16
Ago09
Comércio justo
Jorge
Hermenegildo tem família numerosa e divorciou-se, há meses. Um dia vai ao mercado abastecedor e compra umas caixas de frutas, outras tantas de hortaliças e outras de legumes. Feitas as contas, muito dinheiro fica em caixa. Mas, levanta-se cedo, aliás levantava-se sempre cedo, para cumprir as tarefas lá na fábrica, mas nas férias não se olha para o relógio.
Vai ao café e põe-se a enumerar as vantagens do mercado abastecedor, umas dez, por alto. Diz alto e bom som que toda a gente deveria fazer como ele. Por essa e outras que não vêm ao caso, é declarado persona non grata do dito mercado e ninguém mais lhe vende ponta de um chavelho.
Hermenegildo tem família numerosa e divorciou-se, há meses. Um dia vai a uma dessa empresas de comércio por grosso e compra muita papinha para a comunidade. Feitas as contas, muito dinheiro ficou em caixa. O horário de funcionamento estende-se do nascer ao pôr-do-sol, por isso arranja tempo, à conta das férias.
Vai ao café e põe-se a enumerar as vantagens do comércio por grosso, umas dez, por alto. Diz alto e bom som que toda a gente deveria fazer como ele. Por essa e outras que não vêm ao caso, é declarado persona non grata do estabelecimento por grosso e ninguém mais lhe vende ponta de um chavelho.
Hermenegildo tem família numerosa e divorciou-se, há meses. Um dia vai a uma lota e compra peixe que dava para um mês. Feitas as contas, muito dinheiro fica em caixa. Levanta-se cedo, mas ficou-lhe a caminho, pois tinha que ir fazer uns biscates para arredondar os proventos, mesmo em período de férias.
Vai ao café e põe-se a enumerar as vantagens do comércio por grosso, umas dez, por alto. Diz alto e bom som que toda a gente deveria fazer como ele. Por essa e outras que não vêm ao caso, é declarado persona non grata da lota e ninguém mais lhe vende a ponta de uma barbatana nessa lota.
Hermenegildo tem família numerosa e divorciou-se, há meses. Três dos filhos precisavam de vidrinhos, para verem as paisagens em condições. Bate à porta de um amigo importador de lentes e armações, em Pêra. Feitas as contas, muito dinheiro ficava em caixa, se comprasse o produto ao amigo que conhecia um técnico que fazia o jeito de graduar as lentes. Estava de férias e tem tempo de sobra.
No dia seguinte vai ao café e fala grosso sobre as vantagens de comprar óculos e aros fora do circuito que dá pouco ao produtor e muito ao intermediário. Diz alto e bom som que toda a gente deveria fazer como ele. Por essa e outras que não vêm ao caso, é declarado persona non grata do estabelecimento e ninguém mais lhe vende óculos, mesmo com dinheiro à vista.
Hermenegildo tem família numerosa e divorciou-se, há meses. Nunca mais há-de fazer férias…