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oitentaeoitosim

15
Ago15

Anti-guardonho

Jorge

 

O padrinho ofereceu uma ilha ao afilhado.

Desde que o casamento se impôs aos costumes, um padrinho digno desse nome arca com uma fatia ou a totalidade das despesas da boda, ou da lua-de-mel, ou de uma carripana, ou de uma casa por exemplo. Até pode ser outra oferenda qualquer, mas frisante, tendo em conta o grupo social em que se integra.

Naturalmente que do caderno de encargos do padrinho consta a primacial função de zelar pelo cumprimento das disposições divinas relativas ao património, por parte de um dos nubentes. As oferendas são um costume pagão, tolerado, apesar de tudo, face às disposições reais ainda radicadas no quotidiano dos mortais comuns.

Nunca se tinha visto coisa assim, nas lusitanas plagas!

(Se esta prática entra em moda, das duas uma: ou vão escassear padrinhos ou ilhas.)

O padrinho até poderia ter optado por doar um aeroporto, um porto, um caminho-de-ferro, uma companhia de gás e outra de eletricidade, uma petrolífera, uma autoestrada, há de tudo ao desbarato no país onde está cravada a ilha oferecida de presente. Mas, não era a mesma coisa, ofertar e/ou receber uma ilha dá mais pica, causa mais frenesim social.

(Nesse país com ilhas à venda, vende-se ao desbarato património coletivo, a ver se os juros da dívida pública estabilizam, que é o melhor que se consegue de bom, com a austeridade contratada.)

O padrinho daquele casamento de inclinação decidiu ser generoso para com o afilhado, pagou do seu bolso, o afilhado contemporizou e os governantes do país onde está a ilha feita rica prenda não se opuseram, portanto tudo legal, nada a opor. Ainda sobram por ali património material e imaterial, florestas, oceanos, pedaços da atmosfera, aquaculturas, pedaços de firmamento e vidas, muitas vidas.

(Nada foge ao estigma de vir a ser apreçado. Estará previsto que a lei internacional possa acolher a realização de leilões, quando estiver em causa divergências, entre países, pela posse de ilhas, ilhéus e ilhotas.)

Estava a ser dada a notícia e fiquei de respiração suspensa, quase sem pinga de sangue. Querem ver que o homem comprou a ilha onde ele nasceu e deu ao afilhado?! Ainda fiquei com os cabelos em pé, mas não era caso para tanto. Mas nunca se sabe, os tempos vão loucos. Não era, a pérola do Atlântico, ela continua orgulhosamente pública, safa!

(Uma ilha é um local privilegiado para descobertas. Só quem nasceu numa ilha aprecia o que vale ter uma ilha só para si.)

Ao padrinho ficou-lhe o jeito para excentricidades, assim que ousaram dedicar-lhe um museu, estando vivo. Podia ter-lhe dado para pior. E se ele se lembrasse de ajuntar o mar que está à volta?! Talvez fique para a próxima...

(Há museus vivos, como o da fogaça. Estará ainda previsto pelas normas internacionais que os museus sejam dedicados aos vivos que não aos desaparecidos.)

O afilhado lá terá de dedicar-se ao governo da ilha. Desconhece-se o senhor será coroado rei, suserano, imperador, soba, presidente da república (de bananeiras não será). Logo se saberá pelas parangonas. Provavelmente não será adjudicada bandeira própria, hino próprio, forças armadas próprias, dívida pública própria, basta o que basta. Quanto a população bastará a coorte de familiares e amigos. Tarefa ciclópica para tempos vindouros de reforma, que no presente não tem mãos a medir

(Tinha a sua piada que se instilasse a ideia de Estados privativos. Por enquanto, as regulamentações internacionais não se mostram recetivas a acolher tal princípio.)

Que tenha presente, nenhum criador de contos de fadas alguma vez imaginou maravilha similar. Que tenha presente, um cantor atreveu-se a perorar à deusa dos seus sonhos que fizesse dele uma ilha, para ser poupado às vistas das rivais. Até nisto os tempos estão a mudar, agora oferece-se uma ilha – daquelas que continuam a ter água por todos os lados – às vistas de todos.

(Consta que o padrinho em breve fará rifar um arquipélago entre os seus apaniguados nacionais.)

PS: Oxalá que não tenha saído ao afilhado a ilha de Cós ou outra nas proximidades, que por ali andam muitas pessoas desassossegadas. Nenhum ser vivo é uma ilha...

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