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oitentaeoitosim

24
Abr15

Contos de fados (XI)

Jorge

Josefino sempre se conheceu como indivíduo muito dedicado às causas ecológicas de massas; quando se arrimou ao poder pôs seus propósitos a render.

-Proíba-se a distribuição de sacos de plástico leves com alça!

(A proliferação de sacos com alça está a desgraçar o planeta, qualquer dia vão-se até os alces!)

Lojas de vizinhança, lojas pop-up, lojas outlet, lojas flasgship, mercados, minimercados, supermercados, hipermercados, casas ditas de restauração, de tatuagens, de limpezas, funerárias e animais de companhia deixam de oferecer sacos ou saquitéis à borla, nas caixas ou ao balcão (nas maçónicas não se sabe).

Muitos íncolas da parvónia não acham piada à decisão, pois já basta o que basta, os preços estão pela hora da morte, olha-me para eles armados em proibidores de oferta livre de saquinhos que tanta jeito fazem lá em casa, ainda por cima doados de boa vontade, é demais esta lixiviação dos bons sentimentos! Deveria ser proibido proibir...

Os protestos sobem de tom nas conversas de café, nas conversas de circunstância e nos serões familiares, passados à volta da tevê domesticada a que todos têm direito. E não passam daí, pode ser que algum mais destravado se passe dos carretos…

Josefino sempre se conheceu como indivíduo muito dedicado às causas ecológicas de massas; quando se arrimou ao poder pôs seus propósitos a render.

- Que toda a gente passe a pagar um preço pelos sacos de plástico leves com alça!

(Já que não se pode exterminar os sacos de plástico leves com alça, que contribuam, ao menos, para o esforço patriótico de libertação do jugo financeiro!)

Lojas de bairro, lojas de conveniência, lojecas, lojas pop-up, lojas outlet, lojas flasgship, as bancas de vendas em feiras ocasionais, em feiras de bagageiras, em feiras internacionais (supõe-se) juntam-se às lojas de mercado a retalho acima referidas e todas passam a cobrar a derrama estipulada, dá-los à socapa é a alternativa (mas não diga que vai daqui!), para manter certa a freguesia.

Muitos íncolas da parvónia passam a fazer-se acompanhar de sacos de plástico leves com alça – nunca se sabe quando surge o impulso de fazer compras -, na mão, na mala, no saco a tiracolo, nas bagageiras, chegam a levar o trólei de compras, o que é uma chatice à moda antiga. Consta que se dá um aumento em roubos de carrinhos de compras e acentuação na difusão de doenças propaladas por vírus e bactérias incrustados em tais artefactos semoventes.

Isto é tanga, não nos venham com cantigas, qual preservação do ambiente, qual carapuça, já chega de atirar areia aos olhos do Zé, isto é mais um imposto disfarçado, os plutocratas que paguem a crise! Saem outros mimos dos moldes donde saíram estes para a mesa do canto… Mas, o povo é sereno, a maioria silenciosa, até ao dia em que algum meco tome a iniciativa de dar o primeiro passo na ocupação das artérias públicas, aí haverá choro e ranger de dentes, verão!...

Josefino sempre se conheceu como indivíduo muito dedicado às causas ecológicas de massas; quando se arrimou ao poder pôs seus propósitos a render.

- Aumente-se o preço da água do litoral!

(A água é bem escasso, no poupar está o ganho, está baratinha, por isso merece participar no esforço de empobrecimento generalizado!)

Tudo o que é loja, lojeca e lojona começa a elucubrar promoções diretas ou em cartão, com descontos manhosos, ou que trazem água na boca. Uns empresários de nova fornada, empreendedores até dizer basta, congeminam trazer água do interior, à la carte, a preços mais convidativos, seja destilada, básica ou ácida, para gostos e necessidades. Santa paciência, não há maneira de fazer entrar nesta dança as águas minerais e as tónicas, por questões de delimitação de marcas.

Os íncolas da parvónia litorânea dizem que isto passa das marcas e preparam-se para cortar nos banhos, nas idas à sentina, nas lavagens da roupa, nas lavaduras da louça, no regadio das plantas da marquise e das sacadas, na mudança da água das piscinas e na água que vai para os tachos. Pelo-sim-pelo-não, os mais sortudos mandam construir açoteias, eirados, cisternas e tanques.

Andam a ferver em pouca água, que não há direito, que no litoral há mais gente, é aí onde chega mais água, onde se leva com água de menor qualidade, aqueles sacanas do interior são tratados como doutores, não pode ser, isto é mais uma desfeita, vamos fazer e acontecer e não acontece nada, se ninguém se põe à cabeça do protesto, a família não deixa…

Josefino sempre se conheceu como indivíduo muito dedicado às causas ecológicas de massas; quando se arrimou ao poder pôs seus propósitos a render.

- Que seja eliminados da circulação das nossas artérias rodoviárias, ferroviárias, marítimas e aéreas todos os veículos a combustível fóssil!

(Poluem pra burro, os veículos a combustível fóssil andam a gasear o pessoal, qualquer dia estamos todos tramados; ora toda a gente merece viver para gozar da excelência da proteção que temos dado ao ambiente destas paróquias!)

Os íncolas da parvónia ficam siderados de espanto, de medo e de torpor. Isto é pior que uma greve selvagem, pior que o lay-off, pior que os incêndios fatídicos da época de verão, pior que um cataclismo, pior que uma série de cataclismos! Andar a pé, é o fim da picada!...

Aí tomam a iniciativa de ulular nas ruas senhoras e senhores representantes da produção de carros, carrinhos e carrões, comboios, barcos, aviões e drones. Como previsto, o povinho pôs-se à janela a ver em que paravam as modas, aquilo é entre eles, eles que se matam… Ninguém levanta um dedo a salvar o homem entretanto caído em desgraça.

Feita a folha, fazem a cama ao canastrão.

Josefino vai bugiar para as Selvagens e depois instalam-no como provador-mor de carvoadas e churrascadas das espeluncas da parte oriental do país, o que lhe exige degustações quotidianas e trabalho de campo diário, a que nunca mais poderá eximir-se, o cargo é vitalício.

 

 

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