Diálogos de outono 12
- Saíste-me cá uma grande besta!
- O meu nome é António, que mal fiz eu a deus para ser tratado assim?!
- A deus não podes tu fazer mal, mas a mim fizeste, seu anormal!
- Não lhe admito que me fale nesses termos!...
- Vejam-me bem, sua excelência não admite! Estás com sorte em não te partir a fachada, isso digo eu e com razão. Mas se me fazes perder as estribeiras maila tramontana, faço-te num oito, seu patarata encartado!
- Chega de ameaças e ofensas, não o quero ouvir mais!...
- Olha-me a pulga que já tem catarro! Atreves-te a dar ordens, em minha casa?! É preciso ter muita lata, seu traste!
- Mas, afinal, venho acusado de quê?!
- Olha ali para o córrego, seu energúmeno, o que ali vês a correr é a produção do dia que vai parar ao rio, depois ao mar, depois aos peixinhos! Palermas há poucos como tu!
- Que tenho eu a ver com isso?!
- Que tens tua ver com isto, que tens tu a ver com isto?! Tudo, deste cabo da mercadoria toda do dia, seu sacripanta!
- Sou novato neste posto, mas juro que fiz tudo direitinho!...
- Trocaste as mãos pelos pés, os bugalhos pelos alhos! Fizeste porcaria, seu troca-tintas de uma figa! Fui convencido a trocar seis por meia dúzia, por ficar mais em conta, e toma, levei uma banhada contigo!
- A minha consciência não me aponta nada, as suas acusações são infundadas!...
- Deves ter vendido essa coisa a que chamas de consciência, grande pascácio! Tudo e todos apontam para o teu erro, sua cabeça-de-alho-chocho-partido-aos-bocadinhos! Essa tua caixa-dos-pirolitos é antes uma caixa-de-ressonância!
- Basta! Só me saem duques e figuras tristes!...
- Não basta não, isto não fica assim, isso querias tu! Vais pagar até ao último cêntimo o prejuízo, nem que a vaca tussa, ou eu não me chame Ananias! Perdi muito dinheiro e não consigo pagar ao pessoal, nos próximos tempos, por tua causa! Quer queiras quer não, assim se fará e não penses em vir-me à mão, óviste, sua cabeça de ornitorrinco?!
- Franqueza com franqueza se paga, antes fosse o senhor a ir córrego abaixo! Mas, não perde pela demora, vou lançar mão de todos os meios para tirar desforço. Daqui vou já direito ao seu grémio, a exigir a sua suspensão imediata! Olha a minha vida a andar para trás!
- Boa sorte!!! E andei a pagar salário mínimo a este homúnculo que se gabava de ter experiência e formação superior e vai-se a ver saiu-me uma desgraça!
(O sor Ananias cumpriu a promessa: fez a folha e depois a cama ao Sr. António. A empresa do sor Ananias retomou a laboração plena, sem sobressaltos palpáveis de tesouraria. O sor Ananias não retirou uma vírgula ao rosário de adjetivos atirados em rosto ao Sr. António e perante testemunhas várias, não lhe advindo qualquer mal por conta. O grémio fez do senhor Ananias sócio de mérito. O Sr. António emigrou.)
II
- Olá, como está a única flor do meu jardim?
- Estou bem, meu cordeirinho de Páscoa!
- Como passou o seu dia a luz dos meus olhos?
- Bem, tive de levar outra vez com o chefe em cima!
- Desculpa, a ver se bem entendi, minha princesa das mil e uma noites!
- Isto é uma forma de falar, Sansão dos meus pecados. O sor Ananias é muito insistente...
- Sabes que mais, eu acho que não deverias usar roupa tão ousada, minha estrela da tarde!
- Ó conforto da minha alma, o que é bonito é para os outros verem. Caso alucinem, problema deles, só tu tens acesso direto aos meus recessos!...
- Quero-te refém do meu coração, meu bilhete de primeira classe para viagem à lua!
- ‘Mor, cuida-te que sou contra a prisão perpétua e isso é uma questão de princípio de que não abdico. E ficas a saber que algumas vezes me levas às estrelas, muito para além da lua, meu bomboca de trazer à mão e por casa!...
- Não quero que te falte nada, minha coisinha fofa!
- Ternura da minha alma, tomara que os donos de todos os bancos pusessem os olhos em ti, seu grande bankster do meu coração!
(Esta conversa ficou gravada. A gravação foi admitida como prova única em tribunal. Celeuma aparte, o tribunal deu como provado que a consorte cônjuge usou nomeadamente de termos depreciativos e adamados ao segundo cônjuge, com acinte e malvadeza, tingindo a reputação do mesmo. O visado conseguiu o divórcio, direito a pensão vitalícia e a uma compensação choruda.)
- Tu não passas de um indivíduo desleal e sonso!
- Fico-lhe muito reconhecido!