Diálogo de outono (10)
Funcionário solícito para cliente frequente (de carro cheio):
-Aqui tem a sua fatura com o número de contribuinte.
Cliente frequente para funcionário solícito.
- Muito obrigado, José, ora deixa-me tirar a prova dos 9, é só um momento (gasta 2 minutos).
Funcionário que é solícito e sorridente para o cliente que é frequente:
- Olhe lá, já devia saber que a máquina faz tudo certinho…
Cliente que é frequente para funcionário que é solícito e sorridente:
- Nunca se sabe, José, as contas batem certo, mas podes ter metido a unha…
Funcionário muito solícito e ainda mais sorridente para cliente frequente e também sorridente:
- É tudo?
Cliente frequente e também sorridente para funcionário muito solícito e ainda mais contente:
- Agora, terás de me fazer o desconto disto (dispêndio de 1 minuto e picos).
O funcionário não se faz rogado e mantém a postura solícita e sorridente:
- Certo, ora deixe-me lá ver… Feito! Mais alguma coisa?
O cliente frequente não se faz rogado e mantém a postura sorridente:
- Vou levar aqui a mascote da casa que vocês oferecem a bom preço. Ora deixa-me lá ver onde pus os cupões de desconto (1 minuto)… A qui estão!
O funcionário afadigado mantém postura solícita e sorridente:
- Já trato disso, é só um minutinho (foram 3)!
Voz off:
- Ora, tanta demora, pelo amor à santa, tenho uma pessoa acamada em casa à minha espera e vocês aí a empatar feitos molengas!!!
Cliente frequente para a funcionária sorridente da caixa do lado:
- Ó Cecília, já me viste isto, eu a engonhar, só visto! Por acaso até levo pastéis, mas não sou pastel! Bem sabes que gosto de ser atendido com todos os matadores e por acaso até hoje não tenho tido motivos de queixa de nenhum de vocês! Portanto, não sei de que se queixa aquela senhora (foi a senhora que falou, não foi?).
A senhora visada enrubesce, logo confirma.
A funcionária solícita e já menos sorridente (arreganha a taxa):
- Aqui não temos caixas prioritárias, mas damos prioridade a idosos, grávidas e pessoas com deficiência; de momento não vejo ninguém nessas condições à minha frente.
Cliente frequente e menos sorridente para funcionária já menos solícita e sorridente:
- Sabes que mais, vocês deviam abrir um serviço de urgências como nos hospitais, mas com taxa moderadora, pá (ambos arreganham a taxa amareladamente)!
Segunda voz off vinda das profundezas de uma das 3 filas a perder de vista:
- Então, por-que-raio o patrão não emprega mais gente?!
(O funcionário solícito e a funcionária sorridente voltaram a alimentar a caixa registadora, macambúzios. O cliente frequente meteu o rabo entre pernas e foi à vida: por uma boa causa dava tudo, para conversa mole não contassem com ele...)
- Está tudo vazio!
- Bem, pus-me a petiscar, enquanto aguardava na fila!