Vidas (2)
Quis o destino que o ministrante número dois da coligação governativa que é o governante número um do seu partido coligado fosse posto perante a contingência de ter um debate pré-eleitoral com a figura número dois de um partido furta-cores que integra uma coligação de oposição, onde será a número dois.
Não desarmou e disse-se «encantado» com a oportunidade, tendo voluntariosa e briosamente afivelado uma feição prazenteira. O episódio não o abespinha, jura.
Duas ou três perguntas depois, o segundo ministrante, não se contém e dispara:
- Em nenhum país comunista haveria um debate com os adversários políticos, porque, se houvesse, era o último. Como sabem, ou lhes cortavam a cabeça ou os prendiam. Em democracia trocamos ideias naturalmente, civilizadamente.
Amino, comentador de tevê que seguia, em direto, aquela conversa considerou que o segundo ministrante não tinha afivelado bem a máscara, que tivera um deslize indesculpável, enfim, fica mal numa pessoa de trato afável e diplomático semelhante espalhanço.
Almerinda, rapariga nova, mas pouco dada a leituras e que não fazia a mínima ideia de que seria um país comunista e até duvidada da existência deles, fica estarrecida com a tirada. Logo ali, no café mais próximo de casa, confessa, a quem se dispôs a ouvi-la que, das três uma: primeira, o homem sofre de ginofobia, ou tem xinidamina; segunda, o senhor deve estar mal informado, nunca houve eleições com degola, quando muito uma só vez sem exemplo; terceira, o homenzinho tinha mau perder.
Antero, um cidadão devotado, teve de recorrer às urgências psiquiátricas do hospital mais próximo, a uns bons70 km da sua casa, onde permaneceu do nascer ao pôr-do-Sol, acometido de medo fulminante. Sempre soubera de fonte segura que aquela malta que gosta dos países comunistas dava injeções atrás da orelha aos velhotes e que comia criancinhas ao pequeno-almoço; nunca lhe tinham contado (era já entradote) essa manigância nos debates pré-eleitorais, coisa monstruosa. Passou-se.
No dia seguinte, Amino comentou outra vez: que o senhor ministrante número dois até tinha alguma razão do seu lado; nas democracias, guarda-se o melhor para os mais dotados. Ainda teve a oportunidade de acrescentar que, sob pena de termos um simulacro de debate, quem deveria lá estar do lado oposto da mesa, seria o senhor que é o número um daquela coligação oposicionista, porque o segundo ministrante é o número um de um dos dois partidos que estão na coligação do poder. Falou e disse.
No dia seguinte, Almerinda estranhou que ninguém tivesse vindo a terreiro a desancar no segundo ministrante, o que confirmava a sua ideia que nunca tinha existido países comunistas. Portanto, quanto a essa conversa de se cortar cabeças por causa de debates pré-eleitorais era mesmo tanga, para engodar tansos.
No dia seguinte, já não se tirava nada de Antero, tão pouco o colete-de-forças que traz agarrado à pele. Já se discute a nível oficial se um dia poderá votar, só ou acompanhado.
No dia seguinte soube-se igualmente que o segundo ministrante esteve vai-não-vai para desistir do debate, que lhe marcassem falta de comparência queria lá saber! Mas, pensou melhor e, no dia aprazado, assinou o livro de ponto.
Ainda não tinha dito, mas fica aqui o registo: o ministrante número dois filou pelos gasnetes a senhora que era a número dois de uma coligação de oposição, mal soou o toque final do gongo. A vítima ainda teve de ser submetida a tratamento ambulatório de reanimação.
Ao Amino já não saem comentários com cabeça-tronco-e-membros; Almerinda já não diz coisa-com-coisa no café; a Antero já não o fazem sair do seu estupor. O segundo ministrante anda ufano por aí, a lançar foguetes e a recolher as canas. Nem quer pensar que não terá direito a comemoração votiva, com a saída dos resultados da consulta popular..
Não te procupes, ele é um profissional competente!.