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oitentaeoitosim

31
Out13

Cenas do País Tetragonal (X)

Jorge

    Um senhor juiz ou senhora juíza fez o seu juízo e consentiu que a menina de pais tendencialmente itinerantes não frequentasse a escola, mas como a menina gostava de continuar a estudar consegue-se que uma escola oficial dê apoio à distância; no momento de prestação de provas sobre as metas e competências alcançadas  aí sim irá à escola, mas não haverá rapazes por perto, nem professores a vigiar as provas. O pai da rapariga disse de sua justiça, estava contente com a solução encontrada (2 coelhos à custa da mesma cajadada, para ele, não é de todos os dias), a filha prosseguia os estudos do 3º ciclo do ensino básico e sobretudo ficava preservada a ínsita virgindade da rapariga que se fosse perdida poria em risco o futuro, o dela, o dele e o da sua família. De resto o mundo está a modos de derrancado e a santinha da sua devoção é muito sensível à fetidez da ambiência social, pelo que não convinha arriscar. A filha disse de viva voz que estava contente com o desfecho, por continuar a estudar e ser virgem. Nesse mesmo dia, noutro país muito afastado, outra nena dava testemunho do bambúrrio de não ter perdido a vida por querer teimosamente ir à escola, mantida em regime de co-educação, num ambiente social de discriminação fédita. O pai tinha-lhe dado todo o apoio, também.

 

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   Um dia um senhor general que chegou a presidente de uma nação que recebia muitos emigrantes deste país nos tempos das vacas magras, pastoreadas por um senhor de voz roufenha, muito devoto às guerras e aos valores idiossincráticos, como as mil maneiras de cozinhar bacalhau, a sardinha assada, o fado e que andava sempre com as mesmas botas cardadas, teve uma ideia luminosa. O presidente-general (ou vice-versa) pediu às famílias que lhe dessem muitas criancinhas, pois escasseava o capital humano. Crê-se que as famílias fizeram a vontade ao senhor general que era bué de alto, usava uma bigodaça ereta e era uma pessoa muito correta, por isso se esmeraram a fazer bastantes filhos, o que era uma prática altamente compensadora. Por que razão o nosso primeiro atual não lhe segue as pisadas? Há pouca gente a descontar para a SS, o fator de sustentabilidade sempre a aumentar, a malta pelo andar da carroça daqui por uns anos reforma-se aos 100 (então é que vai ser gozar, senhores professores, gagás à data) por-que-raio não lança ele uma campanha do género? Há por aí muita gente simpática capaz de se sacrificar pelo país por exemplo nos bairros finos onde a prática da máxima «crescei e multiplicai-vos» tem cada vez mais cabimento. 

31
Out13

Cenas do País Tetragonal (IX)

Jorge

    O dono do futebol mundial armou-se em engraçadinho ou vinha de almoço bem regadinho e falou a trouxe-mouxe a torto-e-a-direito (estas coisas fazem-se em casa, para mais uma pessoa com a sua responsabilidade?). Falou de coisas e loisas do ramo de negócios do seu empório, contentinho. Pedem-lhe então que se pronuncie sobre os 2 mais badalados wonder boys da sua indústria à escala do geoide e ele não se fez rogado. Um é uma ternurinha, toda a gente gostaria de o ter ao colo o outro um espalha-brasas levado da breca. Logo aí toda a gente percebeu para onde ia o afeto do maninho, um velhote delicodoce com vocação e coração de avô babado. De mansinho disse-o com lágrimas nos olhos o jarreta, preferia o maneirinho quiducho ao tarimbeiro taralhão. A este não cai no goto as alfinetadas e cospe para o lado como, segundo a formalidade das partidas. Alpardinha remete ao velhote um presente, que giro ele teve a gentileza de me mandar um bebé-chorão. Ao fazer cócegas na barriguinha do boneco recebe tremendo murro que lhe deixa um olho pendurado, à Benfica. Nunca conseguira aprender que vingar-se de um vilão é desonrar-se (não blatam mais no velhusco). 

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30
Out13

Cenas do País Tetragonal (VIII)

Jorge

    A um senhor deputado que nunca vi mais gordo nem mais magro foi aplicada suspensão de 5 meses (do ativismo partidário, penso). Quando me falaram na coisa, até julguei que a malta do café se tinha passado, mas não, está confirmado. Mas, tem lá algum jeito suspender um conselheiro Acácio por 5 meses? Antigamente era rua! e acabava-se a estória, agora vão com paninhos quentes, quando precisava de um pano molhado na cara (ainda dizem que os valores não mudam…) Será que ele apontou alguma cuspidela certeira na bancada do lado, barrou o caminho a algum polícia ocupado a despachar manifestantes, ou se pôs a grandolar, ou disse que o presidente do parlamento sofria de incontinência verbal? Deputado suspenso por 5 meses? Coisa nunca vista, já chegámos  à Madeira?!  

    Pelo andar da carroça ainda suspendem um deputado ou uma deputada por 5 sessões parlamentares ou marcam 50 cópias do guião da reforma para tpc, ou a fazer redações sobre a vaca ou o cão na esquina da sala ou atribuem trabalhos comunitários, querem lá ver a desfeita?! Pior será a imposição de multas pagas a peso de oiro, ou a participação em ações de rua de desagravo estilo revolução cultural sínica (ou uma ida às feiras). Estou aqui para ver em que param as modas, o mesmo deputado prepara-se para contrariar de novo um oráculo do partido. Que ninguém vai aceitar apenas 5 meses de suspensão, é um aviso que deixo aqui, fica de borla e já vejo formidáveis alterações da ordem pública, caso o partido do senhor não suba a parada…

 

30
Out13

Cenas do País Tetragonal (VII)

Jorge

    Havia uns senhores destros, às direitas, portanto, daqueles que só entravam com o pé direito, que só saudavam com a mão direita e que tinham muita pena que o coração não estivesse do lado direito (pelo menos um deles chegou a fazer uma operação de mudança de locação do coração). Esses senhores iam à lua e voltavam no instante seguinte, quando algum marau estabanado se atrevia a meter-se com a gente, a beliscar na nossa soberania mesmo em tempos de carestia, atiravam-lhe com todas as maldições do grimório que estivesse mais à mão. Alguém que se atrevesse a sugerir que daqui eram provenientes «refugiados do euro», que daqui saía pessoal com uma mão à frente e outra atrás a esconder uma mala de cartão, que muitos de nós viveram em bidonvilles e caía o Carmo e a Trindade! Ficavam mais assanhados que aqueles agricultores que descobriam que a geada negra lhes tinha dado cabo das primícias e cá vai disto, ó Francisco. Está certo!

    Quem não gosta da bandeira da terra, quem não gosta da seleção de pedibola, quem não gosta de ver um artista cá do torrão pátrio atuar no Olympia, fazer flores no ramo bancário, ou a comandar 28 países? O orgulho nacional gosta de massagens, como o individual (só tem levado punhadas ultimamente), ponto final. Agora os mesmos senhores sentados à direita do poder ouvem camones a dizer mal do país, volta-e-meia vem um e escarra peçonha sobre o maralhal, outros bilhostres dizem que o tribunal supremo da paróquia tem de entrar nos eixos, que a malta gosta mesmo é de fazer olhinhos e andar de corpo bonitinho e todos esses direitinhos amouxam não tugem não mugem (o dono da bola em Portugal diz-lhes como é). A cão raivoso todos os corrécios atiram pedras, aceita-se?

    Uma amigalhaça cá das minhas que não embarca em modinhas e é mais de modilhos não foi de modas, os gajos parecem aqueles bonecos que estão sempre em movimento, sempre a fazer vénias sempre a botar incenso para cima dos mercados e das feiras, porque assim se dão ao respeito e comem pela medida grande. Por estas e por outras se desconfia que o amor à camisola e à bandeira esfria por estas bandas, mas nunca se sabe…

30
Out13

Cenas do País Tetragonal (VI)

Jorge

     Tá visto, os santinhos e as santinhas fazem milagres, trazem à normalidade pessoas com deficiência os doentinhos ficam sãos que nem peros os ignaros a falar línguas os ignavos a bulir à maneira atletas a pulverizar recordes, põem a ralé a cantar de galo os derrancados em depósitos de virtude, mas quanto a bagarote nada nadais irra! Rezas litanias ladainhas compra de relíquias ex-votos peregrinações ajudam a pôr-se a jeito mas é tão eficaz como a assistência social no combate à pobreza (os génios das lamparinas e das lâmpadas são mais eficazes só que escasseiam). Há quem chega ao cúmulo de avançar com uma quantia, «davam-me jeito 10 milenas!» É pior a emenda que o soneto e a requisição, por encantamento termina em ouvidos de mercador! Joga no totoloto no euro milhões pede fatura para o sorteio telefona para o 760 e nicles de bitocles, o santinho das devoções não se descose. Tenta-se pode ser que a declamação diária de rosários o recurso a cilícios as ajuramentações o jejum abstinências e penitências ajudem a demover o nume quem sabe… Por muito menos são atendidas as preces dos jogadores de futebol na hora.

   Custa dizer isto mas deve haver falta de organização neste domínio do Além: pelo que se julga saber a cada santinho e santinha está atribuído um pelouro, S. António lida com os casórios S. Cristóvão ocupa-se dos carros S. Mateus dos banqueiros S. Onofre dos tecelões S. Bárbara dos trovões e assim sucessivamente (para mais informações compulse-se o flós-santório, caso não esteja no segredo dos deuses). E esqueceram-se dos tesos nenhuma deidade ficou de alentar os tesos, serão coisas de César paciência não temos cá disso (há dias e à pala da guerra civil das Espanhas foram elevada à categoria dos altares numerosa fornada, haja esperança que algum deles apoie a causa). Afinal quem deu caução a milagres económicos por esse mundo fora alguém que foi pregar para outra paróquia ou um santinho de outra obediência? (Mas parece estar a acontecer um milagre também por aqui, ministro dixit, não façam barulho ou espanta-se a caça são rosas senhor são rosas).

III

30
Out13

Cenas do País Tetragonal (V)

Jorge

O governo impôs, o maralhal ripostou, mas alinha contrariado, com fé que isto vai voltar atrás (se até os próprios relógios andam às arrecuas!), seja ou não por obra e graça do ES. As entidades patronais têm os seus trabalhadores mais tempo ao seu dispor, o que os deixa amplamente reconfortados, pois sem eles não eram nada e para os manterem são capazes de lhes tirar coiro e cabelo, perdão, são capazes de lhes dar a camisa. Há quem ache que a medida teve por trás a mãozinha dos produtores de energia (parece que amarraram o burro assim que a governança avançou com o agravamento de uma taxa qualquer, mas foi fita e riram-se muito depois por conta da pilhéria!). Mas, senhoras-e-senhores-excelências, fazer mais horas de escritório de loja ou de fábrica altera os biorritmos do pessoal, com isso não se brinca, podem aumentar as baixas médicas, vejam lá no que se metem, depois não se queixem. Por exemplo, as companhias de transportes terão de fazer mais viagens e isso é mau, qualquer dia dá-se a exaustão dos hidrocarbonetos da Terra e atiram-nos com as culpas para cima do lombo, já bem bastam as figuras tristes que andamos a fazer há muito. Por isso tá bem fisgada a campanha de dedicar mais tempo à família, uma ideia airosa da autoria de bestunto iluminado como o daquela tia-de-Cascais, encarregue da promoção da igualdade de género das palavras e que deu a cara pela coisa. Tá bem caçado, com menos ordenado não se vai pró forrobodó laurear a pevide, fica-se por casa, compartilha-se mais as tarefas domésticas e com jeito a natalidade pula o que era bom para a SS. Saíram-me cá uns crânios estes galifões são danados para a brincadeira é o que é! Mais foi dito que se as empresas tivessem creches e comida take-away juntava-se a fome com a vontade de comer, mais tempo em casa, mais folguedo e convívio familiar, é só juntar 2+2 que dá 4, mas a madama percebe da poda, isso nota-se. Esta cena foi criada para ombrear com estoutra da ressurreição das cantinas sociais, por corte no conduto, (só aparentemente é subtraído tempo à família, vejam lá o tempo que se demora a cozinhar). Num plano ligeiramente inferior temos o aumento das rendas de casa, para não falar do encolhimento de salários e pensões, coragem a vida é 2 dias e ela não rima com monotonia (deixem a monotonia para quem dela sabe disfrutar). Ao que parece estão a ser teorizadas novas estratégias no combate à carestia: uma ipss estará encarregada da organização de festas de estadão, com leilões de caridade, recolha de roupinhas (de cotim brim ló chita aluz burato cassineta tanto faz) e cobertores destinados a quem não tem soca e destruição de preservativos, a ideia deixou o governalho mais comovido que as pedras da calçada de Carriche. Outra: vai ser assegurado à malta trabalhadora o direito de viver permanentemente nos locais de produção, os japónicos gostavam de curtir essa quando se converteram num país de 1ª categoria, com presença confirmada nos G7, G8 e G20. Há por aqui ninjas aos pontapés, samurais a dar com um pau e fazer hara-kiri aprende-se em 2 tempos, não somos pecos nem menos que eles, aprovado.

 

24
Out13

(Condição de) Recursos II

Jorge

Nova ária de novo cedê de uma menina prendada, acabadinho de chegar às bancas de feirantes , uma melopeia de estúrdia que faz troar o ar, a lembrar que os deuses não dormem na forma, que mais tarde ou mais cedo teremos o que merecemos, haja fé que S. Jorge derrotará os mercadores de fígados negros, brancos ou amarelos. Uns senhores bem postos tocam numa sanfona, numa guitarra campaniça e num reco-reco, dentro dos limites do aceitável. Um par de pretensos fraldiqueiros bamboleia-se freneticamente, espicaçados pela sanha de uns quantos ganaus impertinentes e impenitentes da assistência, convencidos que ali está gato por lebre.

Fala o regedor, o cura e o curandeiro, cada cabeça, sua mezinha. Os mercados deveriam pôr os olhos aqui, ficavam curados do lumbago, do bicho-virado e de mau-olhado. Já para não falar das belezas excelsas da zona, 7 estrelas, o turismo fará o favor de nos fazer justiça. Isto vai, meus amigos, isto vai!

(- Olhe, posso mandar um beijinho?

- Mande um, mande mil, mas deixe alguns para mim.

- Quero mandar beijinhos para os meus meios-primos que vivem em Fornelos de Espada para Cima.

- Boa tarde, Fornelenses, de espada para cima – foi assim que disse? - o pessoal aí deve andar sempre muito contente, sou eu a pensar em voz alta. Um dia destes passo por aí a tirar a prova dos 9, pode ser?)

-Estão com vergonha, ou não sabem marcar números de telefone? Já houve telefonemas de todo o universo e você ainda não deu uma para a caixa?! Mexa-se, se quer uns milhares a mais na sua conta bancária, esteja ou não a zeros. Se ainda sonha com a sua vivenda de luxo, com o seu carrinho e crio-sauna à CR7, ligue-nos, olhe que a sorte ajuda os ousados, atreva-se a passear a sogra num destes dias num popó de sonho. O dinheiro não traz a felicidade? Olhe que quem não tem dinheiro não beija santo. Mais, com bagalhoça, língua e latim, vai-se do mundo até ao fim, não é verdade, pessoal (tirem-me estes labregos e lorpas da frente)?!

As câmaras sobrevoam as pessoas que sorriem e acenam esperançadas às câmaras, aqui um pai estraga com mimos o filhote, ali 2 seniores tiram passos de dança a compasso, há brejeirice, feromonas e exultação no ar. «Só nos querem a fazer número» - agita-se um espontâneo. «Vai-te catar para outra banda, isto não é manife, não faz cá falta a malta do contra!» E não fez.

(Não há festa como esta, bora daí pessoal, suar as estopinhas, afugentar os males, dar um pezinho de dança, os pezudos também alinham. Isto não é como nas manifes em que o pessoal anda sempre a passo, à procura do paço.)

 

. Pisou o palco da festança um one-man-show que tocava 7 instrumentos. Faz-se acompanhar por uma arlequim, uma contorcionista e uma equilibrista. Atuaram ao som do Hino da Alegria. E foi uma tristeza constatar que as câmaras focavam lágrimas saídas do canto do olho, provindas do coração. Agora as pessoas olhavam, olhavam e não viam nada de bom agoiro, para lá do horizonte. «Tirem-me deste filme!». Deu-se a debandada geral e até caiu neve, por força do avanço de uma massa de ar frio continental, coisa rara na terra. A maioria retirou-se para o aconchego dos lares que também estavam cheio de ar frio, coisa que nunca sucede nas manifes (o ambiente tende a ser caloroso).

Agora é a vez dos vendedores de azeitonas fritas em azeite, de mel de beterraba, de champôs de giesta e de amêndoas recheadas com elixir da juventude, só que estariam a falar para o boneco, se nas casas não houvesse aparelhos de tevê. Mas, sem os mecos ali à frente, não dá gozo!

Os apresentadores – com cara de poucos amigos – ainda tentam tirar nabos da púcara e coelhos da cartola sobre a uberdade da região (os cartolas e os nababo continuam atrás do pano…), pois havia ainda tempo de emissão a ser preenchido, mas estava feito o mal e a caramunha.

(- Olhe, posso mandar beijinhos?

- Os microfones são seus - cuidado, não os suje! -, as câmaras são suas, a aparelhagem também.

- A sério?

- Rapaziada, toca a recolher o material!)

Muito se tem falado do assalto. Os autores da proeza tomaram posse da aparelhagem, dos emissores de tevê, dos técnicos e dos apresentadores, a modos de como não-quer-a-coisa e ter-se-ão sumido no ar, ou foi um ar que lhes deu.

Já não há só pesadelos a povoar o sono e os sonhos dos indígenas.

 

22
Out13

(Condição de) Recursos I

Jorge

I

. Com a Fazenda esburacada, afinal o povo, o sócio maioritário, está a ser convidado a entrar com mais lecas (não se aceita tampas!) Se ele é quem mais ordena, que passe os cheques, assim ordenam os xeiques remendões. Aquela malta já experimentara choques elétricos, choques anafiláticos, choques de mentalidades e de automóveis, portanto, mais um menos um, tanto lhe fazia! Os «choques de expetativas» (goste-se ou não destas novas postas de pescada, os seus arrotadores são criativos, tarda já um galardão) são novos cá na praça e o pessoal ainda não sabe como se defender deles. Diz-se, à boca pequena, que mais uma guinada da tarraxa evitará mais um passo em falso. A malta do alto da pirâmide social assim o crê, imunizada que se sente, por não ir à faca. A malta dos baixios, a trancos-barrancos, treina a capacidade de resiliência e os costados. Deus perdoa, o capital (uma deriva) não!

 

. Para alijar preocupações espúrias, o circo desce à cidade com feirantes, troupes, charangas, leitores de sinas, doutores da magia, estátuas vivas, carros de choque, aleijões e quejandos. Com alto patrocínio de donos de galinhas de ovos de ouro.

 

. O palco está atafulhado de apresentadores-vedetas que fazem jus ao pão que comem, valem o seu peso em ouro de lei: movem-se com grande à vontade por entre piadas de salão e conversa fiada, sabem da poda os malandrins. Para dar música e ambiente uma horda de cantadores da corda; lidarão com a questão cultural uma plêiade de contadores de estórias; a impingir os produtos locais, está elencado um painel de lídimos comerciantes da praça (para quem é bacalhau basta!). Um sorteio do 760 e tal fechará o show com chave de ouro.

 

. Sai um cantor-pimba para a mesa do canto, vestido à-matador, olhos de carneiro mal morto, charme capiau, passes-de-dança frenéticos, 4 acompanhantes frustes e 3 gabirus estilo faz-que-tocas-mas-não-tocas e põem-se todos a saracotear. A melopeia esquenta almas, as palavras, escolhidas a dedo, prometem o céu na terra e vice-versa. O amor resolve tudo ( veja-se o caso daquele rapaz que tinha verrugas na ponta do dedo, curou-se a expensas do amor que arde sem se ver). A pinchar desta maneira, estas almas piedosas entram em êxtase, acho que, no fim, não vão achar piada ao facto de amanhã ser 2ª feira. O cantautor diz de sua justiça em 3 frases (ipsis verbis) lapidares: que era um prazer estar ali e que o triste fado dos gentios, quer-queira-quer-não-queira, irá às malvas (força no falo é que é preciso!)

(- Olhe, posso mandar beijinhos?

- Claro, não estamos aqui para outra coisa, estão à porta os tempos de terneza, de pão-e-vinho-sobre-a-mesa e da vida à-grande-e-à-francesa, pax-vóbis.

- Quero mandar 2 pares de chochos para os meus tios-avós que vivem na Furna.

- Boa tarde, Furna, nos Açores, isso está quentinho por aí, não é verdade? Qualquer dia contem comigo para uma sauna. Passem muito bem e agradeçam à insularidade por não estarem tão mal)!

Apresenta-se a primeira autoridade que fala da origem do topónimo, dos povos bravios, de antes-quebradiços-que-torciditos, que por ali passaram e muitas das vezes não deixaram pedra-sobre-pedra. Também agora ali vive gente tesa, que sobe o pau ensebado da vida a pulso; pode perder os anéis todos, mas anela pelo bem da pátria. - Não se esqueçam de telefonar, vão ver que o diabo não está sempre atrás da porta, hoje queremos fazer uma família feliz, temos uma pipa de massa para dourar a pílula e esqueçam-se da taxa que vão pagar ao Estado (seguem-se 10 minutos de tanga). As câmaras partem à desgarrada, atrevidas, mesmo a rasar corpos e almas que se confrangem ou comprazem com aquela animação tirada a saca-rolhas, mas infelizes por não assenhorearem de sonhos de grandeza, limitam-se a uns quantos tiques, sorrisos amarelos, risos forçados, ou estertores de compinchas bem regados. (Na nossa terra a gente diverte-se muito! Nada que se compare com as manifes, de tipos com caras fechadas e punhos erguidos e insulto na ponta da língua…)

 

. Outro porta-voz de Eros sai-se ataviado de harpa, tangida à tangente, uma vibração capaz de afugentar a harpia mais temerária, caso estivesse atenta. Canta, em dissonância total, uma letra que põe as pedras a chorar, enquanto, 3 garotas panorâmicas (é disto que o meu povo gosta!) e um garoto se meneiam, sem rei nem roque. Deixa a mensagem clarividente: pode faltar tudo na vida, mas que não faltem carapauzinhos fritos, sardinha assada na brasa, bacalhau com todos, pão, tintol, um cacho de uvas douradas e rosas do jardim sobre a mesa e a companhia de uma boa alma gémea. Curtam!

(- Olhe, posso mandar beijinhos?

- Claro, não se faça rogado, fale aqui para o microfone, não estamos aqui para outra coisa, haja paz e amor e algum para os melões, tremoços e pevides.

- Quero mandar beijos para os meus primos afastados que vivem no Furado.

- Boa tarde, vila do Furado, viram algum contabilista por aí? As contas públicas estão todas a sair daí, pelas amostras conhecidas. A gente passa aí um dia destes para acertar as contas, lol!) O especialista elenca as grandes realizações culturais, descreve as procissões e a vida do orago, as touradas, as associações mutualistas, o coletivismo daquela gente, melhor só de encomenda).

- Vá lá, peço pelas alminhas do nimbo e do purgatório, telefonem das 7 partilhas do mundo, nunca se viu um prémio como o que vamos dar depois nestas 10 horas de emissão, podem estar aí tempos de lambança. «A quem não dava jeito semelhante maquia? Não fosse eu um dos dinamizadores desta coisa e telefonava, a ver se me alambazava com a maçaroca e deixava de fazer estas figuras, nunca mais abria o bico» As câmaras partem de novo à desfilada, o povo está apinhado, não há clareiras como nas manifes, por um instante focam ao longe um casalinho por trás de umas moitas que fica em palpos de aranha, que os pais dele não querem aquela tipa a rondar-lhe o filho (chama-se isto assédio sexual). Vai ser o bom-e-o-bonito, quando chegar a casa.

(Não há festa como esta!)

16
Out13

Agraz no olho

Jorge

(Pôr a cabeça em água aos sedutores, deixá-los arremelgados e deixar a concorrência à nora, é estro de quem acha que lhe está reservado o papel de chamariz, de caleidoscópio multicolor, de borboleta atraída pela luz e isso enche o ego.)

 

    Rita sai de casa, apressada, lavada, manicurada, pedicurada e maquilhada, muito bem-posta no seu vestido blouse-vintage, verde paisagístico, dando relevo às saliências, curvas e contracurvas do seu torso (decote generoso) e traseiro calipígio. Vai fermosa e segura, bolsa de ombro sem condizer com a cor dos sapatos, umas sabrinas que tomam boa conta do seu pé de boneca. Acarreja um currículo, irrepreensivelmente redigido, a caminho de uma entrevista de emprego. A conversa descamba em charla, os entrevistadores apoderam-se de conversa mole e convites para a retoiça, o que a fez ferver naquela água chilra. Chega-lhe a mostarda ao nariz e, antes que desatasse à tapona, deu aos calcantes, que o mundo está cheio de conversa fiada sobre igualdade de géneros e, bem vistas as coisas, aquele emprego não fazia o seu género. O lugar em disputa foi preenchido, na entrefala seguinte, por um catamito que se limitou a exigir o mínimo dos mínimos, o que encantou os porta-vozes do arrais do barco. Fica-lhe de escarmenta, da próxima não vai em cantigas, ou o anúncio é de confiança ou não põe lá os seus ricos pés.

    Rita sai de casa, apressada, lavada, manicurada, pedicurada e maquilhada, muito bem-posta e arriada no seu vestidinho chiffon vintage, verde-mar, dando relevo às saliências, curvas e contracurvas do seu torso (decote até ao umbigo) e traseiro calipígio, Vai fermosa e segura que agradará, bolsa a tiracolo, sem condizer com a cor dos sapatos, umas vírgulas que lhe vão a matar com a pequenez dos pés e a graciosidade dos artelhos. Decidiu corresponder a insistências de um amigo, pelo que é vista, em fim de tarde, numa festarola que prometia ser de estalo. A casa fervilha de gente, vitualhas e bebidas circulam generosamente e pululam casalinhos dispostos à curtição, na busca incessante de nichos esconsos, onde na falta de luz se ajeita os trejeitos. É solicitada ao consumo de estranhos pós, pastilhas e fluidos, de alta procura e oferta arriscada. E ela prá ali feita parva, sem jeito, sem alinhar no fandango, autêntico peixe fora de água, a ver navios. Os hospedeiros, gente calejada do milieu, querem-na interativa e nada, ela para ali resiliente. Aquelas cenas fazem-nas gente derrancada, predisposta a passar das marcas em causa própria, uma malta sem avoengas, uns mijas-mansinhos, que se atrevam aquele fadário à luz dos holofotes e da luz dos olhos dos ascendentes! Forrobodós, rapiocas assim não se ajeitam ao seu número de pé e adiante troca o passo. «Talvez seja preferível que vás pela sombra e não viste nada!» Nem toma balanço, bico calado, não precisa empurrar, que aqui me vou. Fica-lhe de escarmenta, da próxima vez que for tentada por um convite destes, manda-os dar uma volta…

    Rita sai de casa, apressada, lavada, manicurada, pedicurada, maquilhada, muito bem-posta, arriada e enfeitada no seu vestidinho de chita vintage, verde-chá, dando pouco relevo às saliências, curvas e contracurvas do seu torso (decote respeitoso) e traseiro calipígio. Vai fermosa q.b., carteirinha acolchoada ao ombro, sem condizer com a cor dos sapatos, uns sapatinhos de boneca que lhe ficam a matar nos pezinhos incólumes. Dirige os seus passos à missa, rito a que se eximia há uma década a esta parte, por causa das tosses e da falta de empatia com os devotos. Para mal dos seus pecados, as beatas respingam, as amigas olham-na de soslaio, pela calada atiram-lhe dichotes (ao jeito dos treinadores de futebol quando as coisas não correm bem às suas cores) e cora à conta do assédio em forma de piropos (parece uma boneca de trapos, olha, olha!). Dois fiéis quase chegam a apostar que o cura seria acometido de um qualquer faniquito, na hora de lhe ofertar a hóstia, mas uma alma caridosa deu ao leque, enquanto adiantou um copo de água e o embaraço finou-se por ali. Ficou-lhe de lição, passou a frequentar o templo de macacão.

Rita sai de casa, lavada, manicurada, pedicurada, maquilhada, muito bem-posta arriada, enfeitada e composta no seu vestidinho branco de organza, dando pouco relevo às suas saliências, curvas e contracurvas do torso (sem decotes) e traseiro calipígio, carteirinha clutch e luvas acima do cotovelo, a condizer com os sapatos stiletto brancos. Assim abaiucada, vai formosa e muito segura, amparada em quem lhe pediu a mão, tomada de amores, numa tarde tórrida digna de trópicos. A autoridade notarial dá ordem de soltura ao casal de pombinhos acaba de selar o nó: sacos de arroz alados, buquês voadores, pétalas esvoaçantes, confetes adejantes, fitas multicolores pairantes, xetas delicodoces e votos beatíficos de felicidade para mil e uma noites, há um pouco de tudo (não necessariamente por esta ordem). Um magazine garante o exclusivo da festança, que o nubente, um taçalhão deveras, é figura de proa da comunidade local. As festividades decorrem até-às-tantas: escorropicha-se copos mil, os pitéus, de tão bons, nem chegam a assentar (que bom que está este bolo-de-noiva!), os nubentes esvoaçam de mesa-em-mesa (que ricas prendas, obrigado!), os pares rodopiam, os brindes sucedem-se e os sorrisos esbranquiçados com caranço, também (não necessariamente por esta ordem). As grandes alegrias merecem partilha, aquilo sim é viver.

 

(Rita tomou-lhe o gosto, nunca mais arranjou emprego, nunca mais foi a festas privadas, nunca mais foi à missa, mas já protagonizou para cima de uma mão-cheia de casórios).

 

 

15
Out13

Cabeça a prémio

Jorge

 

O funcionário da cadeia, chama, em voz preclara, na parada, acabada uma sessão de talião:

- Meliante nº tal, ministro Alexandrino.

- Presente!

- Delinquente nº tantos, ministro Briolanjo.

- Presente!

- Delinquente X, ministro Felismino.

- Presente!

- Delinquente Y, ministro Gumersindo.

- Presente!

- Delinquente Z, ministro Línton

- Presente!

A lengalenga prossegue. Ato imediato, os implicados, são levados, a ferros e por especial deferência da gerência, a participar na reunião de Amigos-do-Alheio, realizada na torre de Refolhos, ali para as bandas do forte da Peçonha. O meeting começou ao sol nascente e ainda não acabou. 

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