28
Ago09
Jornadas
Jorge
Reginaldo tira o corpo da cama, sacode os ossos, limpa as remelas, bebe um copázio de água e beija Maria que dormia ainda comprazida. Sem tardança, põe pés a caminho da pastelaria que é café, restaurante, cervejaria e quiosque, cinco em um e mais não, porque a fantasia não permite. Desfruta o pequeno-almoço dilecto: frutos secos, mirtilos, morangos, abacate e cereais de mistura, embebidos em água requentada. À entrada, do lado esquerdo, numa arrecadação funciona uma loja de sobrado, onde tinha comprado 3 jornais: um desportivo, um generalista de língua local e outro da estranja. Compra sempre os mesmos, pois não se quer ser distraído da sua linha cívica, que lhe vem do berçário, de mudar só quando se é burro. Meia hora dá apenas para sopesar os títulos, que o caroço das mesmas será madurado mais tarde. Às quintas, acrescenta-lhes um hebdomadário pátrio.
Maria diz que Reginaldo despende demais em magazines formais e compraz-se em dar-lhe sumiço aos jornais.
A opção pelas 4 gazetas resulta de uma escolha criteriosa. No burgo, a oferta de jornais pátrios ou regionais, semanários, edições especializadas e de paróquia exorbita da normalidade dos países mais felizes: persegue o padrão da distribuição de universidades, clubes de futebol, ginásios, ópticas e festivais. Andam os intelectuais numa fona a concluir da irredutibilidade da conversão dos indígenas aos valores da cultura média, em artigos de opinião, conferências, artigos especializados, seminários e intervenções nos média. Vai-se a ver, o dispêndio per capita da celulose pede meças a qualquer outra coutada. Ali há gato!
Maria diz que Reginaldo despende demais em magazines formais e compraz-se em dar-lhe sumiço aos jornais.
Um dia acaba-se o jornal desportivo da sua predilecção. A partida sistemática dos bons valores indígenas – mais sentida no chinquilho, corfebol e esqui - para latitudes tão distantes como a Gronelândia, Papuásia e ilhas Marshall encurta os relatos da gesta dos paisanos. Longe dos olhos, longe do coração. O director tenta de tudo, amplia as letras, as fotos, as infografias, os espaços publicitários e o espaçamento entre linhas. Só não consegue trocar as voltas ao destino. Partiu para outra.
Maria diz que Reginaldo despende demais em magazines formais e compraz-se em dar-lhe sumiço aos jornais.
Dois meses volvidos, o diário indígena dos amores desembestados de Reginaldo vai à vida, à míngua de notícias, pois a cobertura de crimes, incêndios, dramas existenciais e aventuras do jet set tinha sido atribuída em regime de exclusividade aos jornais das paróquias, dos departamentos governamentais e estabelecimentos escolares. A autogestão atingia o ponto máximo, ninguém quer depender de ninguém.
Maria diz que Reginaldo despende demais em magazines formais e compraz-se em dar-lhe sumiço aos jornais.
Outros 2 meses para a frente, o semanário dos amores de Reginaldo definha de morte macaca: o director cansa-se de receber telefonemas, mensagens, emeiles, faxes mimosos dos assessores do régulo que lhe contam os passos e zarpa para as Caraíbas. Aí conta treinar com o melhor velocista de todos os tempos, a modalidade de olho vivo e pé ligeiro. Volta, quando estiver perdoado.
Maria diz que Reginaldo despende demais em magazines formais e compraz-se em dar-lhe sumiço aos jornais.
O golpe fatal é desfechado às 3 da tarde daquele mês de verão iníquo, quando o jornal da estranja desaparece das bancas. Fazem de tudo os colaboradores: cortes de estradas, queima de pneus na via pública, nudismo no parque central, ecoterrorismo e sequestro do presidente do conselho de administração. De nada lhes valeu, o que tem de ser tem muita força, ditame de sutra.
Ontem de manhã, Reginaldo, sem dar cavaco ou pastéis de Belém a alguém, comprou um acervo de bilhetes de avião, de ida e volta em aberto, para as principais praças do sial terráqueo. Nos principais aeroportos, não havendo paralisações, há sempre jornais à discrição.