Ouvi ou li (XI)
A notícia um reporta a recuperação de um banco vindo da penúria, mas que foi capaz de impor por fim uma estratégia de sucesso (impensável, há meses atrás). Os resultados estão à vista: mais de quatro centenas de milhões a locupletar os cofres da instituição. Mais corretas estratégias de mercado terão dado fruto, mas pelo-sim-pelo-não o banco lá abateu umas sucursais e pessoal ao rol. Há quem tenha jeito para cortar nas gorduras.
Outro bom sinal para a navegação (felizmente que outros têm sido apregoados, já não era sem tempo)! As contas da nação têm andado aos baldões, os macaréus puseram-se bravios, o barco quase naufragou, mas aguentou-se no balanço, aliás uma situação recorrente cá por casa. Com lucros pingues, isto vai! Venham mais cinco, mais dez, mais centenas de empresas que deem a volta ao texto e a recuperação será coisa de dias (senhores do olimpo, vocês deixam, não deixam?).
O banco fez um balúrdio, indicador que a felicidade- ela que convive paredes-meias com a fortuna - não se cansou deste rincão.
Com humildade, deve aceitar-se o bem conforme vem.
(Era patente o contentamento pelo conseguimento na fácies dos administradores da instituição – os trabalhadores terão também farrado a preceito - e no tom de admiração na voz-off da senhora jornalista.)
A notícia dois fala de um antigo banqueiro que anda a percorrer um calvário (impensável, há anos atrás!): terá metido água, terá feito más apostas e mais trinta-por-uma-linha. Chamado à pedra e aplicada uma resolução, enfrenta de peito feito uma travessia do deserto, provavelmente até ao gólgota (quem sabe?).
Um mau sinal para a navegação! O senhor foi um renomado benfeitor da nação e por aí deveria ter-se quedado. O banqueiro caído em desgraça, ainda não perdeu a face, mas para lá caminha; os indicadores conhecidos caraterizam mais um lázaro pestilento que um benfeitor renomado, uma queda espantosa. Ele tenta, quand même, resistir a multas, a processos e a inquirições, mas está difícil manter-se à tona da água.
O banqueiro terá derrubado o seu próprio império, facto que levou muito mal-estar a muitos lares. Ele perdeu um balúrdio, mas mantém que o apanharam à má fila, ao virar da esquina e não com as mãos na massa. Percebe-se, até lhe ficava mal que tal não dissesse: em terra em que a culpa morre solteira, zele-se os pergaminhos!
A quota de felicidade- vive paredes-meias com a prosápia social – a que tem direito estará um pouco desvalorizada, é certo, mas dela não prescinde o antigo banqueiro, tomem nota os conjurados e todos os mercados!
(Percebe-se altivez e contenção na fácies do senhor que já deu de mamar e mudou os cueiros a muita gente importante da praça e ainda alguma mortificação na voz-off do jornalista.)
A notícia três refere de despejos, muitos despejos de pessoas com lágrimas que rumaram a casa de amigos, de familiares ou mesmo à rua, por não lhe sobrar guito com que se paga as rendas ou as mensalidades (impensável há muitos anos atrás!) e compra as melancias. Gente que tem vindo denodadamente a contribuir para que outros amassem grandes plutos. Curiosamente, para os deserdados a execução das sentenças não demora mais que um fósforo.
Que seja possível ter saúde, amor e algum dinheiro q.b. para levar uma vida que não envergonhe, parece ser o seu ideal de vida (pode ser?) para muitos que sofreram a dita ignomínia. Gerir bancos ou fortunas, levar uma vida de lorde, nunca esteve nos planos dos atingidos pela crueldade, uma marca cada vez mais gritante da conjuntura atual e da estrutura reinventada, garantidamente. Não são competitivos. Ora assim se põem a jeito que o mal lhe entre porta adentro (ou fora?)
Este é um mau exemplo: não ser capaz de juntar bom dinheiro, embora não seja pecado, atrapalha a vida individual e coletiva. Se o empreendedorismo fosse a meta de todos, outro galo cantaria na pátria...
Este é simultaneamente um caso exemplar: perceba-se que uma sociedade só funciona bem, quando há poucos a ter muito e muitos pouco!
(Os compêndios não são taxativos quanto a isto, são ilustrativos. A competição é inimiga das maiorias, que se lhe há de fazer...)
Bancos com lucros pingues poderão ter beneficiar destes despejos; antigos banqueiros caídos em desgraça também poderão ter colhido benefício de despejos de pessoas que não estão em primeiro plano. As pessoas abandonadas à misericórdia ficam embasbacadas com os números das fortunas, mas é bom para a pátria...
Em tempo de raiva, fajeca e penitência (outra troica), a misericórdia lidera, a justiça espera.
Muita cabecinha pensadora acha que a felicidade também é possível, se dela se prescinde, com alguma habilidade à mistura, ora bem!
(Percebe-se alguma mortificação na voz-off da senhora jornalista e do senhor jornalista que fizeram a locução em tandem. Os visados não dão a cara, ou as imagens são turvadas, porque chocam, não se sabem bem a quem.)
PS: As 3 notícias jorraram, por esta ordem, de um rosto enquadrado por todos os tiques da objetividade que já teve outra apresentação.