Isto não dá para todos II
- Zé, vai à janela e diz-me que vês.
- Um mar de gente, chefe.
- Quantos?
- A praça está cheia, para cima de 500 mil, por certo.
- Que fazem eles?
- Gritam, apupam e chamam nomes feios ao chefe.
- Ninguém entende a minha missão.
- Muito espinhosa, por sinal, chefe!
- Assim é, levar a grei a bom-porto, custa pra burro! Fui escolhido para o resgate e tenciono cumprir, não vou deixar cair amigos e parentes na lama.
- A multidão acha que devem ser renegociados os prazos de pagamento da dívida.
- Liga-me aí à Ângela.
- Meine liebe, posso contar com mais tempo para me ver livre do calote, uns 50 anos?
- És mesmo anjolas, daqui só levas 8 anos, quiducho, e é um pau!
- Danke! Vês, Zé, a falar é que a gente se entende.
- O povo diz que não tem estaleca para enfrentar a dívida acumulada, mailos juros.
- Liga-me aí ao Cherne.
- Camarada, vê lá se convences o BCE a aliviar a carga, juros mais maneirinhos, que sei eu?!
- Camarada, estou de pés e mãos atados, talvez conseguisse tirar uma décima-milionésima.
- Antes isso que nada, fico-lhe a dever uma.
- O povo também não quer a refundação do Estado, chefe.
- Chama aí o Escurinho, Zé.
- Amigo, dá para transferir para as calendas gregas, ou para o tempo do rei quinze a refundação?
- Tarde piaste, a corda está toda esticada e já não é tempo nem para folgas, nem folganças.
- Ó sorte marreca, lá dizia o meu avô, antes a perestroica que a troica!
- O povo quer que o chefe se demita.
- Liga-me ao Zeca Afonso, perdão, ao Egas Moniz, o aio do Afonso, Zé.
- Que tipo de baraço usou Vexa à volta do pescoço, sisal ou nylon?
(Silêncio sepulcral, só interrompido por acordes de uma balada, em fundo)