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oitentaeoitosim

03
Ago13

Cenas do País Tetragonal (III)

Jorge

Beijos roubados

O dono de um banco pequenino disse de sua justiça, que a gerente da Fazenda Pública estava a tentar resolver a contento o problema de derivados. A senhoria mandou pagar as tornas dos swap (swap horses when crossing a stream, dizem os brichotes, referindo-se a préstimos de bons samaritanos que peitam a correnteza para disponibilizar cavalos frescos, estivessem ou não à pala, na margem certa), em boa hora, e ninguém perdeu a face.

Só que um punhado de menoscabadores tem montado um reality show impudico - comprovativo do miserabilismo ético dessa malta – visando o afastamento da madama, por razões mesquinhas. A visada e avisada dama contratou para a empresa pública que ajudava a administrar um empréstimo de tal quilate, há uns anos atrás. Onde está o mal, não me dirão? Foi para bem da empresa e garantia de serviço de populações, não se conseguia dinheiro doutra maneira… Nunca alinhou em cambões, cambalachos e moscambilhas, saiu virgem da aventura como havia entrado, o erário pagou um pouco mais que o costume, é normal nestas circunstâncias. Fosse o mundo habitado só por anjos e nenhum governo seria necessário…

 O possidente senhor falou em «incompetência», «folclore político», «demagogia», «crispação» dos candidatos a linchadores, que o «país está parado», enquanto responsáveis andam em regabofes atrabiliários, sem peias nem teias, contentinhos a discutir o sexo dos anjos (a querela está, há muito, esgotada, não é?) Tem lá algum interesse se a senhora não contou tudo o que sabia da marosca, a parte ou o todo? Com o futuro do país não se brinca, com os futuros talvez!…

E atirou 3 pérolas: as administrações das empresas públicas de então, mantidas no anonimato e no remanso dos seus lares nos tempos atuais, deveriam ter levado que contar (cuidado, olhe que pisa os calos à senhora!), mas deus não dorme, cá se fazem cá se pagam (com pigarro); falhou a supervisão (o quê?) das empresas contratantes, das juntas metropolitanas, das câmaras e dos ministérios (já está prevista a criação de um Missão de Supervisão conjunta); há contratos deste jaez com mais de uma centena de páginas (livra, papagaio!)

De repente fez-se luz, é inumano, para todos os efeitos, obrigar alguém, posto em sossego, a revisar tanta página e quem as escreveu sabe disso (a expertise sabe pôr-se do lado certo). Se o cenário das PPP e dos empréstimos à banca vão na peugada dos swaps, estamos feitos ao bife e bem conversados…

Um dia virá a público a estória daquele banco estrangeiro a quem o Estado meteu os dedos nos olhos. Ou a daquela empresa de que exigia pagamento a pronto ao Estado e que foi esbulhada em muitos teres e haveres e - last but not the least - obrigada a laborar aqui, quando a Indonésia profunda lhe abria as portas de par-em-par. Nem vão acreditar!...

(Depois desta lengalenga, não se arranja um swapezinho para o banco do rapaz?)

 

Pescadinha de rabo na boca

Velhusco, mirrado e completamente encanecido (ensandecido, não!), o geronte discorreu assim:

«O Estado pode continuar a sacar em impostos, a ratar mais nos salários, nas pensões, para equilíbrio das dívidas públicas? Não. O Estado tem mais privatizações para fazer? Não!»

A bem da verdade, a tirada é manca: o malbaratado ar pode ser vendido às botijas. As praias, os rios, os mares, as ilhas, os cerros, os promontórios, os cabos, os cabedelos, os «haff-deltas» podem ser transacionados ou alugados, sempre dá para chatinar mantimentos e apetrechos, no curto prazo (1 poço de ouro negro que fosse dava um jeitão). Combater a evasão fiscal, taxar os ganhos da jogatina bolseira, inculpar as falsas declarações de impostos, a falsa faturação, a falta de faturação, estão fora de questão, mas davam um jeitão. Esquivar-se às PPP, esquivar-se aos swaps, exigir a devolução do dinheiro empatado no salvamento de bancos relapsos, é muita areia para a camioneta da gente. Não é fácil ser prioste numa paróquia assim, quem manda tem canga, é o que é!

Se a dívida continua a aumentar, apesar dos avisados esforços das autoridades (os credores insistem no pagamento das dívida e juros de sangue; ao território, à paz, ao povo, ao orgulho de nascer aqui e à liberdade chamam-lhe um figo). Que fazer? Voltar à cirurgia do costume: prótese nos impostos, amputação nos salários, excisão nas pensões, cuidados aturados com a hipertensão dos sacripantas dos mercados.

(Assim não falou Zaratrusta, mas dá a entender o simpático ancião, algo zaranza, a tender para o zaruca. Entre outras pilhérias e remoques, contou aquela do amigo que jura a pés juntos ser um contrato a pensão de reforma. Como a propriedade, resulta de um contrato, social, não é? Fique sabendo, já agora, que, num certo país do centro da Europa candidato a dar cartas em todas as mesas de jogo, a pensão é tida por propriedade privada, inalienável. Conheço quem se tenha borrado a rir com a tirada do geronte, a propósito do último grande empréstimo, ocorrido há mais de um século, pelos vistos).

Então o leal conselheiro volta à carga, entredentes, com o querigma: só os salários, as pensões e os impostos dos que só recebem salários e pensões podem saciar a fome de justiça dos credores. Será mesmo injusto subtrair mais maquia a quem tem mais olhos que barriga? Dos fracos, sem carisma, não reza a história, resta-lhe ser sábio ou bondoso.

A fraqueza da força advém-lhe do facto de só acreditar na força.

(Os netinhos do matusalém aplaudem, delirantes a prestação do avô na tevê. É sempre assim, antes da deita, ficam excitados e é um caso sério para sossegarem.)

 

A quem quer mandar beijinhos na boca?

Veio um grande especialista da praça opinar que o imposto A deveria baixar. Logo outro se assomou à janela e disse que o imposto B deveria seguir as mesmas pisadas. Outro ainda que o prazo dos contratos temporários deveria ser alargado (antes assim que nada, como diria o Martim Neves, o puto-maravilha, do empreendedorismo). Para quê? Para promover o crescimento, as exportações, produzir cá dentro, para ser vendido lá fora (onde já vi este filme?)

Os magnates esgotaram, na ocasião, as garrafas de espumante da terra, não que celebrassem a excecionalidade da narrativa, mas para melhor saborear os miminhos alcançados. É que eles andam mesmo inebriados com a salvação nacional, a união nacional, a coesão nacional e a democracia («o voto torna todos iguais, bebo a isso, hic!»)

 

 

 

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