Close-up 3
A golpes implacáveis de machado facilmente cedem sobreiros e carvalhos robles.
Rosalia de Castro
O senhor decidiu dar a cara e intervir na política oficializada, de Portugal, ligando-se a um partido situado na extrema-esquerda do espetro político democrático.
Pelos cânones, dado que aos militantes da organização estão acometidas ações de defesa dos cidadãos mais desfavorecidos, só um émulo do banqueiro anarquista do Sr. Fernando Pessoa se lembraria de imiscuir-se em manobras empresariais, sem se dar conta da (latente) incongruência.
Pelos cânones, os empresários ger(a)m a iniciativa privada, sacam bons prémios e vivem na maior, quando os mercados os favorecem; a maioria dos cidadãos dignifica-se a trabalhar por conta dum salário curto; de permeio, o Estado zela pelos direitos e pela qualidade de vida de todos os cidadãos e dá-se por satisfeito, quando não há conflitos (os cidadãos não são todos iguais, como fazia questão de lembrar recentemente uma raríssima e contumaz senhora).
Pelos cânones, comprar prédios e ceder à especulação, assenta bem a quem defende e pratica a iniciativa privada, prática essa que assentaria mal aquele senhor, apostado que estava na luta contra a exploração dos trabalhadores.
Pelos cânones, assenta mal aos bons samaritanos, aos escuteiros sociais, aos apiedados da pobreza exibirem-se como o tio Patinhas, fadado apenas para olhar para o seu umbigo; agir como o pato Donald (grande pachola!), altruísta como poucos da sua espécie, é o que se lhes pede, sem ceder à usura, ou, pelo menos, sem a mostrar na praça pública...
Ora, o senhor apostou (de parceria com uma familiar, a qual não deveria estar para cantigas da carochinha) comprou um prédio e preparava-se para arrecadar dividendos pingues, com a cedência do imóvel para negócios de arrendamento local.
Ora, o senhor tinha sempre exorcizado, na praça pública, a especulação imobiliária, a tal que atualmente engendra lucros capitosos no alojamento local (até ver) e bem dispensa a procura do arrendamento de casas para habitação prolongada.
Ora, desse jeito, o senhor esborratou a pintura toda, antes tivesse pregado aos peixinhos - como o fazia tão ardilosamente o Sr. S. António de Lisboa, no seu tempo, para desopilar -, sobre os malefícios sociais das práticas capitalistas, por exemplo, ou sobre os malefícios da (recém-descoberta) gentrificação, ou ainda sobre a obtenção de mais-valias pela porta do cavalo.
Ora, o partido a que o senhor estava vinculado só tomou conhecimento do negócio montado por aquele seu militante, ilustre vereador na edilidade da capital do reino, já a procissão ia no adro, quando alguém soprou a novidade ao ouvido dum jornalista; aí os responsáveis fizeram saber que tinham comido, mas não tinham gostado.
Foi quando adversários políticos, sobretudo à direita do espetro político, lembraram ao senhor que a superioridade moral é como as vitórias morais, não interessam nem ao menino Jesus.
Foi quando um perito de Economia lembrou que o respeitinho pelas convenções sociais é muito bonito e aconselhou a que o senhor crescesse e depois aparecesse a investir declaradamente, sem falsosprurido.
Foi quando um perito de Finanças lembrou que mais depressa rebenta a bolha especulativa do que muda o apego às sacrossantas e democráticas leis dos mercados e outras convenções que fazem funcionar as democracias que estão em vias de expansão, a par da globalização.
Foi quando um popular lembrou que quem não quer ser tomado por lobo não lhe vista a pele e que andava cansado de ver sempre a mesma fita, repetida pelos mais ou menos prendados políticos profissionais da praça.
Foi quando o partido, numa tentativa da preservação dos seus princípios e valores, o mandou dar uma volta ao Bilhar Grande e ele foi!...
Quando você diz que eu tenho dificuldade em comunicar com os meus colaboradores, o que quer dizer exatamente com isso?