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oitentaeoitosim

30
Jan17

Verismo IV

Jorge

Acredite-se, que é mesmo verdade!

Um punhado de crianças, de idade inferior a 10 anos, disputa um jogo, integrado numa competição de futebol oficial.

Eis senão quando, um daqueles atletas de palmo-e-meio marca golo, de livre direto.

Exulta o marcador do tento.

Exultam os seus colegas de equipa.

Ato imediato, os colegas instalam-se à volta do marcador do golaço e abraçam-no, felizes e contentes com a proeza.

Mas – espanto dos espantos! –, o mesmo fazem, uma-a-um, todos os adversários: saltam para a molhada, a comemorar com os adversários aquele feito, também satisfeitos da vida, a valer!

Quedo-me siderado ao ver o vídeo, todo o meu corpo se deixa invadir por uma onda de contentamento arrepiante.

Momentaneamente estão feitas as pazes com o mundo...

Supostamente os putos aprendem dos adultos.

Naquela comemoração, foi, por certo, tida e achada mão profícua de adulto (como no gesto assombroso do puto Matisse, no final do «Europeu», em França).

Ou talvez não...

Há coisas que os adultos já não sabem transmitir, por formação.

Mas, os putos são uns danados, quando se dispõem a avivar-lhes a memória... 

 

 

Verismo IX.jpeg

«Mostra» e «diz», não se trata de invasão da privacidade?

 

30
Jan17

Verismo III

Jorge

    Neste país, sempre que a tradição se impõe, está estabelecida, para as famílias, uma repartição funcional castiça: a mãe de família – ou quem as suas vezes faça - encarrega-se da formação dos rebentos, da gestão graciosa do lar, estando nesta incluída a confeção de alimentos; o páter-famílias – ou alguém no seu lugar – vai em busca do numerário que cubra as necessidades normais e também as imprevistas do agregado.

    (Entre marido e mulher não se mete colher.)

    Todavia, o tempo que é composto de mudança tem vindo a impor mexidas neste modus operandi: as mulheres, aos poucos e poucos, por obras valerosas ou doutro jaez, foram-se libertando da ditadura da menina-de-cinco-olhos, do espanador, da vassoura, do ferro e da tábua de engomar, das linhas de passajar, do tanque e/ou máquina de lavar e do avental – pelo menos graciosamente - seja em famílias convencionais, ou por convencionar.

    (O meu rei é que me dá de comer.)

   O processo de liberação já ia longo, quando assenta praça e arraiais a culinária gourmet (que é outra loiça!), dirigida a quem tem mais barriga que olhos, orientada por chefs, gente formada a preceito em escolas que pretendem elevar aos céus os negócios e a excelência culinária - abaixo o enfarta-brutos! -, homens na sua maioria que tomam de assalto as cozinhas, dispostos a não deixar por mãos alheias os seus méritos insuspeitos na arte de bem mimar os donos e donas de carteiras recheadas de massa, estejam aqui, ou venham de além-mar.

    (Dinheiro e fruta servem para comer.).

    Aí se reforça a tendência da transferência de mulheres para outros sectores de produção - onde a lei beatificamente impõe «salário igual para trabalho igual», mas a tradição acrescenta um desconto para quem se assuma mulher -, ou então deixam-se ficar com os pés dentro das habituais tamanquinhas e dispõem-se a auxiliar no abastecimento de víveres, na copa, na cozinha e nas salas da janta das casas de repasto, com menos pago, obviamente!

    (A boda e a batizado não vás sem ser convidado.)

   Estrelas Michelin do país são pespegadas nas portas de restaurantes, de referência - respeitinho às hierarquias, nem todos os restaurantes podem alinhar com um chef que, muitas vezes, fazem o seu tirocínio por baixo! -, orientados por homens que passam a fazer parte do imaginário cultural do pessoal e recebem colinho, a- torto-e-a-direito, dos média e das redes sociais.

    (Morfar bom e barato, nem no Crato.)

    Até os livros de culinária passam a ser mais editados e com autoria garantida de homens, o que releva da capacidade deles na gestão de negócios, em manusear investimentos e aplicações financeiras, tarefas nas quais as mulheres se deixam perder, quando à partida estariam mais habilitadas a tomar decisões sobre diferentes afazeres em simultâneo.

    (Investir, comer e coçar, vai do começar.)

    O revivalismo é uma injunção típica dos tempos decorrentes, pelo que não admiraria que um machismo travestido não possa a estar a fazer das suas, em países que são desenvolvidos ou estão a levantar cabeça, afastada que a presunção que uma qualquer deidade ou entidade externa esteja a intrometer-se no caso.

     (A cozinha refinada leva à farmácia.)

   Também já se ouviu dizer que o novo cenário estará a dar grande gozo a muitas mulheres trabalhadoras, ao verem homens ataviados em aventais e de barrete enfiado – adereços que os aproximam doutras corporações muito respeitáveis -, a investir, aflitos, entre tachos, sertãs, condimentos, toalhetes, talheres, etiquetas, etc.

     Nas largas bolsas de território deste país, em que a tradição cultural não sofreu grande mossa – é ainda questão de fé que a mulher ganhe menos que o homem, que a esposa seja mais nova, ou da mesma idade e que o marido detenha menor altura, por exemplo -, os chefs até podem suplantar as donas-de-casa fora de portas, que dentro de portas, os doces, as sobremesas, os pratos favoritos são da autoria de mães e avós. Fosse a fome um dos eixos do mundo e estava o caldo entornado...

    (O pão nunca cai com o lado da manteiga para cima.)

 VerisIII.png

«O segredo está em engolir sem mastigar. Assim, entram grandes nacos de comida na circulação sanguínea; isto faz com que as tuas artérias se alarguem, forçando assim a  presença de mais sangue no cérebro, o que te torna mais inteligente e com melhores hipóteses de sucesso.»

 

 

19
Jan17

Verismo II

Jorge

       Na hora aflita é que a gente apita.

 

      O senhor árbitro, num jogo de futebol, tinha acabado de mostrar cartolina icterícia a um jogador.

      Na sequência, o senhor árbitro, deslocou-se para outra área do terreno da jogatana, fazendo marcha à ré, acabando por chocar com o jogador infortunado que acabara de ser admoestado com o tal cartão.

      Ato imediato, o jogador reagiu à pisadela que o árbitro, em marcha de caranguejo, tinha provocado, os organismos vivos têm essa peculiaridade.

      Com os humanos, é certo e sabido que, depois duma pisadela inesperada, sai quase sempre um chorrilho de palavrões boca fora, por muito santo que se seja a vítima.

      Logicamente, o jogador, contra o qual chocou o árbitro em marcha à ré, terá atirado fortes palavrões, não propriamente endereçados ao juiz, mas sim a uma entidade incerta.

      Especialistas em leitura labial afirmaram perentoriamente que o jogador, chocado e pisado, até não disse coisa-com-coisa, muito menos ofensiva para o senhor juiz da partida.

     Um especialista em dinâmica da locomoção humana, todavia assevera que o jogador, dando-se conta da trajetória do álvidro, pôs-se a jeito para receber o impacto.

     O jogador chocado e que vira, há pouco, cartão admoestador, vê nova cartolina da mesma cor, pelo que foi tomar banho uma dezena de minutos (se tanto) antes de colegas e adversários.

     Colegas do jogador e o próprio jogador cercaram o árbitro e disseram-lhe das boas, de pouco lhes valendo a iniciativa, pois não houve volte-face na decisão do juiz de campo.

      Nesse mesmo dia, espalharam-se pelas redes sociais e canais informativos mundo fora, as cenas do recontro, entre árbitro e atleta, etiquetadas da coisa mais estapafúrdia de todos os tempos, coisa inaudita mesmo, nunca se vira nada assim!

      O próprio jogador que foi vítima da pisadela do árbitro em recuanço confirmou que nunca fora capaz de imaginar uma fífia igual, porventura a mais descabelada, desde a criação do mundo.

      Entretanto o senhor que apitou o confronto e chocou com um jogador perdeu a face e estima-se que nunca mais a vá recuperar...

 

Verismo II.jpg

 (Eu quero peito de frango sem pele, grelhado, mas quero que me traga uma lasanha e pão com alho, ao engano.)

 

 

19
Jan17

Verismo I

Jorge

    A UEFA (união das associações de futebol europeias) produziu, em 2017, uma lista dos clubes com maiores calotes, em 2015.

    A segunda posição é ocupada por um clube deste país.

    A promotora da iniciativa, em estudo acoplado ao rol, chegou à conclusão que, à data, o valor absoluto das dívidas desse clube ascendiam ao triplo do das receitas.

    (Mau, mau, lá se vai à viola o tal fair play financeiro, querem ver?!...)

    Mais sinalizou a entidade promotora do estudo e do rol que a dívida do citado clube deste país corresponderia a 130% dos seus ativos.

    Crê-se que esses ativos compreendam essencialmente o estádio de futebol, a academia de futebol e os jogadores de futebol desse clube.

    (As entidades que governam os clubes assumem assim essa coisa rasteirinha que somos posse de alguém, manipulados por alguém, quem sabe...).

    «Aqui d’el rei, que nos estão a comer as papas na cabeça!»

    «Aqui d’el rei que outros emblemas varrem as dívidas para debaixo dos tapetes dos bancos e das SAD!»

     Eis 2 exemplos de desabafos captados a associados do dito clube, quando os sócios e simpatizantes adversários se puseram a chingar.

    Se bem entendi, a administração do dito clube argumentou que, na altura da elaboração daquela listagem dos clubes mais devedores do espaço competitivo europeu, as contas de 2015 ainda não estavam fechadas, haveria vendas por registar.

    (Repito, há pelo menos, há entidades que assumem essa coisa rasteirinha que somos posse de alguém, manipulados por alguém, quem sabe...).

    Um aparte: quando o dito clube surgiu num posto muito catita na listagem dos melhores clubes de sempre da Europa, numa classificação promovida pela mesma entidade supervisora do futebol competitivo da Europa, não houve reparos oficiais e viram-se muitos sócios de peito feito...

    Adiante, claro que o mencionado rol fica para a posteridade e daquela mancha no currículo não se livra o citado clube deste país.

    O que, aliás, vendo bem as coisas, até não fica mal: clube e país estão ambos irmanados pela síndrome das dívidas brutais que não têm perdão, de há muito.

    Naturalmente que a receita que se impõe às 2 entidades públicas é de todo similar: vender, ou pôr no prego o que esteja mais à mão de semear, vão-se os anéis e até os dedos, que a sobrevivência é uma meta a cumprir.

    Quem disse que o dito clube não vale pela nação?

   (Pusesse a beleza mesa e ambas entidades estariam a safo, tantas obras meritórias em que se envolveram, mas isso é outra estória!)

Verismo I.jpg

 «...se já fez o pagamento, por favor aceite as nossas desculpas pela ameaça de morte e que tudo decorra pelo melhor.»

17
Jan17

Zelos VIII

Jorge

      Antes do natal, uma tevê exibiu uma reportagem sobre a desmobilização de trabalhadoras e trabalhadores de uma empresa que não lhes pagava a tempo e a horas; por isso, se postaram à porta das instalações, a clamar contra a falta de palavra dos gestores.

      De novo, uma média empresa, daquelas que nem sonham estar cotadas na Bolsa, a enfrentar problemas pontuais de tesouraria, barrado que estava o acesso a ginásticas financeiras amplas.

      Constava por ali que desaguisados – aliás, pouco habituais - entre elementos do conselho da administração da empresa, tinham exposto a empresa a um período de instabilidade que prosseguia e que desviara dos mercados internacionais a produção para mercados nacionais (diferentes degraus duma hierarquia têm os seus preços).

       A situação inversa nunca seria exposta, mas, quando as coisas correm mal, como no caso vertente, menor entrada de divisas nos cofres da empresa, há sempre algo que transpira cá para fora, que as desgraças são mais ágeis a dar-se a conhecer.

       Também constou por ali que o patrão da empresa se mostrou empenhado em ultrapassar os problemas de tesouraria, apesar de tudo, nunca se vira em semelhantes apertos; inclusive terá mesmo ponderado o saque de dinheiro vivo, de contas e posses suas, internas e externas, como solução para tão delicada situação (ainda dizem que não patrões românticos...).

       Igualmente constou por ali que os restantes administradores terão desaconselhado uma decisão tão extrema, recriminada por todos os compêndios da especialidade, que no jogo económico perde-se e ganha-se, uns mais que outros; além disso não se deve sacrificar assim a própria família (a dos outros, vá-que-não-vá...).

      Constou finalmente que o patrão amouxou e não deu cavaco às trabalhadores e aos trabalhadores, ou os parentes cairiam na lama. Esteve, vai-não-vai, para avançar com o lockout, por causa das moscas, mas a greve antecipou-se, que a necessidade obriga.

     Agora, patrão e os administradores estarão à espera de recuperar os mercados originais; já apresentaram um plano que lhes pode valer um PER, ou a insolvência definitiva. Neste ínterim, a empresa deve prescindir duns quantos trabalhadores, para bem de outros, naturalmente.

      Por mim veria com bons olhos que a empresa ultrapassasse os seus problemas e que os trabalhadores adstritos se mantivessem todos a coberto de dificuldades; vou ficar à espera que a tevê que se apressou a dar as más notícias, venha a terreiro, num destes dias, a trazer essa desejada boa nova.

    Assim, nunca mais toleraria que se dissesse que as notícias que mais se vendem são aquelas que deixam um travo na boca doutrem.

     (Cheira-me que 2017 não será ano bom de ameixas, caso as queixas continuem de pavio encurtado...).

zelos VII.jpg

«... e isto, em termos simples, é a minha ideia para otimizar a produção da fábrica, alguma dúvida?»

 

 

11
Jan17

Infausto passamento

Jorge

     Morreu o vizinho Serafim, jardineiro, há muito, estabelecido por conta própria. Soltou o último suspiro, no leito solitário. Estaria a dormir o sono dos justos, quando foi chamado a contas no Além.

     - Teve uma morte santa! – Assevera, o vizinho Ifigénio, que sempre conhecera Serafim são que nem pero, a transpirar saúde e que não arranja consolo para a viagem sem retorno do amigalhaço; vai custar muito a ultrapassar a mágoa.

     (Por vezes o sono é inimigo da morte, doutras não.)

      Foi a vizinha Felismina, viúva entradota que vivia 2 ruas abaixo, quem deu pela coisa. Todas as terças-feiras, ia a casa do senhor Serafim, um misógino e misantropo de longa data, a lavar umas roupas, a passajá-las e a compor a habitação acima de modesta.

      - O senhor Serafim não se ajeitava à lide da casa! – Acrescenta a vizinha Felismina que encontrou o Serafim inteiriçado, depois de ter metido a chave à porta e de não ter obtido a habitual interpelação - «esteja à vontade, vizinha!» - ao seu habitual chamamento. Apressa-se a esclarecer que Serafim nunca se dera a certas liberdades, nunca se deu a avanços, nem era homem para atirar piropos ou ditos soezes, nem a sugestões ronhosas, era um homem sério.

     (Quem a honra tem perdida, anda morto nesta vida, o que não é o caso.)

     O vizinho Tarcísio pôs-se a chorar que nem Madalena arrependida, aos pés da cruz, ao saber que Simão se tinha definhado: para aquele fim-de-tarde estava apalavrada uma cartada na casa do compadre Francisco. Como de costume. Serafim seria o seu parceiro, pois já lhe conhecia, há muito, ademanes e manhas da arte; assim que o conheceu, nunca qui outro compincha.

      - Reserva-me um lugar aí em cima, Serafim! – Pede encarecidamente o vizinho Tarcísio, enquanto se desfaz numa choradeira de cortar o coração, prevendo que nunca mais se atrevesse a jogar à sueca. Teve de reservar-se, pois, tinha sido acometido de um AVC; era o ganha-pão, há muito, da sua numerosa família.

      (Toda a vida não é senão a estrada da morte.)

     A vizinha Marta, uma amiga de longa data do falecido, essa não se cansava de repetir que ele tinha vocação e mãos maravilhosas para a jardinagem, pelo que sempre lhe confiou a manutenção do seu jardim que estava bonito, com era bom de ver.

     - Que a terra lhe seja leve, era uma santa alma! – Ajunta a vizinha Marta, tomada de singultos estrénuos. O Serafim fora sempre um cidadão impoluto, por exemplo, nunca se havia recusado a passar fatura com NIF, pela quantia exata, ato que a muitos outros causa engulhos, urticária, psoríase ou candidíase, mas não a um homem de bem homem de bem; a ele não, comprazia-se em ser justo.

     (Quem a honra tem perdida, anda morto nesta vida (não é o caso).

     Já o vizinho Adriano sempre entendeu que o Serafim era uma boa alma, amigo do seu amigo, inconcusso e indefenso no cumprimento dos seus deveres de cristão, raramente falhava um serviço litúrgico, chegasse cedo ou tarde, estava no templo a dizer «presente».

     - Que descanse em paz e deus o tenha! – Adiciona o vizinho Adriano, vertendo grossas lágrimas. O Serafim fora sempre um cidadão impoluto, nunca se havia recusado a colaborar com instituições sociais que se dedicam ao bem, sem olhar a quem, sem nunca fazer grande alarde; mas ele sabia, porque também alinhava na jogada.

     (A vida é um sonho de que a morte nos desperta.)

     Para o vizinho Militão, o Serafim era digno de todos os encómios, por exemplo, vejam que nunca falhou uma eleição, participava nas assembleias de freguesia e não falhava uma iniciativa cultural que houvesse nas redondezas, fosse cinema, fosse folclore, fosse bailação, fosse colóquio, etc...

     - Não se leva nada desta vida! - Filosofa o vizinho Militão, antes de ocultar umas lágrimas que, depois de penderem teimosas das pálpebras, tinham regado as lentes grossas dos seus óculos de míope. O Serafim fora um cidadão impoluto, sempre disposto a colaborar na manutenção e ampliação das áreas verdes das cercanias e a preservar a limpeza das paisagens.

     (Na morte e na boda verás quem te honra.)

     A vizinha Adozinda, cônjuge de um seu concorrente de negócios, afiançou, num fio de voz e depois numa voz sumida, que o de cujus era um adversário à altura do seu marido, ele também incapaz de recorrer a jogadas sujas para atrair a clientela alheia.

     - Olhe, sabe que mais?, somos todos pó e temos voltar a ele! – Sentencia a vizinha Adozinda, tomada de manifestações ptármicas. O Serafim fora sempre um cidadão exemplar, tinha um bocadinho de terra destinada à agricultura biológica; mais, fazia a separação e compostagem de lixos e mantinha a porta da sua casa a quem quisesse partilhar dos seus conhecimentos.

     (A morte despe-nos de bens, para nos vestir das obras feitas.)

O senhor Eufrázio destoou: recordou que o Serafim gostava da sua pinguita; quando mais se entregava nos braços de bebedice, gostava de compor quadras soltas de escárnio e maldizer, nada de especial. Tirante isso, era homem para dar a camisa, em qualquer circunstância.

     - Que descanse em paz, no domínio dos justos!» - Deseja o vizinho Eufrázio, levantando uma seu copo e propondo uma libação aos que o rodeiam, em memória dele. O Serafim fora sempre um cidadão exemplar, não se lhe conhece relingas com a vizinhança, nunca pagou multas e tinha os impostos em dia

     (A morte não poupa o fraco nem o forte.)

      O corpo frio do senhor Serafim esteve em velório e baixou a campa rasa, após missa de corpo presente. Compareceram às exéquias sobretudo queles amigos.

     O mundo soube da partida do Serafim, através do obituário, posto e pago no jornal local, por dois primos afastados, promitentes herdeiros.

     (Mortos ao chão, vivos ao pão.)

     

     Silêncio!

infausto.jpg

 (Põe-te bom depressa)

06
Jan17

Em Batatívia 24

Jorge

Um ministraço da santa terrinha foi a um banquete da confraria e logo se põe a distribuir palmadinhas nas costas a colegas de ofício quando chega a vez do ministrante da concertação social dá-lhe os parabéns por ter conseguido um acordo e peras ora a concertação social que é assim a modos dum conclave corporativista no qual é negociada a regulamentação das condições do trabalho com especial pendor para a fixação dum ordenado mínimo que cada vez se revela como salário máximo aliás às negociações são sobretudo dirimida por sindicatos e grémios que se travam de fortes razões com a moderação preciosa dum membro da governação da santa terrinha o qual não raras vezes fica com a fama de puxar a brasa à sardinha dos amos que segundo rezam os compêndios precisam de multiplicar a bagalhoça até atingirem o ponto da generosidade extasiante que os leve a dar um tostãozinho ao S. António a ver se este opera o milagre do crescimento económico sonhado por todas as almas clarividentes.

O ministraço deu os parabéns ao colega da concertação social da santa terrinha e aproveitou a oportunidade para fazer gala do seu sentido de humor e sai bojarda! julgando-se a coberto de olhos e ouvidos indiscretos afirma que as conversações na concertação social lhe tinham feito lembrar uma feira de gado ora toda a gente sabe que numa feira de gado se negoceia bichos que embora sejam úteis aos humanos vivem numa ambiência que rescende a cheirum ora o senhor ministraço sabe que a civilização ocidental é avessa a bedum bosta  e correlativos por mais porcaria que a maioria da humanidade empurre todos os dias para os cursos de água para as etares para os mares e para os oceanos é de bom manter um certo resguardo quando se fala de substâncias em decomposição fedorenta e que atrai montes de moscas varejeiras e outros insetos melhor fora para o ministraço ter deixado entrar uma ou outra mosca quando abriu a boca eu acho.

Na ocasião festiva o ministraço que deu sinceros parabéns ao seu colega da concertação social da santa terrinha pelo acordo obtido não perspetivou bem as consequências do gracejo de ocasião caso estivesse por ali à coca algum marau da comunicação social e não é que estava mesmo! pastava por ali uma indiscreta câmara empunhada por um assalariado duma tevê generalista onde colabora um jornalista abelhudo que logo se encarregou de despejar aquela cena gaga nas ondas hertzianas o que apanhou também de pé à frente outros  intervenientes no banquete que desejam incluir à cautela caldos de galinha em todos os menus de todos os banquetes da confraria.

O desabafo desditoso do ministraço para o seu colega da concertação social da santa terrinha tornou-se viral para gáudio dos apreciadores de espalhanços em piso escorregadio de calçada típica caso o ministraço tivesse dito que a concertação social lhe tinha lembrado uma feira daquelas onde se vende roupa fruta sapatos e os últimos gritos de Paris e ninguém teria motivos para se rir da desgraça alheia tome-se como exemplo o senhor Paulinho das feiras que antecedeu o ministraço na gestão do palácio das Necessidades ele que é uma figura preclara da santa terrinha e que virou recentemente homem dos 7 instrumentos e a quem se augura brilhantes prestações em próximas competições para PR da santa terrinha pois lhe é reconhecido o sábio dom de distribuir beijinhos com fartura(s) desfazer-se em desvelos múltiplos e prodigalizar simpatias aos molhos em feiras limpinhas pois bem o senhor Paulinho das feiras não se metia por atalhos borrados e não amandava bitaites foleiros de fazer corar frade de pedra aprenda senhor ministraço enquanto é tempo.

O ministraço que deu os parabéns ao seu colega da concertação social da santa terrinha não teve outro remédio senão oferecer o corpo às balas honra lhe seja feita! depois houve aquela do artista que exigiu a demissão do ministraço aliás na santa terrinha pede-se a demissão a torto ou a direito atreva-se um executivo da governança pública a ser apanhado a cuspir para o lado ou a sugerir que um opositor é um tapadinho da Silva ou a usar meias cada uma de sua cor e logo aparece um francelino a exigir a exoneração a piada do senhor ministraço pela escala de medição de ditos infelizes na praça pública até nem foi das piores não se pode comparar com aquela piada estronça feita por um ministrante de antanho dita em público sobre o alumínio de cadáveres nem se equipara à famigerada encenação doutro cromo ministrante que  desenhou com souplesse comprovada um par de chavelhos  com todos os matadores em pleno parlamento também fica aquém da atitude doutro ministrante fatela que voltou a casa de rabo entre as pernas por ter prometido tapona velha  a um comentador de trazer por casa que ousou  censurá-lo numa gazeta.

Agora o ministraço que deu os parabéns ao seu colega da concertação social da santa terrinha honra lhe seja feita mostrou arrependimento pediu desculpa por qualquer coisinha mesmo por não abandonar o seu posto de trabalho foi ao ponto de admitir que a concertação social é um bem a preservar e que merece o empenho de todos por mor do crescimento económico da santa terrinha mais disse que se deixou exaltar pela efervescência das feiras do gado onde a negociação é frenética idem na concertação social mas pelo-sim-pelo-não não voltará a repisar o tema por uma questão de decência e de tranquilização de consciências o que o situa na linha aliás daquele emblema clubístico da santa terrinha que deixou de dar vouchers para restaurantes quando o chefe doutro emblema se pôs a berrar que o rei ia nu.

Ato imediato a graçola do ministraço que deu os parabéns ao seu colega da concertação da santa terrinha foi aproveitada pelos vegetarianos que em público e em privado lembraram que se o mundo seguisse as pisadas deles não haveria piadas deste jaez por sua vez os comerciantes das feiras de gado rejubilaram com a publicidade grátis até consta que a respetiva associação já se prontificou a pedir tempo de antena para poder dar conta das propostas respeitantes ao crescimento do país e por acréscimo divulgar as respetivas atividades nesse sentido solicitou a associação o envolvimento da ilustre presidente dum partido da santa terrinha que gosta usar vestidinhos com kivis e de andar a cavalo a ver se conseguem formar uma equipa de lobismo que zele pela consagração dos objetivos que prosseguem.

A tirada do ministraço que deu os parabéns ao seu colega da concertação da santa terrinha foi útil às forças mais vívidas da nação porque teve o condão de desviar o enfoque do tratado que no essencial deverá facilitar mais contratação de colaboradores por menos dinheiro saído do bolso dos colaborandos o que naturalmente fede.

Projeto de criação de novos postos de trabalho

Batatívia 23 I.jpg

Ora bem, cavalheiros, eu diria que fizemos um bom trabalho!

 

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