Ladinices 11
- Tó, vai à janela e conta-me o que vês.
- Há pessoas com ar de quem vai fazer alguma démarche para os patrão e/ou chefe e outras que vão às compras.
- E que mais, que mais?
- Como referido anteriormente, chefe, há pessoas com ares com maneiras de se deslocarem para as compras, outras passeiam e poucas conversam.
- Tó, tens a certeza que não estás a mirar a televisão, olha que não te pago para isso, que andes a passear pela Net, vá lá, vá lá?!
- Penhoradamente garanto-lhe que não estou a olhar para a televisão, chefe!
- Então, conta mais coisas da rua, Tó, vamos a isso!
- Como tinha acabado de afirmar, há pessoas que conversam, umas sobre política, outras sobre futebol e outras sobre affaires.
- Brincamos, estás a fazer uso de binóculos, mandaste instalar aparelhos de escuta na rua, ou tiraste algum curso de leitura oro facial?!
- Receio não ter entendido, chefe...
- Tó, estava a perguntar-te se tens dotes de super-homem, ou se andaste a aprender leitura dos lábios, sem que eu para tal tenha sido alertado?!
- De modo algum, não disponho doutros meios senão da leitura gestual, chefe!
- Ena, pá, que não paras de tirar especializações, estás cada vez mais prendado, Tó!
- Para melhor o servir, chefe!
- Então, conta-me mais coisas, que mais vês na rua, Tó?
- Com todo o gosto, chefe! Como ficou dito anteriormente, há pessoas que conversam sobre affaires, o que é revelado pelas expressividade emotiva dos gestos, enquanto outras passeiam animais de estimação, havendo também quem se limite a olhar para o boneco.
- Muito me contas, Tó, tudo decorre como deus quer, verdade, Tó?!
- Como já ficou expresso acima, há quem olhe para o boneco e depois vê-se turistas aos molhos, chefe.
- Boas notícias, Tó, haja quem não nos desampare a loja e dê uma mãozinha no pagamento dos juros das dívidas.
- Eu não diria melhor, chefe, muito embora o turismo já nos motive, há muito...
- Terei percebido nas tuas palavras, algum reproche, Tó?
- De forma alguma, chefe, o que é bom para a economia é bom para mim!...
- Ora isso é que é falar! Já agora não notas mais nada, assim a modos de ajuntamentos de peticionários, de grevistas, de manifestantes do contra, ou a favor, nada disso, Tó?
- O chefe não para de me surpreender! Mas, vá por mim, se há desestabilização, logo surgem os média a querer tirar nabos da púcara, são lançadas suspeitas, os juros do serviço da dívida disparam, potenciais investidores dão o fora e ficamos feitos num molho de brócolos, se me é permitida a gíria, chefe...
- Há muito que és meu amigo e sei que falas bem e me alegras, muitas vezes, mas, insisto, temos ou não manifestadores à porta?
- Não confirmo, nem desminto! Como deixei claro, nota-se a presença de turistas e há ali uma malta junta, mas parece que estará a discutir as últimas da bola, chefe, tal o fervor posto na argumentação. De resto, chefe, acho que daqui a pouco vão à sua vida.
- Desde os Reis que ninguém nos bate à porta, Tó!...
- Permita-me que lhe recorde que essas pessoas que lhe cantaram à porta nos Reis vieram por bem, chefe.
- Tó, não é bem assim, quem bate à porta, fá-lo por bem. As pessoas chegam zangadas? Proponho, em tom falgoseiro, que abanquem e se sirvam de chazinho e bolos, que, depois, por faz e nefas, logo se encontra uma boa solução, a aplicar a breve, médio, ou longo prazo... Deixem lá vir a mim os diletantes, seus mauzões, que me fazem falta blandícias e benquerenças! A propósito, assegura-te que há provisões frescas!
(Tó ficou varado, de gestos perdidos, durante largos minutos. Quando retomou a sua postura habitual, ia a cumprir a ordem recebida, mas antes entregou-se a outra démarche: lançou mão lesta ao telemóvel secretamente consignado a ocasiões destas e similares. De conversa com um devotado amigalhaço, ficou combinado que, o mais tardar dentro de 3 dias, estaria à porta, nas boas, um séquito encabeçado por condutores de veículos acionados à mão ou ao pé, descontentes com o estado atual da profissão que continua a desvalorizar-se, a olhos vistos. Na oportunidade, Tó não resistiu a dar dicas e palpites sobre cartazes e memorandos. Não queria que nada faltasse ao chefe!...)