Falar por falar
A maior virtude dos que falam é calar o que não devem dizer.
Adágio
Juventino tinha-se na conta de bem-falante daí que não tenha provocado espanto a amigos e conhecidos ter-se vinculado a uma empresa que gere negócios de promoção de mercadorias porta-a-porta por telefone na Net em murais em calendários e panfletos até se sabe por amigos chegados que é sempre consultado aquando do lançamento de novos produtos pois as chefias apreciam muito os seus dotes e competência técnica em matéria de publicidade que segundo um renomado pensador é uma das formas mais interessantes e difíceis da literatura moderna portanto embora Juventino até ao presente não tenha manifestado a pretensão de investir em flores nos campos das letras.
Juventino nunca se esquiva a 2 ou mais dedos de conversa em tertúlias e capelinhas compartilhadas com amigos e conhecidos sendo relevante o gozo que lhe dá ao botar palavradura no entanto não é um não são dois os frequentadores desses encontros que o têm na conta de bitateiro contumaz tagarela indefesso dado a moquenquices desabridas traços que segundo familiares próximos terá herdado do seu avô paterno o qual fora vendilhão ambulante e mais tarde regedor de freguesia que ainda hoje é recordado pelo seu bom trato social excelente pela capacidade inata de acamaradar e pelo prestimoso virtuosismo em abafar jeremiadas.
Por falar pelos cotovelos e pela sua verve q.b. Juventino ganhou entre amigos conhecidos e também desconhecidos o epíteto pouco caridoso de picareta-falante cognome que foi abandonado assim que um astro refulgente e imarcescível da política bateu patente do cognome e sabe-se que não vale a pena fugir ao cumprimento do disposto nas regulamentações das patentes caso contrário arranja-se sarilhos sobretudo se a patente é promissora pelo-sim-pelo-não agora já o tratam de boquirroto para a esquerda boquirroto para a direita e dos lados nunca de frente mas não tem tanta piada.
Um dia um desconhecido saiu-se um com o velho anexim que quem muito fala pouco acerta aí o Juventino que tinha acabado de usar da palavra naquele grupo de reflexão afinou com a bojarda cresceu para o indivíduo a quem disse das boas inclusive mandou-o aquela parte aí o sujeito que se chamava António meteu o rabo entre as pernas e pés a caminho pois viu a coisa malparada o Juventino não se limitou a crescer na sua direção atirou um chorrilho de asneiradas com o vozeirão que deus lhe deu e para quem não sabe o Juventino é um latagazão admirador confesso da senhora Brites de Almeida mais conhecida por padeira de Aljubarrota cuja santidade espera seja na linha do condestável mais famoso da terra escusado será dizer que o desconhecido dirigiu os seus passos a Castela e nunca mais foi visto por aqui diga-se em abono da verdade que por acaso Juventino acha que quem muito fala muito atina contrariando assim o tal de anexim.
Noutra ocasião numa sexta-feira madrugada de sábado iam já os copos e as conversas mar dentro na tertúlia sem moderação amigos conhecidos e desconhecidos debatem num bar da naite a encarniçada problemática dos factos alternativos associados à pós-verdade na política dos factos assim não se estranha que tenha vindo naturalmente à baila o tema fraturante dos erros de perceção mútuos que podem enguiçar as interconexões entre políticos agora não se esperava que o Hermínio encaminhasse a charla para a conversão da Rússia e da queda do muro de Berlim certo é que o tema se impôs no resto da noite.
Juventino boca de ouro não é de modas ele que nunca havia ligado meia a decorrências e dissidências havidas à volta do muro de Berlim antes da sua debacle entende que o tombo da dita muralha nos idos de oitentas-noventas não foi evento normal pois a construção era sólida estava prevista para durar e lavar foi paga pelos próprios promotores além disso não foram cometidos por ali atos de sabotagem ou de terrorismo de relevo se a construção prevista para lavar e durar veio água abaixo num ai-Jesus o facto só pode ser sobrenatural eu seja ceguinho se ali não andou mãozinha das altas instâncias e estâncias celestiais neste feito de maravilha que foi tão só a parte 1 do miráculo porque no imediato se dá a conversão da Rússia de todo inesperada que é a parte 2 do mesmo milagre são assim a modos de verso e reverso da mesma medalha branco é galinha o põe!
Calma que o Brasil já não é nosso! atira o João Freitas indivíduo a quem dá comichão homem calado e mulher barbada o muro de Berlim foi à viola sem uma razão causal nítida mas o muro caiu e a Rússia e seus satélites puseram-se de catrâmbias e num fósforo foram de cavalo a burro aliás um requinte só ao alcance de deuses isto foi milagre mas a coisa para aí a conversão da Rússia a um rito único dedicado a um deus único solenemente ajuramentada a 3 compatriotas nossos deverá estar adiada sine die e programada para melhor altura por razões que estão no segredo dos deuses tenham lá santa paciência toda a gente sabe que os russos não mudaram de ritos as litanias e as liturgias feitas à luz do dia são as mesmas de antanho assim é impossível que um facto e um não-facto possam ser simultâneos embora haja milagres de muito jaez!
Poupem-me! diz António Garção acabadinho de ler O Dia dos Milagres nem em teoria admito que a queda do regime da Europa levantina tenha sido obra duma autoridade extrassensorial mesmo que deus quisesse mostrar que era virtuoso regressar à estaca zero para se fazer depois tudo direitinho ora tal não me parece jogar certo com a sua infalibilidade e com a sua idiossincrática presciência estava por certo alertado que a Rússia não constava da lista dos países predestinados a levar uma volta de 180 ou mais graus logo tal facto nada tem de sobrenatural aconteceu por força da história agora não tenho dúvidas que a Rússia está convertida ao rito único da democracia que é dom de deus isso é o milagre singelo sem partes distintas.
Nem tanto ao mar nem tanto à terra! brada estrídulo o José Tomás um cabouqueiro da verdade como soía intitular-se na secção das Cartas dos Leitores dum quotidiano entretanto desaparecido que deus me perdoe mas creio que ele nunca meteu prego nem estopa seja na eclosão seja na oclusão de revoltas ou revoluções coisas da competência de humanos ele terá mais com que se preocupar a mim o que verdadeiramente me preocupa é esta tendência de transmutação de erros humanos em vitórias divinas tenho como certo que a revolução russa trouxe pouco mas bom e que nunca é tarde para tentar mais e melhor vão por mim não houve milagre singular nem plural já agora alguém me sabe informar se deus sendo ele único e verdadeiro assinou algum contrato com os apoderados do capitalismo puro e duro?
Alto e para o baile! Juventino voz tonitruante e figura impante salta à liça a rejeitar argumentos alheios e a avivar os seus trunfos o muro de Berlim o pacto de Varsóvia e o Bloco de Leste acabaram em tiras assim em 2 tempos tanto quanto demora fazer estalar o mata-piolhos e o pai de todos da mão direita e isso se não é milagre vou ali e já venho mais a conversão da Rússia veio à boleia caso contrário não se compreenderia que muitos russos atualmente rezem a todos os santinhos para que os valham e não lhes caia o céu cabeça abaixo tenho provas e se as quiserem consultar até lhas mando por sms agora não me venham com conversas moles que ainda não se operou o milagre na sua plenitude ele já cá canta com parte 1 e parte 2 isto é tão certo como nascerem carecas os pintos de galinhas pressurosas adiante que se faz tarde e palavras ainda não tinham sido ditas quando massacrou uma mesa a murros.
Prejuízos saldados no dia seguinte Juventino passou em revista com um amigo do peito a tertúlia do dia anterior e de tal apuramento resultou claro que o total dos seus apoiantes excedia o dos oponentes mais o dos descrentes o dos que se mijaram a rir e o dos que morreram de riso circunstância que o deixou esfusiante!
Juventino tem razões apara continuar a nortear a sua vida também por 2 princípios sacrossantos falar claro e mijar direito venha quem vier até consta que por uma destas sextas-feiras mais próximas já se vê capaz de compor um livro que os filhos e as árvores podem esperar para outro dia noutra data!
Ter fé significa crer em coisas que nunca viste... como os teus pés