Verismo V
Antímio pelava-se por ver filmes de cobóis, quando era puto.
O script das coboiadas andava quase sempre à volta do seguinte:
- Um fulano bem aparentado, solto de movimentos, exímio no uso das palavras, dos punhos e dos colts chega, montado num alazão, a um lugarejo do Faroeste – assim se designam os territórios ocupados da América do Norte por anglo-saxónicos e ianques -, disposto a escrever direito por linhas tortas.
- De chegada, vai direito ao saloon que é o tasco lá do sítio, pede um copo de uísque - alto e bom som -, enquanto toma o pulso ao ambiente. Os clientes de má aparência física, que vestem às 3 pancadas, com barba de muitos dias, os que fumam tabaco reles, os que não têm estilo a riscar um fósforo, os que são apanhados a fazer batota ou a mandar bocas foleiras passam de imediato a figurar na lista negra do protagonista. Outros figurantes já constam do rol, retirados de editais estilo «procura-se vivo ou morto» pespegados em postes e que o herói transportava em sítio seguro, pois a captura de bandidos, à época ajudava a compor o fundo de maneio.
(A demarcação de campos facilita a interatividade com a assistência, que já estava de alma e coração com o justiceiro, naturalmente.)
- Os mal-encarados do saloon são assalariados dum tipo bera como a potassa que se tinha miseravelmente abotoado com as melhores terras - agrícolas ou auríferas –, com o saloon e com as meninas do show do saloon, não se furtando a implantar imparidades nas sucursais dos bancos locais (muito mal servidos de pessoal, diga-se de passagem), para além de se fartar de dar dicas ao xerife, ao padre e ao juiz.
- Na terreola ninguém levantava cabelo, sem o consentimento do malandrim, ou dos seus colaboradores. Não admira, pois, que os habitantes, de início, andem com cara de poucos amigos, com cara de enterro, ou de monco caído, acossados que estão por aquele bando de javardos.
(Invariavelmente a descoberta de semelhantes maquinações punha a assistência muito condoída, « mas vocês não perdem pela demora»...)
- A chegada do herói impõe mudanças conjunturais, com reflexos positivos no nível e qualidade de vida da população; pela cartilha, mais tarde ou mais cedo, o bandido que se apoderara do alheio - tinha ali chegado com uma mão à frente e outra atrás - seria corrido sem dó nem piedade, não se livrando antes dumas surras de criar bicho, dadas pelos bons (vem já dessa época a legitimação da bondade da força), ele maila trupe de malvados corrécios, ao seu dispor.
(Se não vão pregar para outras freguesias, às boas ou às más, saem à viva força, com os pés para a frente e a assistência aplaude.)
- O herói, guiado pelo seu bom coração, que ali está para mostrar serviço e pôr tudo na linha, associa-se quase sempre a um outro tipo porreiraço e a uma rapariga gira que lhe enche a vida e a cabeça de passarinhos chilreantes, assume como seu o dever a libertação do jugo exercido pelos sevandijas. Por mais armadilhas covardes que fossem montadas pelos sevandijas, por mais táticas de intoxicação intentadas pelos trastes, por mais manobras de extorsão e chantagem intentadas pelos bandidos, não há pai para os bons que levam tudo a eito e a peito.
(Cada bandido abatido é saudado da plateia com frenéticos hurras!)
- A terreola é devolvida aos legítimos sapadores e conquistadores, geralmente após um duelo entre o herói e o bandido mor, o último a ser abatido, que as escalas aqui também se impõem.
- De permeio, às vezes vêm à colação uns índios bons, que falam inglês às 3 pancadas, que ajuda as hostes bom do rapaz, o qual os deixava colecionar uns escalpes, à conta da pandilha. Mas, às vezes era o contrário: uns índios beras comá ferrugem obtinham escalpes à conta de pessoal bom. Escusado será dizer que mais tarde ou mais cedo os primeiro eram integrados nos subúrbios, enquanto os últimos eram pasto de abutres, francelhos e águias.
- Mais raramente, o herói associa-se a afroamericanos, por alguma razão liberados pelo sistema e que se dedicavam logicamente à causa dos bons.
- Lá mais para o fim, conseguia impor-se a paz social, cada um a garantir o funcionamento da rede de bens e serviços, com muita felicidade estampada na cara.
(Os assistentes também ficam contentes com a vitória do bem e regressam mais felizes à sua vida, a cumprir o seu papel. O cinema também tem destas coisas, integra!)
Antímio, quando era puto, tinha de desviar uns tostões à algibeira do pai, ou à carteira duma minha irmã que estava empregada e que era distraída, quando queria ir ao cinema. Mas, depois de um desenlace tão feliz, pouco importava que chovessem pauladas no corpo, ou impropérios na alma.
(O script das coboiadas fizeram estória e ainda hoje marcam o enredo e a moral de muitos filmes de ação, de muitos filmes de animação, de muitos filmes de drama, de muitos filmes de ficção, de muitos filmes de suspense, das comédias inclusive – os porno não são exceção -, porque os bons safam-se sempre melhor.
Antímio, esse continua a torcer pelo primado da lei e da ordem...
Ei, pessoal, vocês conhecem o código do Oeste? Preciso dele para entrar na Net.