Cavalo de madeira
Aquele era mais uma negociação decisiva, a derradeira hipótese se se chegar a um acordo.
A disputa ocorria entre os representantes dos credores que sempre se haviam sentado acintosamente do lado direito da mesa de negociações.
(A dívida era medonha.)
O lado esquerdo da mesa de negociações era ocupado religiosamente pelos representantes do país que tinha um a dívida impagável, há muito. Aquele país tinha-se esforçado por pagar essa conta calada, tintim-por-tintim, em tempo escasso, sem sucesso.
(A dívida seria impagável.)
Pela conta mais corrente, a fornada de negociações decisivas já tinha ultrapassado a barreira da dúzia, em meia-dúzia de meses. O processo das negociações não atava, nem desatava, estava-se num impasse
(Mas que dívida medonha!)
As negociações vinham-se a arrastar, indolentemente, à espera que o interveniente naquele braço-de-ferro caísse para o lado. Os do lado direito tinham a faca e o queijo e não estava ali para ceder, a última palavra seria deles.
(Constava que a dívida seria impagável!)
Os comunicados finais, ditados por quem de direito, falavam invariavelmente na busca de uma solução consensual que ficava para a próxima ronda. Talvez para as calendas gregas.
Outras negociações decisivas estariam a caminho.
Tendo-se-lhes esgotado o músculo e a verve, os negociadores da banda esquerda pedem um desconto de tempo à mesa, uma paragem técnica: precisavam de consultar o fiel povo das berças, a ver se ainda podiam contar com o seu apoio para novas refregas decisivas.
Que sim, era-lhes concedido pelo lado mais forte o direito ao referendo, junto dos patrocinadores.
(Parece que nunca fora vista dívida tão medonha!)
Feita a consulta, o lado mais fraco da mesa das negociações decisivas recebeu um apoio à sua estratégia, que não cedessem, que mantivessem a cabeça levantada e a posição altaneira.
(Parece que a dívida seria impagável por séculos afora!)
A vitória – moral e dilatória – foi comemorada sem grandes entusiasmos, ao que se crê, nas ruas do país que precisava de dinheiro como de pão para a boca.
(Já alguma vez viste uma dívida tão medonha?)
Um ou dois agentes da autoridade dos senhores credores, do lado direito da mesa de negociações decisivas, fizeram saber que querem o deles de volta, todinho e contra isso, batatas! Que não há pai para eles.
(Já alguma vez foi fabricada uma despesa assim tão impagável?)
As vitórias de Pirro sabem a pouco e os donos disto tudo - em poses de Zeus - sabem que não podem dispensar os Sísifos à mão de semear, tão pouco abrir mão dos bem elaborados suplícios de Tântalo.
Vêm por aí mais negociações decisivas para o futuro (onde estacionaste o cavalo de madeira, Ulisses?)
(Não me peçam que resolva a crise do euro!!!)