Sempre que chove, é um dilúvio…
Olha que a vida não é, nem deve ser
Como um castigo que tu terás que viver
António Variações
Sujeito nasce aureolado de quotiliquês, de pernas e mãos atados pelo venial pecado que é de trabalhar para o mercado estruturado. Face aos decálogos de direitos & ca lda correlata, tem como certo o usufruto das 7 maravilhas do mundo, do país, da comuna e da aldeia, ali mesmo à mão de semear. Tem para si que ninguém ousará usurpar o quinhão de bem-estar, de felicidade, de ascensão social inatos à democracia, o sinapismo indicado para toda a peçonha. Começa em gaiato por acumular créditos, que é quando o pepino se deve pôr a torcer. Sem se saber ler nem escrever, atira-se, de alma-e-coração, ao percurso académico da praxe.
Sujeito adulto, enfrenta decisão de monta: ou se integra num primeiro lote de indivíduos que casam precocemente, têm filhinhos e ganham para despesas, ou vai para um segundo lote, em que estão os que buscam voos mais largos, apontam ao topo, continuam a estudar até ao fim da linha e só acasalam, criam rebentos e se afadigam a fomentar a conta bancária, mais tarde. Mas, se os créditos forem muitos, pode aspirar ao terceiro lote, o dos salvadores da pátria, os quais arrebanham casamentos, filhos e vil metal, em prol da comunidade.
Num dia de crise, teve que optar, para o que lhe é concedido um período probatório, luminosamente negociado pelo seu anjo da guarda com as potestades em que conseguiu. Não desmerece dos preceitos cristãos, pelo que começa pelo bom e pelo melhor, pelo 3º lote. Goza da liberdade dele e dos outros, encontra graças no desfrute da propriedade, compra quitandas, aposta em roletas e capitaliza réditos e créditos, que põe em descanso em cofre-forte.
O estágio no 2º lote dá para experimentar as passas do Algarve (a bagaceira do medronhal, nem cheirá-la!), ora distribui conselhos aos poderosos com quem colabora a bom preço e de quem apara os golpes de bom grado, ora vê-se de bolsos rotos, sobraçando garrafa volumosa de ginjinha de Óbidos, ora vai de seca para meca a recibos verdes (dos verdadeiros e dos falsos), comendo por tabela. Quando se convence que os vampiros tinham chegado com a gripe A, põe-se a gritar ao vento que passa e quiseram, pelo que esteve na eminência de ir malhar com os costados ao frenocómio mais próximo. Safa-se por uma unha virtuosa de um arcanjo de serviço ao estaminé, em dia de féria do usual angélico protetor.
Com os do 1º lote, sofre tormentos de Tântalo, enfrenta as 7 provas de Hércules, vê-se entregue à bicharada e quase termina os seus dias agarrado a um cobertor, debaixo de uma ponte, esquelético de esperança, com poucas forças para sacudir as moscas que o importunam. Um dia dá de caras com o sr. Tobin que, ato contínuo, lhe açula um rottweiller às gâmbias, numa troca de identidade comprometedora; mas que ele é possuído de feições e ademanes de Rockefeller, isso está comprovado. Safa-se, pela intervenção de um querubim, ocasional substituto do seu anjo da guarda (que passava pelas brasas).
Fez coincidir a decisão final à do TC sobre a inconstitucionalidade do deve-haver pátrio e mátrio. Três hipóteses estão sobre a mesa: viver num bairro degradado e clandestino (estilo Mombai, com turistame, à coca), encafuar-se num convento de frades cartuxos, ou governar uma sucursal bancária, de grossas comissões à cabeça.
Acaba no deserto do Atacama, a cultivar peixinhos da horta e a investigar a influência da luz das estrelas na incipiência genética da árvore das patacas.
No dia da abalada, decorre um congresso de banqueiros (falam grosso, atroando os ares com seus narizes-de-cera), um canal televisivo faz uma gala (de audiência superlativa e clangorosa), espraia-se uma marcha-ó-filambó (o rei desfila coberto pelo manto diáfano da Verdade) por avenidas ricas, outras pelintras, realiza-se um peditório nacional para as vítimas de um maremoto (o bem, como a pintura, de longe é que se procura, reza a publicitação do ato falhado) e capitalizam-se indulgências.
O lodo prolonga-se por barras, cais e passadiços…