Apostilha 12
Senhores deputados e senhoras deputadas da maioria compunham um modo compungido sempre que se lhes oferecia a oportunidade de dissertar a propósito dos sacrifícios impingidos, há um ror de tempo. Tinham uma fezada que as doses reforçadas de óleo de fígado-de-bacalhau, impingidas a contragosto (claro), seriam contrabalançadas pelas melhorias do país doentinho. Juravam e trejuravam que tinham ponderado alternativas até à exaustão, mas o que tem de ser tem muita força: não encontraram outra porta que tornasse acessível a fuga à crise induzida. Por vontade expressa dos protetores (de santos nada têm), uns estoura-vergas da globalização mal aparelhada ainda, isto vai ou racha. E os senhores deputados e as senhoras deputadas que nunca tiveram oportunidade de apreender a sagacidade da raposa perante o corvo de queijo no bico (as novas oportunidades são coisa recente) fizeram passar a mensagem às vítimas escolhidas a dedo, toca a enfardar.
Aliás, a mescambilha não só foi montada por esses protetores reinadios (felizmente vão pôr-se a milhas, quando o relógio da torre da Pândega exibir o último suspiro), mas também por antecedentes reinantes - safados e malvados - que fugiram com o rabo à seringa. Hoje por hoje, não há forma de fazer escapar à rapina os pobres de espírito e de carteira, antes emagrecer na honra, que engordar na infâmia. Cumpridores honestos fazem orelhas moucas ao desatino e é isso que o destino reserva a quem tem apenas uma linha de rendimentos garantida.
(Os eleitos da salvação da pátria quedaram-se de cara amarrada, um bocado murchos, é verdade, até lhes deu para ver navios, ranger (os poucos) dentes, lamber feridas, beber lágrimas vertidas, mas isso já lhes passa.)
Agora, não dá para perceber, a razão pelo qual, as excelências se quedaram de cara à banda, quando os togados do Tribunal Constitucional, obrigados a lavrar uma palavra de rei que-não-volta atrás, deram cabo do arranjinho arquitetado para retirar mais umas postas às pensões, no entretanto. Quando se pensava que o alívio da carga dos inculpados deixasse as senhoras deputadas e os senhores deputados do arco-da-governação, ou coisa-que-o-valha, com cara de Páscoa, nada disso, antes puseram cara de caso, de funeral mesmo. Continuam a dizer que não há volta a dar, os pais-de-velhacos…
Da próxima vez que falarem de sacrifícios, senhores deputados e senhoras deputadas, digam, sem peias, que querem salvar a pele dos privilegiados (e a vossa, de caminho), ponham o ar zombeteiro da indiferença perante a dor (que nem sabem anestesiar), ar esse que vos vai a matar. Ou não digam nada, o que tem de ser tem muita força (ou coisa que o valha). E poupem-nos ao despudor dessa cena da equanimidade, fica-vos mal alinhar numa cruzada onde muita boa gente vai deixar a pele, gente que deveria merecer um mínimo de respeito que vosselências exilaram.