Face A
O senhor Neves espingardou, em todas as direções, com as armas que tinha à mão. Tomado de amores pelos pobres-mesmo-pobres, de Cristo, veio em socorro deles, alto e para o baile que aumentar o salário mínimo nacional (smn) só vem atrapalhar a vida dos mais iletrados, para quem o desemprego tem aumentado de forma exponencial (com os licenciados o cenário repete-se, mas esses provavelmente se safam melhor) e isso é caliginoso, tipo criminoso (vós que de lá do vosso império prometeis um mundo novo, ponde-vos a pau…) Mais, a maioria dos pensionistas diz-se pobre, o que não corresponde aos padrões de pobreza afixados por fóruns internacionais, de matriz civil e confessionais. Esses pensionistas que se dizem vítimas dos cortes, são afinal gajos ricos, eles sabem muito e a maioria da população dorme na forma, eu é que sei mais a dormir que eles todos acordados. Mais, eu topo-lhes a jogada, pouco se lhes dá a sorte dos outros, dos verdadeiros pobres do natal; põem-se choramingas para impressionar - quem não chora não mama - mas têm os colchões e as bolsas bem aforrados. Se o estado não poupar nestas gorduras, é porque cede em prol dos chicos-espertos, em desfavor da gente boa que o gere e às empresas também!...
(Consta que a maioria do patronato não ligou meia ao senhor Neves que ficou a falar sozinho, aquilo era chover no molhado e ele a pensar que tinha descoberto a pólvora… Além disso, o homem pode passar de perigoso a abominável, um dia destes ainda propõe a extinção do trabalho e depois como é?!)
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Face B
Dias de briefing eram dias de boa disposição, momentos em que se desopilava, só que acabaram. Voltaram os dias longos e espessos, em que os níveis de audiências daquela estação andavam pelas ruas da amargura, apesar da forte aposta em programas de concursos, chochos, comidas e comédia (os 4 «cês»), entremeados de música de quebrantos e requebros, vitualhas típicas e brejeirice nacionalizada. Não havia maneira de animar a malta, chorava-se a- torto-e-a-direito sobre o leite derramado, pelo que tentar fazer chorar as pedras da calçada talvez não fosse a solução adequada.
Os CEO da empresa decidem que é hora de voltar ao surprise show, uma receita que dera muitas e boas ganhanças, em tempos não muito distantes. Os diretores de programação ainda levantam a grimpa, que não eram simples correia de transmissão, os diretores da informação levantam cabelo, que uma refundação da programação não se faz do pé para a mão, mas a decisão é levada a peito e a eito por todos, que os empregos escasseavam.
A pedido de várias famílias, as honras da casa ficaram a cargo de um ex-dirigente desportivo que uma vez tinha proclamado alto-e-bom-som ser verdade amanhã o que é mentira hoje, ou o seu inverso. Haveria sempre um convidado por programa, o qual fazia a festa, lançava os foguetes e recolhia as canas.
A um dos programas compareceu o sr João Fariseu que mostra um «filme genial». E era-o de verdade, imagens quase nenhumas, diálogos sem sequência, durante mais de 1 hora. No fim, houve comentários em direto e diferido, uns disseram que tinham assistido a uma mistificação e queriam partir a mobília e os tarecos da casa; outros opinaram que o movimento é das ideias e das palavras que as havia e que o filme até podia ser candidato a um prémio internacional e deram muitas palmas. O ambiente de confrontação cresceu, para logo arrefecer, quando a polícia de intervenção se ofereceu para meter água na fervura, logo toda a gente abandonou a escadarias de acesso ao palco principal. O mau tempo no canal fez disparar as % de audiências, shares e ratings.
Numa vez seguinte foi convidado o sr João Oblato que quis ser entrevistado.
- Sou um banal cidadão, acima de qualquer suspeita, aquacultor de cifrões, à custa do suor do meu rosto, disso me gabo. Também me ufano de pagar logo no primeiro dia do prazo impostos, derramas, taxas, dou para peditórios, vou a chás-canastas de apoio aos necessitados merecedores de desvelos e atenções, pelo que sei do que vou falar. Aqui venho reclamar dos pilantras que propõem o aumento do SMN (salário mínimo nacional), porque estamos perante um crime de lesa-pátria e contribui para o aumento do desemprego dos descamisados com menos habilitações. São criminosos esses que andam a alardear a subida do SMN, porque estão contra os verdadeiros pobres de Cristo, aqueles que não ganham para a bucha e esses precisam de ser preservados, para que haja pessoas boas que promovam a sua assistência e para que essas mesmas pessoas boas tenham um natal feliz. Também me disponho a alertar contra os reformados e pensionistas que se dizem pobres, isso é uma velhacaria, uma mentira torpe pelos padrões internacionais que se debruçam sobre o assunto. É mentira, a maioria deles detém prédios de aluguer, hortas urbanas, bancos de jardim, passam férias quando bem lhes apetece, na época baixa, não produzem a ponta de um corno e não querem ser abrangidos pelos cortes que, em boa hora, os nossos governantes decidiram impor e o povo humilde acatou. Eu bem que os vejo, armados em finaços, a sobraçar grandes carteiras de ações, títulos, letras, promissórias e procurações, a pavonear-se de nariz encostado às montras das lojas da avenida da Liberdade, todos os dias (lá virá o tempo em que se chamará avenida dos Reformados). Têm a distinta lata de se dizerem pobres, de espírito porventura – com esses me solidarizo -, essa gente é pior que fariseus e publicanos de nada arrependidos, ponham-se a pau, eu topo-os de ginjeira e à légua! Se não nos precatamos, eles chupam-nos os olhos.
O homem falou de um fôlego só, durante mais de 1 hora, atropelou as palavras, deu piparotes no ar, encheu a mesa de perdigotos, deu sacões às meias de lã pura, exibiu para as câmaras os sapatos e, fato e gravata reluzentes. Arroubado, o canastrão rasgou as vestes, pôs cinzas na cabeça e atirou-se a 5 paredes, pelo que fez outra concussão cerebral (ali por perto, passava uma vara, esteve vai-que-não-vai para se candidatar a um lugar). Consta que estará comprometido com a frequência de um curso de engolidor de espadas, como processo de cura alongado.
Estava o homem a ser levado ao hospital, quando rebentou uma zaragata, à moda do faroeste, entre os assistentes. Não ficou pedra sobre pedra, pelo que a administração da estação não foi de modas, correram os taipais, declararam 3 dias de luto e agora estudam a hipótese de mudar de ramo, a venda de farturas em hipermercados, a ver em que param as modas.