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oitentaeoitosim

22
Jun13

Descaroáveis contras

Jorge

I

Paralelamente à manifestação, a favor, na rua central, é organizada uma contramanifestação, muito frequentada, alhures. Colorida, vivaz, com bonifrates, majorettes, marchinhas, carros alegóricos, incluindo mesmo a representação de uma cena geórgica na campina, por abegoas, podadores, capadores, hilotas, ganadeiras e lavradores de capote, no princípio e no fim. Não pararam os palavrões da ordem, avanias mesmo, estribilhos e refrões musicalizados, orquestrados por carros de som e animadores culturais contratados à hora e a recibos verdes. Foi uma festa, que sentir a razão ao lado dá gozo. Os comunicados foram a mãos fartas, apelos à ordem (pôr na) sem conta, sucederam-se os discursos, discursatas e bravatas e muitos cartazes.

II

«E quem ensina os professores?» - Irresistível a questão, posta em cartaz cuidado, fina no recorte e no trato, dá nas vistas pela piedade que destila e preza. É preciso ser muito azarado, a pancarta exibida pelo cartazeiro que também era cartazista dá testemunho do seu caso pessoal: durante toda a sua vida de estudante, não conhecera um professor/a que se pudesse dizer benza-te-deus. Mais um caso de um adolescêntulo traumatizado, não há direito (são vertidas às escondidas muitas lágrimas longamente aconchegadas em recantos de olhos)!

 

«Os professores esquecem que os ordenados deles são pagos com os impostos dos pais dos alunos» - A denúncia é preclara, assim não vale; sem tibiezas, vamos às derivadas: à uma, os lecionistas recebem o pilim desviado diretamente dos impostos dos encarregados de educação; às duas, todos os encarregados de educação que se prezam abjuram da greve dos fonascos, coisa de Belzebu, como nunca vista neste quinhão de Terra; às três, será que esta maltosa do ensino paga impostos? Por esta e por outras, o pessoal manifestante ficou de pulga atrás da orelha, pulante e ululante. Foi tal a coceira que os protestantes, transcorridos dias em fio, nunca mais dispensaram DDT à cabeceira.

 

«Um médico não resolve entrar em greve, quando recebe um doente anestesiado…» - Insofismável: uma greve do professorado, em tempos de exames escolares que valem 30%, não lembra ao diabo, portanto não se conhece o mequetrefe que os atentou. Tivessem tido os setores(as) a coragem de fazer greve noutros anos escolares, em que não havia exames, ou em que eram meramente indicativos, e outro galo cantaria. Andam a gozar com o futuro de 75 mil jovens, acometidos de tremeliques que pode acabar em faniquitos (vingança do chinês?) É o fim da picada, coisa nunca vista, a malta em demanda de amanhãs que cantam, arrisca-se a ficar balhelha, à pala da execrável atitude de quem deveria privilegiar a pedagogia do erro e não o erro em pedagogia! Docentes a fazerem greve, fica-lhes tão bem como a trepanação, os choques elétricos e as operações a sangue frio aos esculápios modernos. E ainda se queixam que a tutela é que os apouca! Para a próxima, paralisem em dia feriado (enquanto os há), atrevam-se!

 

«Esta é uma greve contra os alunos» - Há provas irretorquíveis, ora ouçam: os setores levam horas esquecidas a preparar aulas para despejar matéria sobre os alunos; fogem cada vez mais como o diabo da cruz à não-diretividade, querem ser eles a ditar as aprendizagens, um desplante; preparam materiais aos molhos para as secas das aulas; fazem testes com todos os requintes e matadores de malvadez, com a única preocupação de enterrar os alunos; muitos deles orgulham-se de dar negas a mãos fartas (um dia destes passam à história, as negas, pois calro) e gozam de colegas que só «dão positivas»; organizam visitas de estudo e atividades à custa e para amolar os alunos; pagam ações de formação só para aprenderem a tramar cada vez melhor a malta; são avaliados por conta de tanta safadeza e nenhum lerpa; para cúmulo, não gostam de exames (os alunos não querem outra coisa), pois acham que a avaliação contínua alcança. E agora esta!... Querem mais?

 

«Os professores faltaram ao respeito aos alunos» - É mais do mesmo, contra factos não há argumentos: muitos setores desobedeceram, dando um péssimo exemplo à criançada, estiveram-se nas tintas para a convocatória (tivessem-nos obrigado a formatura na parada), não estiveram em todas as salas, ginásios, cantinas e arrecadações para onde foi marcada a realização de exames. Se, por mera conjetura, os alunos escrevinharam fora das margens das folhas, se usaram corretor para tapar erros, se não identificaram a versão do exame, se as provas arrancaram a destempo, se não foi dado conhecimento explícito do tempo de duração e de tolerância das provas, se usaram auxiliares de memória, se havia parentes dos vigilantes na sala de aula, se os telelés, as mochilas e os canhenhos não ficaram amontoados en su sitio, de quem é a culpa, digam lá? Que tivessem faltado todos, assim não se cometiam tropelias! Fosse o ministro mais teso e punha-os a arrumar mesas, a tratar de limpezas e a limpar quadros, durante um mês, sem pago (sacanas que recebem uma pipa de massa). Pior é a reprogramação morosa de férias, idas à praia, horas de disfrute e presenças em festivais dos alunos que levaram pela proa com o absentismo maltrapilho dos setores (quem prestou provas, proveito o seu). E nem uma palavra de desculpa de quem quer a miudagem bem-comportada se ouviu, é impressionante (que se vão confessar, ao menos)! Num país respeitador e respeitado, se o exemplo não vem de cima, adeus minhas encomendas! Só mais isto: as escolas públicas existem para os alunos não para os profes, eles são seus empregados, ainda não deu para entender? A falta de respeito enfraquece as razões, mesmo as desconhecidas pela Razão – palavra da redenção.

 

«Os sindicatos dizem que 80-90% do professorado fez greve. Só cerca de 30% dos alunos não fizeram exame. Então, há ou não profes demais?» – Uma conclusão tutelada que está mesmo a pedir requalificação e também a revisão do direito à greve (por manuseio impróprio).

IV

Consta que, certo dia, foi proposta a um santão eremita a distribuição inopinada de pérolas, à discrição. Não se fez rogado. Foi quando as escolas brilharam intensamente. Nisto, a notícia chega às orelhas do prioste (do Crato). Histérico, fechou-se 3 dias e 3 noites (ao fim de 3 dias sem ser visto, um homem deve ser olhado com outros olhos), a roer as unhas das mãos, dos pés, os sabugos, os calos haliais e os joanetes, entregue à leitura de cartapácios, grimórios e sinistros relatórios, a congeminar manipansos finórios. Findo esse intervalo, fez cair uma bruega ácida. Foi quanto bastou para que as pérolas empalidecessem, criassem jaças e embaciassem até ver.

 

 

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