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oitentaeoitosim

29
Mai10

Donaire

Jorge
O pastor de almas chegou-se a ele, sorriso mavioso, olhos brilhantes, mãos cruzadas atrás das costas e disse-lhe: - Rapaz, estamos em crises de óbolos e de almas. Precisamos que nos dês 1/3 do teu salário. Assina aqui! Assim o fez, assinou de cruz copta, a sua assinatura preferida e reconhecida, desde que se conhecia. Dava o litro para obter um lugar no céu, que bem podia ser o sétimo. Lá brotava mel e o leite de todos os endereços e adereços, sabia-o por consabida convicção. Homem de fé, desde tenra idade, achava-se no direito à desforra de um transe terráqueo de fel. Comprar o céu estava fora de questão, mas dava jeito ter um conhecimento à porta. O presidente da colectividade chegou-se a ele, sorriso estampado num rosto engelhado por múltiplas mágoas, mãos periclitantes a sufocar os gasganetes e disse-lhe: - Rapaz, estamos em crise de esféricos e de fiéis. Precisamos que liberes 1/3 do teu salário para os nossos debilitados cofres. Assina aqui! Ele persignou-se, assinou de cruz copta, a sua assinatura preferida e reconhecida, embora estivesse a matutar com os seus botões a mudança para a cruz quadrática, o que representaria tratar de muita papelada. Ele achava que o ar que sorvia, o pão que comia, a roupa que vestia, o patrão que servia eram os melhores de todos os mundos. Não percebia pevide do jogo e das jogadas a seu redor, mas sabia que a sua comunidade era merecedora da excelência. O comandante da fanfarra dos sapadores chegou-se a ele, mãos na partitura, olhos de peixe angariados à custa de bufos nos instrumentos e nas malvadezes dos seus executantes e disse-lhe: - Rapaz, estamos em crises de notas e moedas. Precisamos que nos dês 1/3 do teu ordenado. Assina aqui! Agradeceu à vida, fez sobre a face o sinal da cruz 3 vezes e assinou de cruz copta, a sua assinatura preferida e reconhecida, embora estivesse a magicar uma mudança para a cruz grega, mas desistiu por causa da crise. Que não fosse por ele que se acabassem os desfiles pedestres pela ruas do subúrbio, ou que se acabassem os desfiles de entronizar equipas de futebol ou de patriotas. E a música alegra a vida, encanta o maralhal, traz poesia e esquece necessidades. No último dia do mês dia foi visitar o indiano que não comia há 70 anos e pediu-lhe conselho. A bondade do homem venerando deixou-se comover. Ele ficou comovido, mas não resistiu muito sustentadamente à nova conjuntura. Passados 10 dias apanhava o autocarro para a vida eterna, para onde continua a viajar.Na lápide fez questão que ficasse engastada a declaração que passo a citar: Aqui jaz, aqui repousa que, além de doar, não fez outra coisa.

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