Isto não dá para todos III
. Em HK há «gaiolas», não de pássaros, passarões, passarocos e passarinheiros, mas de humanos. São cubículos exíguos, em que seres como a gente fazem exercícios mirabolantes no amanho do dia-a-dia, com privacidade reduzida a zero, com uma capacidade de sofrimento brutal, não vão os parentes cair-lhe na lama. Doutras vezes são mesmo instalações a lembrar galinheiros, com condições puramente indignas. Ali sobrevivem, só os deuses sabem como, pessoas na busca de um sonho feliz, de uma provável fortuna. Enfrentam as condições sentidas por muitos cidadãos, em muitas partes do mundo, vítimas de esburgo. Os abaixo-assinados não se aplicam a estes casos? A seleção natural não permite?
. O ministro terá dito que vai contratar uma empresa para recuperação das dívidas impingidas (por diktat das altas instâncias) à nação. Nos próximos tempos, chegará a estas plagas uma catrefada de praticantes de wrestling, para a montagem da coleta. Antes, alvitrada foi a contratação de uma empresa de rambos e ninjas, por negociação direta. A coisa deu com os burrinhos na água (foi pago um depósito de garantia avultado), quando se soube que a dita companhia tinha um site na net «Pagas a bem ou a mal». Temeu-se o aumento progressivo de consultas de estomatologia, luxo a que muitos concidadãos não se dão, nem poderão dar, nos próximos decénios.
. O senhor comentador é um fungador inato, quiçá por conta do rapé (ele dispensa o rapapé). Opina sobre tudo e todos, não dispensa as verdades absolutas, transpira bonomia, passa por avô baboso e mantém um «tu cá tu lá» com o narcisismo e com o conforto das coisas terrenas e etéreas que dá gosto ver. Licenciado nas coisas da vida, diz que o negócio das reformas e pensões está mal, o sistema não é sustentável, precisa de ir à faca. Os valores da esperança média de vida à nascença, da natalidade e da mortalidade agravam mais o cenário. Traz à colação uma tiazinha do género poupadinha e que, um dia, vai deixar os sobrinhos felizes. Segue-se um festival de gráficos a dar com um pau e améns marciais (uma outra senhora, ausente das lamentações do par, apresentou contas desviantes, segundo as quais o trabalho paga o estado social e que alguém faz mão baixa dos fundos). O duo dá de barato que os recebedores de reformas vivem num rincão obrigado a pagar as más contas de bancos depenados (terão apostado em dívida pública, in illo tempore?) Isto sim é sustentabilidade para peras! Como reagiria o dueto, caso estivesse para breve a comercialização do elixir da eterna juventude? (Já agora, escusavam de ter ficado esparvoados, à beira de um hara-kiri, quando lhes foi lembrado que o Japão tem um sistema inabalável de pensões, «mas isso é outra coisa»).
. O mandador negoceia com harpagões, com nota artística, todos os tostões sacados aos incautos, abandonados à sua sorte, só com pele e osso. Em terra de generosos vendedores da banha-da-cobra e de sonhos desfeitos, o povo creu que a União fazia a força. E fez, à fina força, impôs-se a autarcia de contumazes perdedores que souberam dar a volta ao texto e ao contexto. Um dia surgiram, na santa terrinha, apóstolos, portadores de nova mensagem: a democracia é de todos, o bem-estar só medra em países de eleição. Mandarins e galopins repetem o estribilho à saciedade. Pais, cada vez mais enleados em cadilhos, funcionários zelosos e pensionistas conformados alinham (contrariado, mas vou e não precisam de empurrar!) Nos domicílios, a abarrotar de pessoas, esquece-se a abastança, aposta-se na poupança, há longas filas junto a ipps, a centros de emprego e às portas das empresas com contrato com os centros de emprego. No coreto da terra, mesmo junto ao pelourinho, reúnem-se as carpideiras, para escutar a marcha fúnebre, fazendo por ignorar que, há por ali escondido um enorme barril de pólvora.
. O manda-chuva da loura Albion quer discutir, a meados deste ano, algures numa das suas possessões, a refundação da economia mundial. Com ele, estarão recolhidos outros 7 duendes sobre os quais repousa a tarefa ingente do controlo, entre outros, dos fluxos do guito, da partilha do globo, que isto não dá para todos. Já fez saber que não embarca nessa ideia de que muitas cabeças pensam melhor que uma só; na hora de tomar decisões, se cada cabeça avançar com sua sentença, nunca mais o pai morre, nem a gente almoça (a ação reside nos antípodas da pluralidade ideológica). Sugere que companheiros ou companheiras dos 8 retirantes fiquem no amanho e no remanso do lar, para evitar delíquios comprometedores (o esfervelho atenta). Assim, só será permitido que os anacoretas se aconselhem com as travesseiras.
. Anda muita boa alma contente com a decisão tomada na Suiça sobre limitações aos ordenados dos patrões. Das 2, uma: ou terá sido redescoberta a pólvora, ou «a gente diverte-se muito, na minha aldeia»
. Contributo para uma teoria da conspiração: o ano anterior até que nem foi mau, o atual é o que se vê, o próximo é que vai ser.