Ouvi ou li (VIII)
i – Foi garantido um suprimento a trabalhadores do metro, gerido por uma empresa pública de transportes, com muitos anos de trabalho e descontos, caso antecipassem a sua reforma. Muitos trabalhadores com muitos anos de casa, desejosos de sossego e de dar o seu lugar a pessoal mais novo, embarcaram no bote. Anos mais tarde uma das medidas de um pacote de contenção pelo emagrecimento forçado da dívida pública - alguma coisa tinha de ser feita para não andarmos ó tio, ó tio por essa Europa e por esse mundo de Cristo fora - abate o dito suplemento, de uma penada, sem dó nem piedade. Há quem chame a isto dar o balão e que balão, este!
Se tal suprimento estivesse inscrito em contrato milionário, de muitas páginas, redigido e defendido por causídicos de forte ponderação, outro galo cantaria. A proteção social no seu melhor, ou a impiedade de quem empurra outrem para trilhos impérvios!…
ii – O sumo pontífice falou e admitiu que os bichos possam ter lugar no céu, no jardim do Éden, presume-se. Mas todos os bichos, mesmo aqueles que estilhaçámos para os levar à panela, aos tachos e ao braseiro?! Talvez só os animais de companhia possam lá ter lugar garantido… E as formigas vermelhas, os sapos amarelo-ouro, os escorpiões, os piolhos, os hipopótamos e os mosquitos também? Confesso que sou candidato ao paraíso e faço vida regrada e rigorosa para atingir tal objetivo, mas todo eu já me coço, ao imaginar o cenário, eu um vegano de-alma-e-coração! A não ser que só os espíritos da bicharada tenham direito a lá estar, eu sempre desconfiei que os animais tinham espíritos, não sei se dos bons ou maus…
Ainda bem que o senhor não tem uma certeza inabalável e que isto não é matéria de fé, pelo-sim-pelo-não já estou a elaborar aminha lista de pucelas preferidas…
iii – O padre, representante de deus na terra, foi posto naquela paróquia, por indigitação do seu bispo, o qual tem autoridade formal para o fazer, ele que ocupa um posto elevado na lista de embaixadores de deus na Terra. Os restantes elementos da alta hierarquia eclesiástica cá na Terra deram o seu consentimento implícito ou explícito à nomeação, nenhum fez menção de retirar a confiança ao consagrante nomeado, portanto estavam reunidos todos os condimentos para que possa atuar como representante de deus naquela terrinha. Mas não, ele tem passado as passas do Algarve, os leigos querem o anterior cura, que foi desterrado para parte incerta, se assim não fosse, suspeita-se que já haveria romarias à porta do enjeitado. É bem possível que esteja algures no sul do país, terra de incréus… Estranha-se esta deriva democrática dos fiéis, o comer e o calar têm o seu lugar, pardeus!...
Se a coisa continua assim estou a ver esta malta de paroquianos a reinterpretar o inferno, o limbo, o purgatório e o próprio céu, a decidir se há almas penadas, se as bruxas e feiticeiros são enviados do encardido que governa o inferno, se há anjos e anjas, etc. Quem te mandou a ti, sapateiro, tocar rabecão? O orgulho (é pecado) pode brotar da honra em demasia…
iv - O crude está barato que até faz impressão. Os tradicionais donos dos países ou dos conglomerados que o vendem não acham piadinha nenhuma ao cenário. Será que algum maduro teve a brilhante ideia de dar à torneira? Ou o Califado que detém uma mão-cheia de poços no Oriente Médio já consegue vender na candonga petróleo em bruto a países que o combatem, para conseguirem maçaroca com que comprar armas vendidas por esses mesmos países que o combatem? Perguntar não ofende… Certo é que convém a mão direita não saber o que a esquerda faz, para subir na vida. Mais, ninguém no seu perfeito juízo se atreve a afirmar que desta água não beberei, pode ser a morte do artista…
Esta não me tiram da cabeça, aqui há pardal! e não será propriamente caso para dizer que há males que vêm por bem…
v – Quando se fala, sobretudo na rádio e na tevê, dos protagonistas lá de fora é tudo simples, Obama fez isto e aquilo, Hollande foi aqui e acolá, Rajoy disse isto e aquilo, a sra Merkel mandou mais uma bojarda. Já os protagonistas internos têm direito na maior parte das vezes a axionónimo, tipo o Sr. presidente, desancou nos jornalistas, o Sr. engenheiro teve um ataque de caspa, a Sra. doutora passou-se dos carretos, o Sr. comendador partiu uma perna, a Sra. professora fez publicar um livro de sua lavra. Criou-se normativos para tratamento correto ao dirigir-se a este ou aquele nababo, ou aqueloutro degas, diferentes etiquetas para se estar à mesa, para se entregar presentes, para servir à mesa, porque a hierarquia demarca. É-se capaz de discutir por largos minutos, amplas horas e em vastos dias a legalidade do título, dá-se a vida por um título e há também quem os compre, porque a jerarquia e até o ranking rendem préstimos. Se alguém ousa chamar um conhecido por zé-quitólis, ou zé–das-véstias, ou joão-ninguém, ou o João-fernandes, ou de ningres-ningres, por certo que não tem o indivíduo em questão nunca passou da cepa torta ou não o tem em grande consideração; o tratamento por mestre é satisfatório. Se alguém chama dona a uma «mulher» é porque a acha uma senhora; agora se a apoda de maria-vai-com-as-outras, maria-chiquinha, maria-rapaz, ou maria-cachuca precate-se.
Afinal a discriminação é feita de pequenos nadas, verdade?
Lá dizia o outro: não me discrimine, não sou diferente, apenas sigo os padrões do sistema!