Sair melhor que a encomenda

Jorge

A Tibúrcio eram indiferentes as moscas, pelo que mal algum lhes fazia e ninguém o temia, ou levava a mal (um paz d’alma, assim é que é).

Num belo dia passa-se dos carretos e adeus minhas encomendas. Mais tarde haviam de fervilhar desencontradas versões sobre este acaso; a mais especiosa, posta em discurso terso, consubstancia a correlação dos antecedentes e subsequentes com a baixeza dos valores das temperaturas estivais, por comparação com as normais da época.

Ei-lo numa curva de uma autoestrada de fartos pórticos, à coca e logo manda estacar a primeira viatura que se põe a jeito. «Mãos ao ar» - faz acompanhar uma diatribe com 2 tiros também para o ar. Priscilo, homem de maquias e capitais grossos, um páter-famílias à boa maneira do burgo e amante de folguedos abraseados e nada experimentado nestes assados, afrouxa e amouxa.

A família nuclear do refém, pouca afeita a estes assados, é avisada por pombo-correio (acaba assado, à guisa de vindicta), paga e faz-que-não-bufa, mantendo os agentes da autoridade (espionagem e contraespionagem incluídos) longe do cenário de operações.

Priscilo, insonte, é atirado a covil improvisado e insonorizado, onde permanece muito tempo insone, alimentado de sobras, raspas e migalhas. O autor da proeza ata-o, de pés e mãos, com cordame e nós de marinheiro; por isso- avalia o detido - cavar dali-para-fora seria um bico-de-obra, questão arrumada. Em dias de céu carregado de nuvens, tem direito a tabefes de criar bicho, a privações de necessidades primárias e a pau no lombo. Má-sorte a dele ter embicado para aquele itinerário, para encurtar distâncias e razões com um cliente de velha data da empresa de um compadre para quem tem vindo a trabalhar denodadamente, que nem um escravo. «Eu, porquê?»

O constrangimento vai em semanas, quando se esgota o pecúlio a Tibúrcio. Este, numa operação overnight prepara segundo round forçado. Contactada a família de Priscilo, por pomba-correia (acaba em guisado e nem as penas escapam, marcha tudo), ela recorre ao contado remanescente, a joias depositadas em cofres de bancos, aos porquinhos, a divisas postas a resguardo em colchões, a depósitos bancários dos reformados consanguíneos e ainda a ajudas da junta de freguesia, do município, da bolsa alimentar e de ONG e IPSS, no arredondamento do montante exigido. Tibúrcio bem que tinha avisado: ou vem o graveto, ou eu despacho-o, racho-o!

Não é necessário, sim as autoridades ficam ao largo (só à autoridade tributária se apercebe que ali há gato, que Priscilo nunca dantes se havia atrasado na entrega da declaração de rendimentos, o que até dá jeito).

Priscilo, já mais conformado, vê reduzir-se a liberdade de movimentos e a ração; amplia-se a malhação, a reclusão e a delusão. Julga ver uma centelha ao fundo do túnel que tinha começado a escavar, mas tratou-se de miragem.

Noutro belo dia, o sequestrador liberta o sequestrado, feito num 8, na mesma curva da mesma autoestrada, de pórticos a dar com um pau. Uma comissão de voluntários, dinamizada por gente de coração ao pé da boca, tinha-se batido, com sucesso, pela libertação de Priscilo. Soube-se mais tarde que a dita comissão havia contado com o empenho de Tibúrcio que continua pachorrento, a fazer das dele, por aí.

 

 

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