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oitentaeoitosim

28
Abr18

Desgueibas (1)

Jorge

i - As ordens militares soltaram-se, os peões de brega progrediram, as máquinas de guerra acometeram e houve devastação. Construções e património ficaram esfarelado(a)s, pontes foram derribadas e muitos outros equipamentos ficaram inutilizados. Mais importante, muitas vidas humanas (de não militares) foram ceifadas, outras ficaram definitivamente estropiadas e outras escaparam por pouco.

No cenário de guerra, umas quantas câmaras de gravação levaram as más novas ao mundo, sobre aquela hecatombe sem justificação formalizada, tirante a óbvia acumulação de espólios.

Por isso, ninguém apontou o dedo a ninguém.

Eu posso assegurar que fiquei com muita pena.

(Na guerra e no amor é tudo permitido?)

Guerra 1.jpg

Eu amo-te. Não me apetece falar de táticas militares contigo.

 

ii -Um grupo de senhoras proprietárias e moradoras em bairro habitado primacialmente por gente bem remunerada, desceu à praça pública, a contestar a construção de equipamentos urbanos numa área verde do bairro, paredes-meias com uma escola básica do 1º ciclo e uma creche ambas frequentadas por criancinhas que fluíam naquele espaço.

Para ali, a edilidade tinha aprovado a construção de uma novo templo, com adro, centro paroquial, estacionamento subterrâneo e casas mortuárias.

Que o projeto pecava pela volumetria em demasia, eis um argumento de peso.

Eu posso assegurar que, à mistura, havia muita pena dos menores.

(É penoso lidar ou fazer lidar com o fim da vida, quando se está no seu começo.)

 

EDEN.jpg

A minha mãe disse-me que Eva foi criada em segundo lugar, para que nós mulheres pudéssemos ter sempre a última palavra.

 

iii - Há dias, um senhor de longa prática de vida em regiões depressivas falava do contentamento que deveria sentir quem dispõe duma torneira ao alcance. Talvez metade da gente deste planeta que é de todos – seja permitida a aleivosia - usa sistematicamente água canalizada, potável e de qualidade aferida, mais dentro de portas, seja na alimentação, na higiene pessoal, ou na produção de mercadorias e geração de valores. Invariavelmente a água consumida cai das nuvens - que maldizemos, quando poucas bátegas nos dão, ou então quando se abatem em períodos de sobra, de lazer, ou a caminho do trabalho – e posteriormente é carreada até aos fogos habitacionais e de produção.

À outra metade que falta da população da Terra falha o precioso líquido que chega aos locais de produção e de habitação raramente límpido, cristalino e inodoro. E chega, quando chega, quando não as pessoas deslocam-se a armazena-lo nas nascentes, furos, ou poços. Depois essa água é dirigida para os veios que a leva aos diferentes locais de consumo.

O senhor falou daquilo com muita pena.

(O comentário do senhor deixou-me mal com esta vida, temos pena!)

 

Falta água.png

 

O outro desafio do balde

(Poço a 3 km)

 

 

14
Abr18

Cenas do país tetragonal (XXXVI)

Jorge

    Os pirralhos de seis anos da santa terrinha são obrigados a ir à escola do primeiro ciclo do ensino básico depois mudam-se para uma turma de segundo ciclo do ensino básico mais tarde passam a uma escola do terceiro ciclo do ensino básico e acabam o percurso obrigatório numa turma dum estabelecimento de ensino secundário caso não haja nenhum chumbo terminam a escolarização aos dezoito anos e até podem frequentar todos os anos no mesmo estabelecimento de ensino só que em secções distintas caso os pais ou quem por eles façam a vez se furtam salvo seja a enviar para a escola os seus rebentos são quase sempre chamados à pedra e levam que contar bem-feitas as contas são doze aninhos de aprendizagens para um dia dar o corpinho ao manifesto sem trabalho não se fica bem no retrato não se é bom pater-familias e não se sobrevive à maneira.

     Acontece que nestas escolas básicas e secundárias ninguém paga propinas as refeições são baratuchas e até os manuais pelo andar da carroça serão todos à borla quem faz questão de pagar propinas perdão matrículas inscreve os seus rebentos num externato ou num colégio privado que se enchem de betinhos que não gostam de misturas e onde se diz que a ensinança é mais esmerada e recatada o que geralmente produz melhores resultados e impõem os colégios e externatos no topo do ranking das escolas básicas e secundárias às vezes a coisa não é assim tão linear porque os colégios aceitam alunos por favor porque não há no horizonte local escolas oficiais e por conta disso as escolas privadas recebem fortes apoios do ministro da pasta certo-certo é que os governantes da santa terrinha gastam cada vez mais dobrões a contratar professores que cada vez menos gastam cada vez maiores boladas a contratar funcionários auxiliares que são cada vez menos para ensinar alunos que são cada vez menos porque a natalidade já não é o que era dantes.

     Nos politécnicos e nas universidades da santa terrinha a coisa pia mais fino aí cobra-se propinas altas aos jovens e às jovens que se atrevem a frequentar o ensino superior mesmo nos politécnicos e nas universidades oficiais se calhar por isso mesmo alguma malta que acabou o ensino secundário fica pelo caminho a verdade é que nem toda a gente pode ser dótor caso contrário não tínhamos gente que ocupasse postos de emprego vitaliciamente mais modestos em paga mas na santa terrinha também há politécnicos privados e universidades privadas para satisfação das necessidades dos universitários que não gostam de misturas e que apontam a cargos de topo que não empregos onde se tomam as decisões que guiam os agentes económicos e regra geral esses politécnicos privados e essas universidades privadas que ocupam os lugares de topo do ranking das instituições de ensino superior da santa terrinha e algumas até figuram em bons lugares do ranking das instituições universitárias estrangeiras e parece que a tendência é continuar a empregar mais profes que se fazem por geração espontânea ao que parece dando razão ao ditame que toda a gente sabe ensinar bem por acaso cada vez se gasta mais em profes que são cada vez mais cada vez se gasta mais em funcionários auxiliares para dar apoio a cada vez maior número de alunos que a baixa da natalidade não tem feito mossa no ensino superior até ver.

    Na santa terrinha as criancinhas de idade inferior a seis anos já chegam às escolas básicas do primeiro ciclo a dominar os rudimentos da leitura e da escritura da língua mátria e pátria antes andaram em creches infantários ou jardins-de-infância onde aprendem sobretudo a socializar e não só a ver televisão mas a verdade seja dita os governantes da santa terrinha não morrem de amores para o ensino pré-primário não constroem muitas creches infantários e jardins-de-infância isso é sobretudo negócio para os empresários privados do ramos e para as ipss que muito enformam os petizes e as petizas de qualquer forma os governantes da santa terrinha são uns mãos largas em apoios e subsídios ora sabe-se que os pais muitas vezes passam por grandes ralações para arranjar uma creche um infantário ou um jardim-de-infância para os filhos ou filhas eu acho que os governantes da santa terrinha não apostam muito no ensino pré-primário porque não é ainda a idade certa para o Estado intervir primeiro que tratem outros de burilar as mentes tenras caso contrário para apostar na preparação para a vida que é dignificada pelo trabalho aliás isso mesmo recomendam as correntes mais esclarecidas da pedagogia e da didática.

      Na santa terrinha a maioria dos anciãos e as anciãs são reformado(a)s ou pensionistas que já não tem de alinhar com a lancheira às costas com o estresse peculiar das jornadas de trabalho e com as viagens de ida e volta para as velhotas e os velhotes retirados do ativo e a alinhar no passivo é mais sopas e descanso pois já deram o que tinham a dar talvez por isso os governantes da santa terrinha não apostem muito na construção de lares de terceira idade ou de casas de repouso deixam isso mais a cargo de empresários privados do ramos e para as ipss tal e qual como agem em relação à infância primeira de qualquer forma os governantes da santa terrinha dão lautos apoios e subsídios às pessoas e instituições que criam e mantêm lares de terceira idade e casas de repouso mas mesmo assim é penoso às vezes arranjar sítio onde as velhotas e os velhotes possam exercer finalmente um descanso merecido pois bem se dignificaram a trabalhar sendo que merecem agora estar na sossega ou deambular pela santa terrinha e pelo mundo fora caso as reformas e pensões suportem tais ambições e não sejam consumidas a tapar buracos dos descendentes a comprar comidinha e a tratar dos achaques gerontológicos que são fatais como o destino.

tartaruga.jpg

«Podes discordar de mim, filho, mas quando tiveres 500 anos, verás que tenho razão.»

 

 

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