Cenas do País Tetragonal (XXXIV)
A dialética do interesse é quase sempre mais poderosa que a da razão e da consciência.
Põem microfones em frente à dirigente sindical que não se faz rogada a dizer de sua justiça.
Que o governo da nação, em idos anos, entrara no caminho das reformas estruturais: cortes nos ordenados, deterioração da regulamentação de direitos e regalias da malta que dá o corpo ao manifesto, retenções na Segurança Social, amputações nas pensões de reforma, decapitações nos subsídios, congelamento de escalões profissionais, etc... As tesouradas penderam só para o lado dos que recorrem a sindicatos.Os mandantes d'então, em compensação deixaram cair, mais tarde, uns trocos no prato das esmolas que apenas chegaram para amendoins, tremoços e acepipes afins.
Os microfones continuam persistentes a colher impressões da dirigente sindical, como de tantas outras vezes – ela há muito que troca tudo por uma boa luta sindical – e ela não se retrai.
Que ao atual governo - ainda por cima suportado pelo partido político do seu coração - dá uma no cravo, outra na ferradura, que o respeitinho pelas reformas é muito bonito e dá jeito. Dá, por exemplo, para atirar o odioso das mexidas nas leis para os governantes que passaram à história, o que colhe simpatias, dá soltura e traz dividendos à governação atual. Esta não se revê apenas na distribuição de apertas e boquinhas pelos proletas, porque os credores e investidores estão sempre à coca, sempre a lembrar que em esquemas ganhadores não se mexe e que é preciso pagar, pagar e pagar, para continuar a ficar ao leme da jangada.
A dirigente sindical, a páginas tantas, tonitrua:
- Mas isto não fica assim!
Um plumitivo (que gosta de serrazinar) não se contém:
- Onde irá buscar o governo as verbas para a concretização das medidas que a senhora defende?
Que o país tem um défice das contas públicas que dá para esta vida e para os vindouros. Todos quantos escolheram nascer neste país terão sempre de pagar, pagar e pagar com língua de palmo, não há escapatória. Atualmente os turistas (a maioria originária dos países credores) estão a dar uma ajuda, é certo, mas dum momento para outro podem mudar-se armas e bagagens para outras paragens e entorna-se o caldo...
Não se engasga a dirigente sindical e, lesta, diz de sua justiça:
- Bastaria acabar com contratos leoninos estabelecidos com entidades e escritórios privados (que os temos bons ao serviço do Estado) e arrumar de vez as PPP (Parcerias Público-Privadas)!
Sentiu-se algum melindre, sobretudo em meios frequentados por causídicos. Não fosse a voz da senhora sindicalista chegar ao céu, decidem-se passar ao ataque que é a melhor defesa. Porque sabiam que os atuais governantes se atreveram a inscrever, na proposta do OE2018, que os síndicos talvez entrassem com mais umas notas para os cofres da Fazenda (são de domínio público as fracas prestações da classe), ora os togados dizem-se injustiçados e que não pagam, não pagam e não pagam (a coisa já se terá resolvido a contento, no sossego de gabinetes, um processo mais presentâneo).
Entretanto há também garantias que as PPP já fazem parte da paisagem, que vieram para ficar. Onde já se viu acabar com a AT (Autoridade Tributária), com a CGD (Caixa Geral de Depósitos), com a DGS (Direção-Geral de Saúde, com o CPC (Conselho de Prevenção para a Corrupção), nem pó?! Além do mais, elas estão protegidas por contratos altamente sofisticados (os laborais são mais fáceis de trambicar).
Portanto, a senhora delegada sindical arrisca-se a levar mais uma tampa, mas o senso comum aconselha a que volte à carga, que este é também um tempo de forçar boas colheitas (os robots estão à pega e os donos dos melões preferem-nos).
No outro dia, um amigo da sindicalista veterana lembrou-lhe esta tirada do Sr. José Luís Peixoto: «Desistir, como morrer, não é sempre mau. Há vezes em que não se pode evitar. Desistir, como morrer, não é sempre mau. Há vezes em que não se pode evitar. Todos nos dizem continua, continua, mas é o mundo que desiste, inteiro, à nossa volta».
Ela comoveu-se, por isso prometeu que vai ficando,que paga para ver.
«A experiência no ganho diminui a canseira» - Sabem-no bem mandantes, mandatários e mandaretes; para ganhar, não basta ter o melhor plantel, basta a palavra certa, à pessoa certa, no lugar certo.
Por isso vão sempre ficando, na maior.
Pinóquio sonhou em transformar-se num rapaz autêntico; até que se apercebeu que os rapazes de carne e osso se transformam em homens de carne e osso que pagam impostos a sério.