Ladinices 1
- Vai à janela e diz-me que vês, Zé.
- Meia dúzia de sectários secretários de estadão, chefe.
- Usaste a máquina de calcular?
- Contei-os pelos dedos das 2 mãos.
- Que te faz tão perentório?
- O ar ágil e distinto, o tom pálido-febril da fácies, o ar alapardado, a forma desencantada de mirar a ponta dos sapatos de verniz, o cabelo desgrenhado, a decrepitude do fraque.
- Fá-los seguir pelo túnel até ao salão da mobilidade especial.
- Chegou a hora do pontapé nos fundilhos.
- Não te acompanho, Zé!
- Estava na hora de se irem embora, chefe.
- Idem!
- Recapitulando: dou-lhes a comenda, o despacho apologético da praxe, a carta de recomendação mailo cheque da rescisão.
- Depois vais à sala de espera e trazes 8 dos adiantados da lista de espera. Não os quero caolhos ou catracegos, patas-chocas pode ser, do melhorzinho que a deus aprouve.
- Os nomes já cá cantam, chefe.
- Que tenham paciência os sobrantes, palpita-me que ainda esta semana possa haver novidades, andam uns quantos a tentar fazer-me ninho atrás da orelha.
- Os despachos de nomeação e do discurso da tomada de posse dos novos secretários estão prontos a serem servidos, chefe!
- Os currículos?
- Tudo redesenhado, não quero que lhe falte nada, chefe.
- Não quero mais falatório e episódios picarescos por conta, Zé!
- Mal da traça, dá e passa, chefe…
(Ao fundo ouve-se melopeias de sempre, num vinil de Max riscado, com destaque para «A mula da cooperativa» e o «Magala».)