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oitentaeoitosim

12
Mar15

Coisas que nós fazemos (1)

Jorge

Pino vivia no Norte profundo e amava visceralmente a sua terra. «Deixem-se lá de lérias e cantigas, pode lá haver pedaço de Terra melhor que este?!» Ali tinha tudo o que queria da vida: sossego, ar bom, verde com fartura, produtos da terra ainda melhores e muita gente boa. São e rijo que nem um pero - deo gratias - não tinha ninguém a seu cuidado, razão pela qual se habituara a uma existência de lobo solitário, casamento e descendência podiam aguardar.
E assim foi.
Pino gostava de confraternizar com os amigos, fosse por telemóvel, pela net, por telefone fixo e até por carta, coisa rara, nos tempos que correm. «Se houvesse mais gente a escrever cartas, as estações dos CTT não se assemelhariam cada vez mais a tabacarias, só não vendem tabaco» - comentava, às vezes.
Pino gostava muito de fazer amizades, de confraternizar com amigos, de visitar e ser visitado por amigos.
Lino tornou-se amigo de Pino. Lino vivia num arrabalde, quem lhe tirasse a proximidade de Lisboa tirava-lhe tudo, não dispensava concertos, teatro, cinema e sobretudo o cosmopolitismo entranhado naquela cidade. Era um tipo pacato, por isso talhado para a vida em cidades, fazia o seu trabalhinho o melhor que podia e sabia, sem grandes alardes.
Lino gostava muito de fazer amizades, de confraternizar com amigos, de visitar e ser visitado por amigos.
Foi hipocondríaco, mas rapidamente se curou disso, não tinha qualquer maleita. Depois sentia-se bem a viver e a conviver, não lhe faltava dinheiro para gastos, o que ajuda muito. Os projetos de vida podiam esperar, afinal a vida dura dois dias, adiar é preciso…
E assim foi.
Lino conheceu Pino, aquando de um jogo de futebol do clube de comum predileção, o qual militava na primeira divisão da terra. Não se conhecendo de lugar algum, ficaram lado-a-lado e fartaram-se de atirar piadas ao árbitro que não atinava com as apitadelas, aos jogadores forasteiros que só sabiam dar cacetada e até aos da casa que tinham o dever de fazer tudo perfeito, «não venham com desculpas que errar é humano, vocês treinam todos os dias a tática e as estratégias entre linhas, na vertical e na horizontal, portanto tinham obrigação de conseguir mais que um golo raquítico e bafejado de sorte!»
Lino e Pino ficaram amigos e passaram a visitar-se com frequência. Da última vez, Pino abandonou o apartamento de Lino à Lagardère, sem dizer- água-vai. Sem mais aquelas…
Muito estranhou Lino tal procedimento, e do amigo nunca haveria mais de receber mensagens, emeiles e cartas, apesar das suas múltiplas insistências. Por telefone, tentou chegar à fala: não era atendido, a chamada caía, ia parar à caixa de mensagens, ou estava desligado.
Entre ambos instilou-se um silêncio de chumbo.
Que poderia ter sido derrubado da vez em que estiveram próximos, no mesmo estádio em que se tinham conhecido, no mesmo sector, só que em filas diferentes e nem esboçaram uma aproximação, só um aparente reconhecimento de vista, triste, plúmbeo mesmo.
Só Laura, a vizinha do andar de acima de Lino, conhecia a causa do azedume inopinado. Tinha sido ela que vendera a ideia a Pino, que o seu amigo dizia cobras e lagartos dele, mal virava as costas, a caminho do norte.
Só no outono da vida, já com dificuldades de locomoção e de tino, Pino apuraria, através de uma prima afastada que era amiga de uma cunhada do ex-marido de Laura, que tais conversas entre Lino e Laura não haviam tido lugar, pura e simplesmente porque Lino nunca-mas-nunca passou cartão a Laura e vice-versa, as conversas entre ambos não passaram de «bom dia», «boa tarde» ou «boa noite», cumprimentos usuais entre pessoas que se dão ao respeito.
Pino então achou que não havia volta a dar-lhe, instalou-se de armas e bagagens em casa de Laura, crente que o arrependimento lava a culpa.

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