24
Mai10
Juízos de dentro e de fora
Jorge
Veio o primeiro julgador e opinou ex catedra:
- Saibam Vexas que branco é, galinha o põe! Caso encerrado, segue em julgado.
O primeiro litigante não tugiu, nem mugiu, mas prometeu a desforra ao segundo, até ao último penny, como disse, arvorado em snob. Não foi condenado às galés, tão pouco foi deportado para as Selvagens ou malhou com o ossos no chilindró, assim perdendo a hipótese de ver o Sol aos quadradinhos, um evento cada vez mais negado aos terráqueos que se prezam. Mas, teve muito tempo para ler histórias aos quadradinhos, até ao segundo embate.
O segundo litigante deu largas ao seu contentamento; não é de todos os dias que se vai à liça e se vence por KO técnico ao primeiro assalto. Posto a par das intenções do primeiro, decidiu fundar uma terceira microempresa, de forma a fazer face às despesas conjunturais, não fosse o diabo tecê-las. Mesmo assim, porque uma vitória deve trazer alegria, entrou na discoteca da sua predilecção, bebeu uns shots, esgalhou 3 piruetas dançantes com uma amiga de circunstância, ao sabor do estrilho montado por uma dj do meio da tabela, pagou uma rodada e meteu-se em vale de lençóis com a circunstante, a preparar-se para dirimir duros futuros combates.
Veio o segundo julgador e opinou ex catedra:
- Saibam Vexas que galinha preta põe ovo branco! Caso encerrado, segue em julgado.
O primeiro litigante deu largas ao seu contentamento, de um salto se pôs em pé; não é de todos os dias que se sai a duelar a terreiro e se vence por KO técnico ao segundo assalto. Tinha lavado a honra, o adversário não tinha tido palheta para ele, tinha recolhido os despojos e preparou-se para trabalhar aos fins-de-semana num call center. As despesas da bravata judicial tinham-lhe comido a carne e os ossos. Mesmo assim, procurou nos fundilhos dos bolsos dos casacos, das calças e fatos e conseguiu arranjar uns trocos para se atirar a um rodízio repimpado e repenicado, facto que se deu no restaurante predilecto. Comeram, escorropicharam copos cheios de elixir dos deuses, inebriaram-se e foram de gatas para casa.
O segundo litigante não tugiu, nem mugiu, mas prometeu a desforra ao primeiro, nem que tivesse de empenhar o carro, a mota, os electrodomésticos, o telemóvel, o laptop, o ipod, (o ipad não que ainda dormitava na embalagem virginal da Amazon). Esteve quase a cumprir serviço à comunidade, ou prestar voluntariado numa ONG, mas escapou por ter pé chato e 2 unhas encravadas, como as chinesas dos pés curtos. Não fosse capaz de melhor no próximo duelo, pagava-as todas.
Veio o terceiro julgador e disse ex catedra:
- Saibam Vexas que não há paz onde cante a galinha e cante o galo!Caso encerrado, segue em julgado.
O primeiro e o segundo litigantes foram declarados vencedores ex-aequo do pleito. Foram levados em ombros pelos familiares, amigos e mirones. Depositaram-nos na discoteca predilecta do segundo litigante e mais tarde na casa de pasto favorita do primeiro litigante. Contas feitas, ficaram detidos na cadeia tipo guantanamo do feudo, tendo direito a bola de ferro atolada ao pernil. Tinha levado sumiço o graveto, à custa de tanta persistência.
Foram vistos, muitas vezes, no pátio da instituição benemérita a esgadanharem-se os cabelos, a esbracejar a torto e a direito e a ulular ao vento que passa. Tinham voltado à liça e agora propunham-se tirar a limpo, sem interferência de terceiros, quem teria surgido primeiro, se o pinto, se o ovo, se Colombo. Havia tempo de sobra para confabulações existencialistas.