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oitentaeoitosim

06
Out17

BESIGUE dois

Jorge

Excelentíssimo Senhor

Do Jornal «Publico»

 

Publicou o jornal dirigido por Vexa uma série de artigos de fundo sobre racismo em Portugal, tema polémico que exigiu a mobilização de vastos recursos.

Confesso a Vexa que não li as 3 primeiras partes, portanto, sobre elas não me pronuncio. Quanta à 4ª parte, atrevo-me a tecer algumas considerações.

Em primeiro lugar, estão lá registados factos pontuais que merecem reparo da parte de pessoas entrevistadas:

 . A insignificante % de pessoas negras que tiram cursos superiores, em Portugal; fraca é também a sua representatividade em altos cargos altos de empresas, de serviços públicos e da governação do país.

. A existência de «escolas malditas», frequentadas por número significativo de alunos negros

. A indiferença dada por manuais às lutas de libertação da maioria dos PALOP, deslustrando-se assim todas as revoltas que desembocaram na independência daqueles países.

. A desconfiança de colegas e profes, quando são averbadas classificações altas a alunos negros

. A colocação metódica de alunos negros no «fundo da sala» da aula, sendo que a aula era dada para os alunos da frente.

A ser assim, penso que Vexa concordará comigo que tais evidências são muito inquietantes, a exigir reparação imediata.

Em segundo lugar, outras são avançadas constatações, de âmbito social, altamente gravosas:

. O encaminhamento sistemático de discentes negros (80%) para as vias vocacionais do ensino secundário (os CEF, do básico, não são referidos).

. A preferência sistemática por brancos (tomadas por brancos decisores), em compita com negros por estágios ou postos de trabalho.

. A imanência do «racismo institucionalizado» (dos alunos negros os profes pouco esperam em termos de grandes performances escolares e os alunos acabam por dar satisfação à desconfiança).

. A instituição escolar de Portugal produz exclusão.

. Portugal é um Estado racial, que não racista, sendo que a Escola reforça o privilégio branco.

Penso que Vexa concordará comigo que ficam aqui evidências inquietantes a exigir reparação.

A ser assim, penso que Vexa concordará comigo que tais evidências são muito inquietantes, a exigir medidas corretivas, no curto prazo.

Em terceiro lugar, o artigo deixa, também ele, sugestões:

. Que sejam publicadas estatísticas relativas ao Ensino em Portugal, com uma matriz étnico-racial.

. Que sejam criadas, em diferentes sectores sociais, quotas de raça, como as há de género e poderá haver de classe.

.Que seja eficazmente implementado e sem subterfúgios o Plano Nacional do Sucesso Escolar (visa a redução sistémica de «negas»).

. Que o projeto-piloto «Autonomia e Flexibilidade Curricular» traga novos caminhos pedagógicos e percursos didáticos eficazes contra a discriminação.

.Que as portas das instituições superiores se abram definitivamente aos negros.

Penso que Vexa concordará comigo que se faz caminho ao andar, que a apatia não cura.

Em quarto lugar, permita Vexa que meta aqui umas buchas da minha lavra:

. Na época dita das Descobertas e séculos posteriores Portugal chegou a ser o principal país fomentador do indigno tráfico de pessoas de África (assim o determinava o desenvolvimento capitalista da época).

. Também é verdade que o colonialismo ficou instilado na alma das gentes deste país. Mas, tenho para mim que o estigma da superioridade, seja étnica, racial, ou cultural (artigo de fé, em épocas anteriores) se tem vindo a esbater, sendo verdade que as gerações mais recentes se borrifam bastante para isso.

. Soube dum estudo recente que os portugueses se encontram entre os mais tolerantes do mundo, em termos de prática religiosa, tão marcante na atualidade (em contradita, outras investigações põem os portugueses no pelotão dos comandantes da pragada do racismo na Europa, para meu espanto) e isso já é bom.

. Se nenhum ser humano merece passar fome, da mesma forma ninguém merece viver em bairros degradados (viu-se isto acontecer em França, a muitos homens e mulheres idos desta ocidental praia lusitana e só lhe chamaram chauvinistas aos franceses).

.Que eu saiba, raça humana (com origem em África, precisamente!) há uma e a discriminação pela tonalidade da tez é tão só um pretexto atávico de manter privilégios (a combater, sem dúvida), ou demonstrar que se sente a falta deles.

. São os grandes beneficiários do sistema social instalado aqui e em muitos países e lugares que criam ostracismos (enquanto se vê a árvore, esquece-se a floresta), mantidos até mais não para perpetuação de desigualdades tidas por irrevogáveis.

. A Escola, saída do 25 de Abril, apesar das suas limitações, tem-se mostrado empenhada na inclusão, na cidadania e na multiculturalidade e nela são visíveis sinais de aceitação das diferenças que figuram no seu espaço de atuação (lamento dizer que a Escola ainda favorece o sucesso dos filhos dos mais abençoados do sistema).

. É redutor enfocar o racismo (a combater, sem dúvidas), numa perspetiva de passa-culpas e apontar a soluções menores.

Posto isto, permita Vexa que, no que respeita a esta 4ª parte do dossiê, eu ache que os objetivos são tão só parcialmente atingidos.

PS1 – Fernando Pessoa garantia que o povo português é, essencialmente, cosmopolita; que um português foi sempre tudo (apesar de tantos deslizes, a evitar).

PS2 – Não me canso de repetir quanto me satisfez a resposta dada por aquele cidadão negro, durante uma discussão acalorada, a que assisti. Instado a dar corda aos sapatos e pôr-se ao fresco (vai para a tua terra!), respondeu de pronto: «mas eu nasci cá!»...

PS3 – Episódio duma série policial: um senhor queria muito mal a uma senhora, pelo facto da empresa para a qual ela trabalhava querer abarbatar-se com a água de aquíferos e rios, no país de origem do cavalheiro; acusado de a matar (não foi), disse aos investigadores que ela bem mereceu desaparecer, porque os recursos são de todos; alguém, então, lhe perguntou se ainda não tinha reparado que toda a sociedade atualmente funciona assim...

Besigue dois.jpg

- Há estrangeiros na tua escola?

- Não, na minha escola só há meninos e meninas.

 

 

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