Diálogos de outono 13
- Tolentino, diz lá ao que vieste, rapaz! – o pai dá o pontapé de saída.
Tolentino nem tuge nem muge, encafuado no seu quispo de penas, a fixar o chão da loja. Ninguém lhe dá mais que 12 anos.
- Tolentino, parece que o gato te comeu a língua! – adverte-o a mãe.
Tolentino continua mudo e quedo, não diz nem ai, nem ui. Faz menção de zarpar dali a toda a velocidade, empresa contrariada pelos olhares furibundos dos cotas e sobretudo pela imposição a 4 mãos dos progenitores.
- Vá lá, rapaz, que não tenho o dia todo, fanaste ou não aqui ao Sr. Ramiro uma embalagem de farinha de milho?! – atira o pai de família, já ligeiramente agastado.
Tolentino não cede ainda. Caramba, tem amigos que ranfam à grande e à francesa e ninguém os incomoda! Azar o dele por ter por ascendentes devotos!
O pai podia ter vindo ali, falava com o Sr. Ramiro nas calmas («sabe são putos, não medem o alcance dos seus atos»), pagava a quantia acertada, não era preciso tanto estrilho!
- Diz aqui ao Sr. Ramiro que desencaminhaste um saco de farinha de milho, sem pagar! - esclarece a mãe, para espanto de curiosos da circunstância.
Quando a mostarda chega ao nariz empoado e emproado de Dª Marília, ela usa aquele tom sibilino inconfundível; depois tudo podia voar à sua frente, como bem sabiam pai e filho…
Tolentino vai pôr cobro à cena macaca, tinha mais que fazer. Aprendera a detestar autos-de-fé, mal deles ouvira falar. Não estava para aturar litanias, os responsos, as lágrimas da mãe, mailos ralhos e o catatau supervenientes!...
- Deixe lá, Sr. Marcelo e Dª Marília, isso é coisa de pouca importância, vamos pôr uma pedra sobre esse assunto! – atalha o comerciante, pressuroso em pôr termo à cena, pois a clientela já se alonga junto à caixa registadora.
Aquilo já está a demorar mais que à conta! Caramba a casa ainda fica cheia e a vizinhança vai ficar a saber de tudo... Aquilo já parece a escola, que (ora bem!) reproduz o quotidiano…
- Desculpe, Sr. Ramiro, eu roubei uma saqueta de milho, tome-a de volta, por favor, isto nunca mais volta a acontecer! – Tolentino diz de afogadilho, as palavras a escaldar os lábios, sem olhar para cima, para a cara do Sr. Ramiro.
A mãe, orgulhosa do seu rebento, já o envolve no seu manto protetor:
- Pronto, assim é que é! Vês, não custou nada!
A seu lado, o pai ufano dá-lhe um carolo.
- Até que enfim e que isto não se repita!
O casal recebe alguns apoiados dos circunstantes, uns porque apoiam deveras, outros porque o lanche da família não podia esperar.
- Voltem sempre, o importante é continuar a comprar na loja deste vosso providenciador de bens e serviços! - acrescenta o Sr. Ramiro que não cabe em si de contente, por ter posto mais um tijolo na edificação da paz social.
Mãe e pai deixam a loja do Sr. Ramiro, em passo de ganso e o Tolentino sai disparado que nem foguete, deserto por chegar a casa e pôr-se em frente do computador, da televisão, do telelé, o que calhasse!...
(De caminho, Tolentino tem ainda tempo para planear o próximo golpe: gostaria de dar a palmada a uma caixa de bombons, que o Sr. Ramiro os tem com bom recheio. Por que não lhe ocorreu antes, ele que tem um fraquinho por doces de todos os géneros e feitios?! Só que, no momento da tentação, lembrou-se que a Noélia se pela toda por papas de milho e milho frito!… E ele grama dela aos pacotinhos, dá-lhe o derriço, quando a vê ou se alembra dela! Tinha de descobrir se ela também gosta de bombons. E, desta feita, não se deixaria apanhar, à primeira todos caem, à segunda só quem quer...)
«Pode ajudar-me? É que os meus pais perderam-se.»