Maneirismos (4)
A mercadoria de maior valor é a informação
I
Lopo retirou a máscara cirúrgica - com ar de ter andado em muitas guerras -, às 3 pancadas. Dobrou-a em 2, de mãos desnudas e, sem mais cautelas, pespegou-a no bolso esquerdo traseiro. Afinal um ritual corriqueiro…
Vinha de remexer contentores de lixo, à procura de ferro velho para reciclagem, assim faz uns trocos. Habituou-se aquela vida e não quer outra coisa, contra a vontade expressa da família extensa, farta de lhe recomendar que privilegie um trabalho formal. Deu-lhe para acolher monos a dar com um pau, num armazém, perto da residência, para mais tarde os vender na siderurgia.
Lopo usou aquela máscara, todos os santos dias, uma semana a esta parte e disse a quem bem o quis ouvir, que ainda não chegou a hora de a entregar ao contentor do lixo comum, venha algum metediço convencê-lo do contrário.
II
Angélica, ao reentrar em casa, cansada como habitualmente, retirou a máscara cirúrgica, manuseou-a com todos os desvelos e, ato imediato, dependurou-a, no braçal da sua cadeira preferida. Sem tempo a perder, atirou-se ao jantar que naquele dia lhe competia fazer. Sem que se apercebesse, o cão lá de casa deu umas quantas lambidelas à máscara que caiu ao chão; ocorreu, pressuroso, o filho que a repôs no braçal da cadeira, e não se lembrou mais de prestar contas à mãe pelo sucedido.
Floripes, mais tarde, acondicionou a máscara, de 3 dias, em saco de plástico, envolta em guardanapo novo, para a voltar a usar no lufa-lufa do quotidiano, só até amanhã.
III
Lopes ia pela rua central da povoação, quando lhe apeteceu cigarrar. Puxou para o pescoço a máscara cirúrgica que levava entalada na cara, acendeu um paivante, enrolou umas quantas fumaças, atirou a pirisca ao chão, à confiança (já o ouviram defender a teoria que os agentes da autoridade não estão particularmente vocacionados para enxecar a populaça por tão pouco) e, ato contínuo, voltou a repô-la na posição convencionada.
Lopes, desfaz o puxanço daquela máscara de 1 semana as vezes que bem entende e sempre que cede ao apelo da sua dependência, ele nunca foi pessoa de tratar com muitos desvelos os adereços de vestuário, que nunca se habituou a requintes na sua vida.
IV
Angelina não quer ouvir falar de máscaras, a pandemia é uma brutal intentona, por detrás duma inventona, ou vice-versa: diz-se que há um novo vírus mortífero; se ele existe, foi criado por forças obscuras; as vacinas nada resolvem; os gajos que montaram a cabala estão feitos com grandes empresários que querem menos gente por aí, eles acham que o mundo não chega para todos. Verdade pura e sagrada!
Angelina tem uma máscara cirúrgica, há muitas semanas, uma atenção da sua autarquia local e não lhe dedica especiais atenções; só a põe, às 3 pancadas, quando lhe cheira a multa, ou a forte chatice, como daquela vez em que foi ameaçada, à porta dum restaurante que servia comidinha takeaway (estava bem concorrido, no momento), por uma outra cliente mais afoita que lhe exigiu a proteção devida, só ela não estava a preceito.
A grei sofre, se a sapiência cede o passo à insciência.