Mutatis mutandis
2 excertos de «O milagre segundo Salomé» - uma pérola literária -, de José Rodrigues Miguéis
A - «A capacidade tributária está esgotada, as forças vivas amolam-me, vivemos da mão à boca, de duodécimos, mata-se a gente para conseguir dinheiro a seis e mais por cento, e nem assim…»
(Desabafo do presidente do Ministério - 1º ministro – para Zambujeira, in « O milagre Segundo Salomé 2»)
B - «Portugal (escrevia ele nos seus Apontamentos) é um «doente da História», perpetuamente obcecado pelos perigos, reais e imaginários, que lhe ameaçam a integridade; nós, os Portugueses, sentimos, pensamos, falamos e agimos como vítimas da História; como se uma força oculta e contrária nos houvesse roubado o Futuro Prometido, esse múltiplo himeneu de glória, poder, virtude e prosperidade: frustrados, descontentes, consideramo-nos credores da humanidade inteira e, não vendo claro nos nossos erros e virtudes, procuramos sempre alguma coisa ou alguém a que atribuir o fracasso de esforços seculares – afinal só relativo, pois muito fizemos nós na medida das nossas forças ou fraquezas! Esta «psicose da frustração» (à parte os pormenores) leva a duas atitudes fundamentais: a dos que, contra ventos e marés, teimam em retornar ao Paraíso Perdido, e à ideia dele se agarram como náufragos desesperados à tábua de salvação, amargamente condenando tudo e todos que tenham contribuído para o desastre (…) Estes passadistas não cresceram ou amadureceram historicamente, e são incapazes de ouvir e entender o mundo, exceto para lhe pedir emprestada uma doutrina, gozar-lhe os frutos, a modernidade e as distrações. A outra atitude mais racional e positiva, embora por vezes passional também, é a dos que, sem largar o bordão da História, supõem que a dada altura do passado cometemos um erro ou uma série de erros que nos transviaram, e que nos bastará identificá-los e corrigi-los para reentrar no caminho da felicidade.»
(Reflexões de um militar bem-intencionado, major Tristão Barroso, in« O milagre Segundo Salomé 2»)