Contos de fados (XV)
Lá em casa, era assim: qualquer peça de roupa formal, roupa interior, meias, toalhas, lençóis, só se usava uma vez. Ao ser declarada suja, seguia diretamente para o lixo, para a um desses caixotões de encaminhamento de roupa para as obras de caridade, ou para uma loja de roupinhas e quejandos de 2ª mão. Abria-se uma exceção para suéteres, casacos de abafo, gabardinas, smokings e outros adereços que escapam mais facilmente aos malefícios do suor ou de outros fluidos fisiológicos. O prazo de validade destes subia para um ano, quando eram definitivamente abatidos ao património daquela família de 4 pessoas. Quando em muito mau estado, as roupinhas e similares iam malhar aos contentores da reciclagem, aguardando novo préstimo.
Lá em casa não se consumia eletrodomésticos de lavar, secar, ou restaurar trapinhos, passajava-se, quando muito. Poupava-se na água, em eletrodomésticos, em detergentes e nas molas. Era assim desde que um membro da família se pusera a fazer contas à vida. Ficava-lhes mais em conta comprar, diretamente ao produtor, peças de vestuário com defeito, ao desbarato.
Lá em casa – fronteira a um restaurante que persiste em abrir portas sem requisitos mínimos legais e de higiene – viviam todos os 4 contentes e felizes, não só por isto, mas também.
Lá em casa, num belo dia, é recebida a visita de uma brigada da inspeção económica que, dessa maneira, dava corpo à justeza de uma denúncia anónima. A vizinhança bem dizia que ali vivia uma troupe de taradinhos que nunca tinha roupa na corda, pelo que se supunha que não estivesse de bem com os sãos princípios do consumo, do consumerismo e da ordem social. Ninguém se admirou com o endosso de uma multa exemplar.
Lá em casa, veio pronta a resposta: os 4 puseram-se em campo e compraram todas as lojas onde costumavam comprar os trapinhos e quejandos. Mais nada!.
Acabam de ser agraciados com uma comenda por altas façanhas empresariais.