Isto não dá para todos I
. A regra de ouro dos orçamentos do Estado, imposta pela União, institui algumas regras que parecem réplica do código das falências das empresas: quando falhar o graveto, primeiro paga-se aos credores, depois, caso sobrem taeis e anéis, os salários e pensões. A crer na maioria dos votos a favor, trata-se de fomentar a solidariedade com as gerações de futuros portugueses (uma questão a rever essa questão da infalibilidade da naturalidade), situação inimaginável, aqui e agora. Cuidados e caldos de galinha não fazem mal a ninguém…
. Se for na rua e gritar «agarra, que é ladrão!», terá à sua volta muitas cabeças e muitos olhares compenetrados e compadecidos. Se, por puro acaso, a interjeição for ouvida por um polícia de giro, pode acontecer que o ladrão de estrada seja dominado, derribado e encafuado, se houver razões incriminatórias. Milhares de pessoas estão fartas de gritar que há por aí muito mariola a gamar as buchas e os cobres da malta; avançam-se provas, põem-lhes a cabeça a prémio, mas ninguém mexe um dedo para os porem a precato, de casa e pucarinho, na choldra (na cadeia e no hospital, vês quem te quer bem e quem te quer mal), a ver o sol aos quadradinhos. Os regulamentos são diferentes para quem tem maioria de votos e para quem, votando, não tem voto na matéria. Um país, 2 sistemas!...
. Um apresentador de notícias assiste a uma peça, em direto, em que são entrevistos e entrevistados velhotes a debitar figuras tristes, numa veneranda instituição, orientados por dedicados monitores e durante festividades carnavalescas. Tá visto, há gente com a diversão à flor da pele, mas não mora cá. Ser-se mãozinhas, desenrascado em pequenas operações e reparações provoca dissimulação, fuga à exposição pública. Malta expansiva, nestas condições, só de fabrico, ou com os púcaros. «Fantástico!» - comenta, enlevado, o pivot das notícias que é danado para a brincadeira.
. Um pequeno número de autarquias esmifra-se para dar livros, refeições, remédios e até pagamento de faturas a gente comprovadamente aflita e que se habilita. Bem hajam esses bravos que se condoem com a humilhação do próximo. Opróbrio que nunca atingiu os Catilinas, almas danadas do poder centralizado indígena, capazes de fazer omeletes sem ovos, para o que basta fazer estalar os dedos (sem os entalarem). E ficam à espera que os patrícios batam cabeça e 3 dedos, em agradecimento. Agiriam assim os «kapos»? Saúde-se os autarcas que não desmerecem de Sousa Mendes.
. Um comentador insinua que as medidas do resgate do país não passam pelos governantes daqui; quem mais ordena está sedeado lá fora. Atente-se em ilações. Primeira: os governantes de entre portas agem por imposição de figurões - passam a vida de faca e queijo na mão – que residem no Capitólio que não na rocha Tarpeia que fica aqui. Segunda: resulta de démarches de big bosses exógenos a cumulação de miminhos prodigalizada aos proprietários internos de grossos cabedais, enquanto a plebe se vê acorrentada ao absurdo da tarefa imposta a Sísifo. Terceira: de ententes e entidades exteriores depende a dieta, o emprego, as dívidas, as crenças do país. Quarta: os epígonos internos dos mandões externos não merecem enxovalhos, pelo que brandir punhos, verter choros, exibir maleitas, contar lamentações e trautear cantorias só em Berlim, Paris, Londres, ou mesmo em Beijing e Washington ficariam a matar. Moral da estória: sem chauvinismos, discuta-se o sexo dos anjos, mas comece-se o debate pela bondade dos ataques de lucidez.