Cenas do País Tetragonal (XXIX)
O Luís não é pessoa de muitas falas. Às vezes até abusa de monossílabos. Todavia, antontem falou pelos cotovelos:
. Os governantes antecessores puseram a maioria do povo a-pão-e-água;
. Os governantes antecessores mandaram para a emigração muito boa gente que não quis ficar a-pão-e-água;
. Os governantes antecessores tomaram um montão de medidas que caíram que nem ginjas em tais desideratos alheios, ao que consta;
. Os governantes antecessores recorreram a um montão de medidas, sem rebuço ou desconforto aparente e chamaram-lhe de sacrifícios feitos de bom grado pelo povão.
O Luís ia a calar-se, mas não resistiu, como quem tira a barriga de misérias:
- Os governantes antecessores prometeram uma coisa e fizeram o seu contrário, durante 4 anos, numa manobra dialética pouco condizente com os seus pergaminhos. Em nova campanha eleitoral, comprometem-se com mais do mesmo do que tinham feito, durante os mesmos 4 anos. Receosos que dessem o dito pelo não dito mais uma vez - assim lhes tirando o pão da boca - os seus adversários armaram uma esparrela aos governantes antecessores e eles caíram que nem patos. Jogada bem-feita!
(O Luís promete só voltar a sentenciar assim, quando «isto levar uma volta». Amigos e conhecidos já o imaginam paramentado de cartuxo.)
(O estado a que isto teria chegado!)
Estás com muito bom aspecto!
O Henrique também não gasta muito as palavras. Não obstante, ontem passou-se das marcas:
. O principal magistrado da nação recebeu, nos seus aposentos, um montão de gente avisada a ver se engatava uma decisão sobre a continuidade, a todo o transe, dos governantes antecessores;
. O principal magistrado da nação recebeu, nos seus aposentos, um montão de gente avisada a ver se descobria a solução ideal para manter afastados da governação os propostos sucessores dos governantes antecessores;
. O principal magistrado da nação sabia que faltava a maioria absoluta de votos aos governantes antecessores, mas achava que eles mereciam continuar a mandar e a desmandar, na sequência do triunfo na refrega eleitoral do vendemiário passado;
. O principal magistrado da nação sabia que a maioria absoluta estava nas mãos dos opositores, o que permitia aqueles uma governação sossegada, caso ser entendesse, na sequência da refrega eleitoral do vendemiário passado.
O Henrique ia de regresso ao mutismo habitual, mas ainda foi a tempo de exclamar:
- O céu esteve lúgubre e plúmbeo por aqueles dias, dificultando a descida de uma qualquer dádiva caída do céu aos trambolhões. O principal magistrado da nação, ciente de que não há amor como o primeiro, nomeou um novo governo leal aos governantes antecessores. O novo governo caiu num ai e já se fala que a sua performance constará das páginas do «Guiness», na categoria de mandado mais breve e mais reinadio. Os adversários dos governantes antecessores não largaram a porta do primeiro magistrado da nação, sem que fossem entronizados. Jogada de mestre!
(O Henrique deixou claro que só volta a falar, quando «isto não for sempre para os mesmos». Amigos e conhecidos temem que possa estar criado um cenário de mutismo seletivo.)
(Ao que isto poderá chegar!)
«O senhor apresenta-se como «livre pensador (à borla)». Bem bom, assim escusamos de pagar-lhe.»
O Carlos é parco de palavras. Mas, ontem passou-se e pôs-se a falar pelos cotovelos:
. O mais alto dignitário do principal rito do país, durante quase não disse água vai, durante os 4 anos de mandato dos governantes antecessores;
. O mais alto dignitário do principal rito do país ficou em pulgas assim que os adversários dos governantes anteriores afiavam a moca, na pretensão de dispensar o governo breve dos governantes antecessores;
. O mais alto dignitário do principal rito do país ficou com pele de galinha só em pensar no desmancho dos projetos visíveis e invisíveis tidos por favoráveis e aplicados ao país pelos governantes antecessores;
. O mais alto dignitário do principal rito do país ficou pelos cabelos assim que confrontado com a triste sina da substituição do governo breve dos, mal digerida pelo principal magistrado da nação.
O Carlos ia de regresso à mudez anacorética, quando se lembra de arrematar:
- O mais alto dignitário do principal rito esteve feliz com o andar da carroça que leva o andor da procissão, nos últimos 4 anos do mando dos governantes antecessores. Pensou ele: os novos inquilinos do poder executivo temporal podem querer taxar o património que nos foi legado por deus, ou fugir à devolução imobiliária em curso. Portanto, numa jogada de antecipação de quem sabe a missa toda, o purpurado veio lembrar oportunamente que já não há nem missas, nem outras liturgias grátis. Jogada de génio!
(O Carlos diz que só volta a pronunciar-se, quando «esta gente for posta no seu lugar». Amigos e conhecidos temem que ele possa enfrentar um cenário de afonia.)
(Ao estado a que isto terá chegado!)
«Dar dinheiro para os pobres? - Desde quando os pobres rse puseram a recolher dinheiro para mim?»
O Silvino, esse sim fala pelos cotovelos. Informado de tudo:
- A desestima dos bons dá ousadia aos maus!
Tirada de génio!
(O Silvino agora farta-se de pregar aos peixes.)
(Ao que isto chegou!)
AJUDE A MATAR A FOME
- Deveríamos contribuir com algum presunto e ovos.
- Falas assim, que para ti é uma contribuição. Para mim seria um sacrifício total.